quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Filosofando em tupiniquim!

Filosofando em tupiquim!
Antonio Nunes de Souza*

Eu, menino criado no interior nos idos de antanho, fazendo todas as coisas hoje condenáveis, consegui, magicamente, sobreviver meus quase setenta anos com uma saúde invejável, somente tornando-me um homem cheio dúvidas com relação ao “modus vivendi” do nosso dito mundo atual.
Uma das que mais me deixa pasmo e confuso é que eu seja um erro genético, conseguido através de um espermatozóide fora do padrão que, com autodefesa miraculosa, enfrentou e enfrenta as maiores adversidades, continuando impecavelmente saudável.
Somente para ilustrar, claramente, o meu relato de confuso ser humano, se faz mister que cite alguns comportamentos considerados estranhos e absurdos na atualidade, que eu, grotescamente, fazia e continuo fazendo, sem ter a desdita de ser acometido das ferozes doenças da nossa moderna e conceituada atualidade.
Já quando engatinhava no quintal da nossa casa, contava minha tia que com muito amor me criou, que minha distração favorita era comer terra. E, por essa razão, ela era obrigada a me policiar constantemente, porém, esse meu lanchinho eu não dispensava nunca às escondidas. Talvez por isso nunca tivesse lombrigas! Provavelmente, elas não gostavam de arenito. No decorrer dos anos passei a ser um moleque forte, robusto que, mesmo com uma educação rígida, sempre vivia solto pelas ruas jogando bola nas calçadas e adorava ir para as feiras livres. E, como era um garoto bonitinho, simpático e sobrinho da dona de uma boa loja na cidade onde os feirantes eram fregueses e me conheciam, ficava olhando as montanhas de frutas no chão com o olhar de desejo e pidão e, facilmente, era agraciado pelo vendedor com alguma já meio passada que ele descartava. Sem pestanejar, imunda mesmo como estava, metia na boca e saia comendo ou chupando na maior alegria e satisfação. Quando muito, antes de degustar, esfregava na calça na parte da bunda, imunda por sentar-me sempre no chão, considerando que o alimento estava altamente higienizado e apto para consumo. Minha mistura de comestíveis durante as feiras no cotidiano, era algo maravilhoso e elogiado por todos como um menino criado com cuidados e atenções especiais.
Não tinha geladeira em minha casa, fui conhecer tal máquina metia na boca e saia comendo ou chupando na maior alegria e satisfaçrava ir para as feiras livres e, como era um garoto boniti polar quando eu tinha 12 anos. Quase morro de tanto fazer um negócio que chamavam de “abafa banca” (nunca soube a razão). Não passava de um picolé feito na fôrma de gelo comum. Eu apanhava qualquer coisa e fazia o tal do abafa. Até de farinha com açúcar ou resto de feijão fradinho amassado com o garfo, que era o nosso liquidificador, eu fazia para chupar ou vender aos meus coleguinhas. Antes desse mágico equipamento chegar a nosso lar, bebíamos água armazena em um grande pote de barro, cheio direto da torneira ou da cisterna, e retirávamos através de um caneco de alumínio sempre amarrado por um barbante, colocando o líquido no copo. Mas, eu quando não tinha ninguém olhando, bebia era direto no caneco e o resto devolvia para o pote. Para o almoço colocávamos duas moringas na sombra da janela, para nos deliciarmos durante a refeição que, normalmente, era um feijão de mocotó de boi ou porco, sarapatel, maniçoba, viúva de carneiro, rabada e, curiosamente, muito bacalhau que, naquela época, era considerada comida de pobre em virtude dos milhares de barricas que vinham da Noruega através dos navios cargueiros. E, não sei porque, o preço era baratíssimo. Imaginem vocês que era uma ofensa de desdém dizer: Aquele é um pobre comedor de bacalhau com farinha!
Com essas comilanças todas, nunca ouvi falar em colesterol. Quanto mais comíamos gorduras éramos tidos como sabedores em se cuidar e ficar cheio de “sustâncias”, como diziam nossos parentes com o maior orgulho.
Ah! Esqueci-me de falar! Quando compramos um filtro para água foi um reboliço em casa, pois o normal era coar a água antes de colocar no pote utilizando um pedaço de pano, geralmente flanela, tirando o grosso que para nós representava a maior das purezas que se poderia obter. Aparelho de Ozônio? Esse foi uma festa no quarteirão quando um rico da rua comprou um. Era uma fila de comadres e a porta lotada de meninos curiosos para conhecer a engenhoca que piscava uma luz lilás, deixando a água mais limpa do que bolso de pobre no meado do mês. A família se orgulhava tanto e esnobava bebendo água toda hora, tendo como conseqüência uma mijação desgraçada durante o dia e a noite.
Eu, crescendo e desenvolvendo, cheguei à puberdade, sempre comendo meus pratões de gordurosas comidas e, sorrateiramente às escondidas, tomando banhos no poluído rio que cortava a cidade, aplicando a técnica que um amigo me ensinou que, para matar a sede com segurança, bastava espanar a água para os lados com as mãos e depois degustar o líquido que já estava limpo de impurezas. Imagino hoje, quantos refrescos de ameba e sistozoma eu tomei na maior tranqüilidade. Mas, nada disso fazia ou fez de mim um enfermo! Açúcar que hoje é execrado e tido como um verdadeiro veneno, eu comia e como com a maior tranqüilidade, tendo ainda grande saudade dos quebra-queixos, rapaduras, ambrosias, cocadas, etc.
Já com meus 18 anos fui para Salvador continuar os estudos e, posteriormente, morar em Itabuna, cidade onde casei, tive filhos e morei por 40 anos, até me transferir para Salvador novamente, desta feita por questões de trabalho, morando a dois anos em frente à praia do bonito bairro de Amaralina. Mas, nunca mudei o meu cardápio influenciado pelos modismos.
Na verdade, todo esse preâmbulo é para falar sobre a maneira que para mim é estranha, como procedem e vivem as pessoas atualmente, cercadas de milhares de cuidados e seguindo outro tanto de regras e, estranhamente, a grande maioria cheia de doenças físicas e mentais.
Todo santo dia vejo pela janela o povo passar (jovens, meia idade e velhinhos), uns correndo e outros andando, enfatiotados com suas bermudas e tênis de grifes, presumivelmente, imaginando que com esse comportamento viverão muitos mais anos que os ociosos. Para mim não deixam de serem uns tolos, pois, a minha terra é cheia de centenários, trituradores de mocotó e maniçoba e nunca vi nenhum calçando Conga, Galupim ou Kichute correndo feito um abestalhado em pleno raiar da madrugada ou no final da tarde. Olho seus aspectos e vejo todos com caras de doentes, salvando apenas alguma rapaziada de saradinhos que, certamente, também se enchem de anabolizantes.
O mais engraçado é a alimentação desse povo: Suco de beterraba com cenoura, abóbora com aipim, laranja com repolho, etc., todo esse enriquecido líquido para acompanhar um “sanduba natureba” de alface, gergelim, vargem, bife de soja e tomate. Isso claro é no jantar, pois, no almoço eles botam para bombar: Um filé de água viva com molho de chuchu, acompanhado de uma farta porção de algas marinhas gratinadas. Como abuso de fartura, eles comem, nababescamente, uma gelatina de maxixe com calda de mel de abelha africana. E, para selar o cardápio, uma xícara de chá de erva cidreira e casca de abacaxi.
Carne vermelha nem pensar, meu irmão! E branca olhe lá, talvez no Natal ou aniversário. Fumar? Nem maconha! E beber? Pior ainda! Quando querem tirar o dia para esculhambar e fazer farra, aí se prepare, pois derrubam uma garrafa Pet zero em minutos e terminam todos dando os maiores arrotos de alegria e prazer.
Sinceramente, tudo isso me preocupa muito, pois tenho alguns amigos que entraram nessa, e hoje não querem mais nem transar, alegando que lá dentro e nas beiradas a carne é vermelha.
Essa é minha maior dúvida! Não vou me ater as outras, uma vez que já escrevi demais, mas, prometo que depois que terminar de comer o petisco que me espera: lombo de porco com torresmos, farofa de manteiga de garrafa e feijão tropeiro, tomarei uma cervejinha e, fumar o meu cigarrinho companheiro de 55 anos, pego novamente o computador e complemento minha estória.
Ou será história? Sei lá! Eu misturo tanto a realidade com a ficção!

*Cronista (Vida Louca – ansouza_ba@hotmail.com)

Nenhum comentário: