terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Cruzeiro ou cruz credo?
Antonio Nunes de Souza*

Desde os tempos idos que vejo através de filmes, televisão, fotos, etc., as maravilhosas viagens de navios luxuosos e cheios de atrações, atracando em diversos portos pelo mundo a fora, proporcionando aos seus viajantes dias e lembranças inesquecíveis. Então, como um ser humano normal e desejoso de também usufruir de tal alegria, comecei a economizar meu parco e minguado salário, no sentido de algum dia poder, também, ser um privilegiado filho de Deus, singrando os mares e trazendo dezenas de fotos para meter inveja aos meus colegas de trabalho, amigos e vizinhança.
E foi o que resolvi fazer esse ano, querendo me anteceder a tal da crise que se avizinha ao nosso sofrido Brasil. Procurei uma das melhores companhias, como não poderia ser de outra forma, dei 50% de entrada e parcelei o restante em 10 vezes no cartão. Essa é, sem dúvida, a maneira peculiar de pobre ousado querer imitar os ricos e depois ir parar no Serasa e SPC.
Mas, como era um sonho que vinha desde minha adolescência, não me preocupei com esses detalhes e, sem pestanejar, comecei a comprar roupas adequadas para banho na piscina, blazer para as festas mais solenes e salões de jogos, etc., além de uma série de bermudas e camisas de grifes para me apresentar dignamente e fazer bonito durante todo trajeto. Até uma mala importada cheia de rodinhas eu coloquei no meu enxoval de marinheiro de primeira viagem!
Juro que ficava contando os dias para nossa partida, já me imaginando ser um Leonardo de Caprio, arranjar uma gata linda, rica e maravilhosa e abrir os braços na proa ouvindo aquela canção romântica e inesquecível.
E não é que o dia chegou?
Chegamos todos no horário determinado, fomos recepcionados pela equipe de bordo, nos levaram para nossas cabines, lemos e ouvimos através de um serviço de vídeo todas as instruções pertinentes, e começamos a arrumar nossas coisas nos devidos armários. Como minha cabine era dupla, fiquei com um advogado de nome Gabriel que, mesmo sendo do sul da Bahia, estava no Rio onde tem muitos parentes, resolvendo voltar no cruzeiro, desembarcando em Ilhéus.
Não posso negar que os dois primeiros dias foram sonhos recheados de tantas novidades e experiências novas. Todos riam, brincavam, faziam amizades e tudo era uma festa completa, que eu já estava ansioso para voltar, somente para juntar a turma num churrasco e contar minuciosamente e mostrar as centenas de fotos. Claro que iriam babar de inveja!
Mas meu amigo, no terceiro dia, como se fosse uma praga, acordamos todos com uma dor de barriga desgraçada, febre, desmaios, dores de cabeça e o navio era uma fedentina só. Pois, pela caganeira que assolou o transatlântico, poderíamos apelidá-lo de “O Titanic da Diarréia”!
Já vi faltar tudo em passeios e festas: whisky, cerveja, salgados, etc., mas, nunca tinha visto alguma que faltasse papel higiênico! E no navio faltou! Já estávamos limpando a bunda com os guardanapos, não só pela falta de papel, como também o furico já estava dolorido de tantas limpezas.
A enfermaria parecia uma festa de largo de tanta gente aglomerada na porta, já que dentro não cabia mais ninguém. As barrigas fazendo aqueles ruídos estranhos e ninguém, por mais vontade que tivesse, não se arriscava a peidar. Pois, como aconteceu com vários incautos que facilitaram na surdina, tiveram o dissabor de ver escorrer o caldo amarelado pelas pernas, causando uma vergonha e um vexame sem precedente.
No início da viagem ficávamos todos embevecidos admirando os grandes cardumes de golfinhos, que seguiam o navio dando saltos ornamentais. Mas, do terceiro dia em diante, via-se apenas um ou dois, mesmo assim com as barbatanas tapando as narinas, dado aquela mancha amarela mostarda que seguia a embarcação, expelida pela grande quantidade de descargas dos banheiros das cabines.
O próprio Capitão, coitado, não sabia se defecava ou atendia os passageiros. Uma situação tão constrangedora que, depois da intervenção da delegacia sanitária da cidade que estávamos fundeados, fomos obrigados interromper o passeio para hospitalizar uma grande fatia dos turistas, dado o estado requerer cuidados especiais.
Depois de medicado, me colocaram em um avião, assim como muitos outros, voltando para o Rio de Janeiro. Chegando ao aeroporto, minha família em peso estava a minha espera e, em coro, me perguntaram:
-Como foi à viagem?
E eu, puto da vida, respondi: Literalmente, Uma MERDA!!!!!!

*Escritor (Vida Louca – ansouza_ba@hotmail.com)

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