segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Minha festa do dia dos pais!

Antonio Nunes de Souza*

Acordei lépido, fagueiro e cheio de alegria, torcendo para chegar a noite, quando seria homenageado em nossa reunião rotária, com uma festança cheia de surpresas preparada com amor e carinho pela casa da amizade.
Olhei-me no espelho, vislumbrei meus cabelos brancos que ajudam a dar um charme ao meu visual ainda conservado, mesmo brigando com tempo, supondo que, ainda consigo enganar a platéia aparentando jovialidade. Fiz a barba com esmero, tomei um bom banho, tomei café e segui para o escritório para trabalhar e contar as horas para desfrutar do meu delicioso momento noturno.
Mesmo o dia demorando de passar, finalmente terminei meu expediente, segui para casa, tomei um banho em regra, coloque uma das minhas roupas domingueiras, barrufei pelo corpo um perfume francês e segui imaginando ser confundido com um jovem saradão, que apenas pintou os cabelos para estar na moda e “bombar” na pista como nos velhos tempos.
Cheguei no recinto da festa, alegre e arisco, cumprimentando aqueles que já haviam chegado, vendo estampado em seus rostos uma alegria somente vista quando se trata de ocasiões especiais. E essa era uma delas!
Salão cheio, platéia eclética, onde se podia ver de bispo a pecadores e jovens até a terceira idade. Uma combinação perfeita para que o conjunto geral fosse apenas vislumbrado como um grupo animado e feliz, não deixando transparecer que havia desnível etário no ambiente.
Arrumada a mesa, saudamos o pavilhão nacional, todos acomodados em suas mesas, drinks servidos e, para o maior deleito, no palco havia um conjunto com um cantor com pinta de indiano, parecendo filho do duble de cientista/curandeiro Asha Ram, soltando boleros em profusão, entremeados de algumas bossas novas. Até aí estava tudo uma maravilha! Os sorrisos e os adeus choviam de uma mesa para outra, com os cumprimentos educados entre os presentes, vendo-se ainda na pista, alguns casais que dançavam e curtiam a noitada que iniciava.
Alguns minutos passados, a presidente da casa da amizade pediu uma pausa, agradeceu a presença de todos e anunciou a presença de uma cantora voltada para músicas religiosas, que nos brindaria com algumas canções em trono do tema. Educadamente aplaudimos e ela iniciou mandando ver aquelas músicas com letras cheias de chavões saturados, pedindo e dando perdões, frases feitas e carimbadas que já decoramos ao longo do tempo. Fizemos cara de sentimento e ficamos pedindo a Deus para acabar logo. Felizmente, Ele atendeu nosso pedido e ela só cantou dois números.
Já não gostei dessa primeira etapa, mas, como foi rápida, consegui digeri-la pacientemente, pois, pela diversidade de gostos dos presentes, temos que agüentar educadamente algumas situações. Porém, depois da cantoria angelical, foi anunciada uma pedagoga que iria fazer uma palestra homenageando os rotarianos. Aplaudimos entusiasticamente, esperando uma série de gabolices e elogios, que nos deixaria como verdadeiros Deuses gregos: fortes como Hércules e belos como Narciso.
Rapaz... quando a moça começou a falar e projetar no telão detalhes do que dizia, começamos a perceber que o assunto em pauta era os problemas da terceira idade.
Não acreditei que aquilo estava acontecendo! Todos se olhavam entre si, os mais jovens gargalhando, os médios sorrindo e os mais velhos estampavam no rosto um sorriso amarelo ou fechavam a cara com o ar de ofendido. E o pior é que a moça não dava tréguas! Começou com dor de cabeça, partiu para alimentação, parou no colesterol, nem deu bola para azia e má digestão e foi logo para labirintite, inibição da libido, deu uma parada substancial no enfarto do miocárdio e derrame, partindo forte para doença de Parkinson, fechando com chave de ouro com o mal de Alzheimer.
Se ela queria deixar os velhinhos na merda, ela pode ter certeza que conseguiu com honras e gloria!
Não tinha um que não estivesse se sentido um bagaço humano, cantando internamente a triste música de Raul Seixas “Esperando a morte chegar”.
Eu, na minha loucura contumaz, ria desbragadamente, imaginando de quem foi a brilhante idéia de programar essa palestra (maravilhosa para outra ocasião) para um dia de homenagem e festa para os pais. Imagino que, quem pensou e programou, tinha a melhor intenção do mundo. Mas, com tantas doenças, deu a entender que as intenções eram do outro mundo. Aquele que não queremos nem pensar, ainda mais num dia de festa.
Terminada a fatídica palestra baixa astral, para a ocasião, a moça sorria feliz pela missão cumprida e nós batemos uma calorosa salva de palmas, não pelo conteúdo, e sim pelo alívio da finalização da tortura psicológica que estávamos sendo submetidos.
Segui-se com uma distribuição de brindes, foi servido o jantar e, os sobreviventes, ficaram dançando ao som da voz melodiosa do cantor descendente de Ghandi.
Eu, como estava solteiro, levantei-me sorrateiramente e voltei para casa, já pensando em programar com muito carinho uma festa a altura da nossa para homenagear o Dia das Mães.
E, com certeza, já tenho em mente todos os planos traçados para que não falte nada com relação às generosas mães que tanto nos querem bem. O palestrante começará com pés de galinha, rugas na face, papo no queixo, ponte móvel e ponte fixa, seios caídos, celulite, câncer de mama, mioma, deslocamento de útero, menopausa, artrite e osteoporose.
Não quero que pensem tratar-se de uma vingança. Apenas desejo demonstrar quanto às amamos e temos cuidados com suas saúdes.

*Escritor (Vida Louca – ansouza_ba@hotmail.com - antoniomanteiga.blogspot.com)

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