quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Vamos comer, vamos comer!

Vamos comer, vamos comer!
Antonio Nunes de Souza*

Quem ouve essa canção do poeta/cantor baiano tem a impressão inicial que se trata de um conselho glutão, estimulando uma alimentação contínua e quantitativa. Mas, na verdade, é uma alusão a necessidade de se alimentar condignamente, porém sem maiores exageros.
E ela, infelizmente, entendeu ao contrário, seguindo ao pé da letra como se fosse uma determinação imperiosa de empanturrar-se, literalmente, durante todos os momentos do dia.
Assim era Lúcia, minha querida namorada que, quando a conheci, tinha um corpinho de manequim, alta, esbelta, charmosa, tão reta na frente, com a exceção dos seus lindos e empinados seios, como cheia de curvas sinuosas e provocantes nas costas e laterais. Mulher que poderíamos considerar bonita dentro dos padrões de beleza, que nos provoca desejos confessáveis e não confessáveis.
Amávamos-nos loucamente e saímos para todos os programas agradáveis, pois, tratando-se de uma mulher inteligente e bem informada, gostos apurados e qualitativos como os meus (teatros, cinemas, eventos culturais, etc.), formávamos um par perfeito. Porém, atendendo seu carinhoso pedido, sempre terminávamos o dia ou a noite em um restaurante, lanchonete ou algum lugar que servisse algo para se comer. Nesse particular, sua voracidade era ímpar! Em princípio imaginei que fosse apenas um ímpeto sazonal, que logo seria amenizado ou, pelo menos, controlado em função de não engordar que é uma preocupação constante das mulheres. Mas, Lúcia era diferente! A mulher sentia orgasmo oral com a ingestão de alimentos. Estar com a boca cheia era para ela uma sensação deslumbrante e feliz e, nesses constantes momentos, eu ficava admirando sua disposição, porém, não deixando de dizer carinhosamente que ela deveria moderar aquele apetite feroz. Ela dava aqueles sorrisos amarelos e, sem a menor cerimônia, chamava o garçom e pedia: Enquanto não vem a moqueca de camarão, por favor traga duas casquinhas de siri e algumas ostras. Eu, para não parecer que era por medida de economia e miserabilidade, nada contestava, mas, achava um absurdo aquela maneira descabida de como ela comia. Juro que parecia que ela tinha acabado de chegar de Biafra!
O fato é que, mediante esse comportamento onde eu poderia ser trocado a qualquer minuto por um prato de feijão, e ela começou a engordar perdendo as suas lindas formas, deixando aparecer uma série de pneuzinhos e a barriga dobrando por cima das calças, logicamente tudo foi perdendo o encanto, até que resolvi cair fora antes que ela se transformasse em uma baleia e me matasse sufocado na cama com seu peso exagerado. Sem contar os chicletes que ela não tirava da boca, parecendo uma vaca ruminando com aquela mastigação constante.
Ouve choros e lamentos, quando saímos para conversar sobre esse assunto que muito me atormentava e externei o meu desejo de acabar com o relacionamento. E, por incrível que pareça, o local que ela escolheu para irmos dialogar foi o MacDonald.
Mesmo sendo aquele encontro determinado para finalizarmos nosso compromisso, em função do seu impulso glutão, ela, com lágrimas nos olhos ainda teve a coragem de pedir um BigMac e um suco de laranja duplo. Fiquei pasmo com a sua disposição e senti que ela se daria melhor sendo a namorada do dono do Baby-Beef!
Terminamos (eu o namoro e ela o modesto lanche) e procurei me levantar logo antes que ela pedisse mais um Hamburguer e uma coca-cola litro.
Passados alguns meses, casualmente, me encontrei com ela no shopping e, sinceramente, quase não a conheci. Aquela linda mulher que tanto chamava a atenção pela sua beleza, estava agora chamando a atenção pela sua gordura exagerada, uma bunda enorme, papadas no queixo, peitos grandes, moles e caídos, além de um andar deselegante e cansado pelo peso que tinha de carregar. Na sua cintura tinha mais pneus que nos boxes de fórmula um!
-Oi! Como vai você?
-Tudo bem! Quanto tempo sem nos encontramos, hem?
-Verdade! Tenho trabalhado muito e andei viajando também. Você está fazendo compras?
-Não. Vim passear e fazer um lanchinho e comer uma pizza!
-Ok! Um abraço e foi um prazer lhe rever!
-Tchau!
Saí pensando, como uma pessoa pode deixar de se amar e cuidar da sua aparência e saúde preferindo o pecado da gula?

*Escritor (Vida Louca – ansouza_ba@hotmail.com)

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