Meu amigo das Arábias!
Antonio Nunes de Souza*
Remexendo o HD mental, fui ao fundo do baú e me lembrei de um amigo da juventude que, talvez pela sua origem árabe, tinha um comportamento estranho, curioso e interessante. Até seu nome soava engraçado em nossos ouvidos, já que estávamos habituados aos Josés, Joãos, Pedros, Antonios, etc., e ele apareceu em nossa cidade com o nome de Munyr. O sobrenome eu nem me lembro, mas, da sua pessoa eu jamais poderia esquecer, pois, pela sua sagacidade, sempre estava aprontando algo e a culpa sempre recaía sobre os outros. Porém, como a justiça tarda, mas não falha, um dia ele pagou todos os seus pecados com o fato que narro a seguir:
Era comum naquela época, tranqüila e sem bebidas e drogas, nos reunirmos nos sábados no jardim para olhar as meninas passeando e, ao mesmo tempo, contarmos piadas, gozações, falar da vida dos outros, etc., e, depois das 22 horas que as meninas se recolhiam, inventávamos uma sacanagem qualquer para fazermos, completando a nossa boêmia e inocente noitada.
Nessa noite, Munyr deu a sugestão para nós comermos uma galinha de molho pardo no cu da madruga, sem ter que gastar porra nenhuma.
-Tá maluco cara? Como é que vamos conseguir isso?
-É simples putada (o sacana xingava pra caralho), dona Joana tem no quintal uma porrada de galinhas caipiras, vamos fazer um sorteio e, quem perder, vai pular o muro e “bafar” a penosa mais gordinha e nós nos picamos.
-O coro da raça foi: Rapaz...essa merda pode dar a maior bronca! Uns dois mais frouxos, Marcelo e Ronaldo, foram logo dizendo que estavam fora e saíram de fininho para casa.
-Vocês vão, mas, não comentem nada senão vão se foder com a gente! Gritou Munyr, já que era o dono do plano e se achava o chefe. Eu pensei comigo mesmo: Esse gringo sacana vem lá da casa do caralho e quer ser o líder da nossa rua!
-E quem vai preparar a galinha, seu sabichão? Gritou Uaimari um corninho chato e encrenqueiro que teimava com todos e com tudo.
-Tá esquecido que minha vó tem um hotel? Lá tem uma empregada que eu como ela de vez enquanto e é só acorda-la que ela faz pra mim com todo prazer. Fazemos uma vaquinha e compraremos umas 3 cervejas para completar a festa.
Ficamos com um grupo de oito e passamos a preparar os números para fazer o sorteio de quem iria ser o batedor de galinha. Quem tirasse o número maior seria o premiado!
Colocamos os bilhetes no banco da praça e cada um tirou o seu. Eu estava me cagando de medo, mas, não podia fraquejar de jeito nenhum. Por sorte tirei o 5 e, por ironia do destino, o puto do Munyr tirou o 8. A turma riu pra caralho, mas, por incrível que pareça, o porra do árabe tinha um sangue frio retado. Nem parecia que o sacana iria invadir uma cada e roubar. Vá ver que esse sacana era descende de Ali-Babá ou seu avô foi um dos quarenta ladrões.
Fomos todos para a rua da casa de dona Joana, que era deserta e tranqüila e, lá chegando, ficamos na esquina e Munyr foi cumprir sua missão.
-Não é melhor deixar essa porra pra lá não? Falou Marcão meio preocupado.
-Qualé cara! Já tá decidido e vamos até o fim. Afirmou o puto do Munyr, se sentindo o “cara”!
Como o muro era baixo, ele não teve dificuldade de saltar, mesmo sem precisar de ajudas. O desgraçado era um gato cheio de manhas que deve ter herdado dos seus parentes Tuaregues, assaltantes do deserto.
Todo mundo na maior expectativa e no maior silêncio, até que ouvimos as galinhas fazerem um carnaval retado, um tal de cocoricó, asas batendo, galo cantando e, no silêncio da noite, o barulho era de foder. E aí, mais que depressa, nos picamos quando ouvimos uma voz grossa gritar de dentro da casa: Pare imediatamente senão vou atirar seu ladrão descarado!!!
Lá ao longe ainda ouvimos Munyr gritar: Em nome de Alá não atire não Habib!
Corremos e paramos ao longe e ficamos aguardando os acontecimentos, esperando o aparecimento de Munyr. Passou mais de meia hora e, para nossa surpresa, aparece o delegado segurando Munyr pelas calça (atrás) e ele com a galinha embaixo do braço. O pior é que o sacana nem parecia que tinha entrado numa fria. Continuava com as feições firmes e não “cagoetou” ninguém, segurando a barra sozinho como um profissional. Pensei comigo novamente: Essa desgraça vai ser um grande gatuno ou político do DEM ou PSDB!
Fomos todos acompanhando, à distância, o delegado rebocando Munyr e resolvemos passar na casa dele para avisar ao seu pai a merda que estava acontecendo. Mas, ao chegar na delegacia, vimos que o próprio delegado estava telefonando para o pai dele solicitando sua presença. Isso já era meia-noite.
Aconteceu que dona Joana era uma quarentona solteira que morava sozinha e tinha um caso com o delegado. Por azar de todos nós, essa noite ele tinha ficado até mais tarde, já que, por causa da sua mulher, sempre ia lá, dava sua fodinha e 21 horas se picava para casa dizendo que estava na delegacia.
Despontou o pai de Munyr montado em uma moto maior que ele, meio apavorado por causa da hora e com receio de ter sido um acidente grave, saltou e o delegado foi contando a estória. A essa altura, Munyr já estava com a roupa toda suja, pois a galinha tinha cagado ele todo! Seu pai lhe deu dois tabefes no pé do ouvido, o delegado o acalmou, pegou a galinha e deu ao sentinela, autorizando que podia leva-lo para casa.
O pai o colocou na garupa da moto e gritou na cara dele: nem pra ladrão de galinha você dá seu banana! Vai terminar sendo um professor pra se foder o resto da vida!
E se picou, sem mesmo olhar para nós que, pela janela, acompanhava a putaria toda!
Isso aconteceu há muitos e muitos anos atrás, e não é que outro dia me encontrei, casualmente, com ele num shopping e perguntei: O que é que você faz na vida meu amigo? E ele me respondeu: Sou professor de educação física!
Dei uma grande gargalhada e voltei a pensar comigo mesmo: Que praga de pai filho da puta!!!
*Escritor (Vida Louca – ansouza_ba@hotmail.com)
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