terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Voltei para contar!

Voltei para contar!

Antonio Nunes de Souza*
Como é o destino de todos os seres vivos, comigo não seria diferente. Morri, tranquilamente, no dia que me foi determinado e, claro que aceitei de uma maneira educada, chorando um pouco, da mesma maneira que procedi ao nascer. Só não me deram um tapa na bunda e nem um peitinho para mamar. Mas...tudo bem! Claro que tinha de ter suas diferenças, pois, antes eu estava chegando e, naquela hora, eu estava indo. Passei setenta anos me educando para aceitar meu retorno às origens, sem ficar chiando e querendo mais. Comportamento bastante comum na grande maioria que quer ser eterna! Para mim foi tempo mais que suficiente.
Vocês não podem imaginar as estripulias que tive de fazer para poder voltar para contar como são as coisas por lá, matando a curiosidade de todas as pessoas da face da terra, pois, como sabemos, cada vertente religiosa puxa a sardinha para sua brasa e conta da maneira que mais lhe apraz, confundindo a cabeça dos pobres humanos.
Cheguei, trajando meu traje passeio completo (todos os parentes nos vestem assim pensando que vamos a uma festa), e, educadamente, estirei a mão para o porteiro recepcionista para me apresentar, e ele, se antecipando, foi logo dizendo: Seja bem vindo Antonio Nunes, aqui será o seu novo lar! Meu nome é Pedro e sou responsável e chefe do Departamento Celestial de Controle do Paraíso.
Rapaz... dei um suspiro e, intimamente, um grande sorriso ao perceber que estava no céu. O porteiro era Pedro e o departamento era celeste, então não havia erro e eu, me imaginando um grande pecador, não esperava essa bonificação divina de ser agraciado direto para a terra prometida.
Pedro chamou um anjo alto e robusto e ordenou: Leve nosso novo hóspede para a ala norte e lhe dê uma nuvenzinha de quarto e sala, com vista para o Brasil, para que ele possa olhar sempre o país que viveu, matando assim a saudade.
Sem nada falar o anjão me pegou pelo braço e saímos voando até o destino, Achei um barato tirar uma onda de super homem, curtindo o vento batendo no rosto durante o percurso.
Aí ouvi pela primeira vez a voz do anjo que era um negro com mais de dois metros de altura e a largura dos ombros não ficava atrás: Eu vou ser seu anjo “de guarda” e não “da guarda”. Procure andar na linha, obedecer todos os regimentos internos, senão vai se haver comigo! Mermão a voz do cara era como se fosse uma trovoada. Só faltavam os relâmpagos. A única coisa que consegui dizer foi: Sim senhor!
-Nada de senhor. Aqui só tem um Senhor. Você basta dizer, meu anjo!
Imagine vocês eu olhar para aquela muralha com cara de poucos amigos e, meigamente, chamar de meu anjo, Será que estão me estranhando? Não leram minha ficha cadastral e viram que eu na terra era espada? Mas, tudo bem. Vamos ver a continuação dos acontecimentos e nada de fazer conjecturas.
Como estava agoniado por ter permanecido dois dias durante a cerimônia fúnebre e a viagem, tirei a roupa e fui tomar um banho numa nuvenzinha Lorenzette instalada no sanitário, abri um guarda roupa e estava cheio de batas de várias cores, bordadas e simples, mas, longas e bonitas. Vesti uma branca e, pelo cansaço, deitei e dormi como um anjo nas nuvens (a mortalidade imitando a vida).
Acordei horas depois com o repicar de um sino e, com o som igual aos desses carros dos cocos- boys que ficam nas conveniências dos postos, uma voz convocava todos para as orações da noite e, posteriormente, o jantar.
Como era a primeira vez que ia sair e participar de uma reunião coletiva, imaginei que iria encontrar com velhos conhecidos, e aproveitaria para dar notícias das famílias, inclusive dizer para eles que a administração pública de Itabuna estava uma tragédia. Mas, nada disso aconteceu! Encontrei meu anjo (ainda não me acostumei com a idéia de meu anjo) e perguntei a razão de, entre mihões de pessoas, eu não ver nenhum conhecido? Ele, com a voz de trovão, disse que havia uma triagem e que os conhecidos nunca se encontram por lá para evitar fofocas e grupões corporativistas (me fez lembrar de algo parecido aqui na terra).
Nesse momento, todos de pé em uma enorme e infinita nuvem, começamos a ouvir uma voz meiga e acalentadora proferindo palavras carinhosas e de bom senso, nos deixando leves que chegávamos a flutuar de emoção. Perguntei a um homem que estava ao meu lado, quem era que estava falando e ele respondeu sussurrando: É o Cara!
E eu, rapidamente, disse; É o Lula?
-Qualé rapaz! É a Santíssima trindade!
Esse foi meu primeiro mico celestial. Se meu anjo tivesse ouvido eu teria tomado uma porrada, com certeza!
Acabada a pregação, nos benzemos e apareceram os anjos garçons, com batas pretas e gravatas borboletas. Chamei um e perguntei o que tinha para beber e ele, prontamente, respondeu: Temos somente água benta com gás e sem gás. Qual você deseja?
Sem muita opção, pedi uma sem gás e disse: E para comer?
-Temos manjar de molho pardo, escabeche, frito, na chapa e salada de manjar com molho de orações!
-Pode trazer minha água e uma salada. Peça para caprichar no Pai Nosso, pois estou precisando muito!
Jantei essa variação em torno do mesmo tema, voltei para minha nuvem e, na passagem pela recepção, como Pedro estava cochilando, aproveitei para vir aqui e contar para vocês como funcionam as coisas por lá. Maiores detalhes poderei dar no nosso próximo encontro, caso eu tenha oportunidade de outra saída.
Um abraço e, sinceramente, aqui está ótimo, mas, estou com saudade de todos vocês! Mas, quem sabe se no decorrer não me depararei com grandes novidades? Aí, voltarei para contar!

*Escritor (Vida Louca – ansouza_ba@hotmail.com)

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