segunda-feira, 23 de outubro de 2023

O CONTO DO SEMINARISTA POR OUTRO ÂNGULO!(Clique no título e leia)

 

     Antonio Nunes de Souza*

   -Mamãe, preciso lhe falar algo muito importante. Disse      Luizinho encarando-a seriamente, demonstrando que realmente tratava-se de um assunto merecedor de atenção especial.

-O que é menino? Aconteceu alguma coisa no colégio?

-Não! É com relação ao posicionamento que tomei e gostaria da aprovação da senhora e do meu pai.

-Que drama é esse, meu filho?  Fale logo que eu já estou ficando preocupada!

-Não é nada preocupante. Como a senhora sabe, eu faço parte do grupo de jovens da igreja Santa Rita de Cássia há quatro anos e, em função da minha identificação no trabalho de evangelização, cheguei a conclusão que é meu desejo, agora que terminei o curso secundário, ingressar no seminário para estudar teologia e me ordenar para cumprir orgulhosamente a missão de ministro de Deus.

Os olhos esbugalhados de D. Maria chegaram a assustar Luizinho, pois não esperava tal reação, já que eram normais e rotineiras suas idas e vindas diárias para a igreja, suas leituras bíblicas, encontros de jovens, cursos de catequeses, etc., e eram encaradas com naturalidade suas ajudas nas cerimônias religiosas da paróquia, sempre mostrando ser um rapaz distinto, querido por todos e tinha a religião como algo primordial em sua trajetória de vida. Porém, mesmo os seus pais sentindo-se felizes por ele não seguir a maioria dos jovens, frequentando bares e festas, jamais imaginaram que um dia lhe viesse a vontade de ser padre.

-Meu filho, você já pensou bastante sobre essa decisão?  Já conversou com seu pai? Isso é uma decisão por alguma desilusão amorosa? Você tem tendências à não gostar de mulher?

-Calma mãe! Que loucura é essa com uma bateria de perguntas desnorteadas e cheias de condenações? Não acredito que você tenha em sua cabeça a ridícula ideia de que alguém que deseja servir a Deus seja por questões de frustrações ou tendências gay. Imaginei que esse fato seria uma surpresa, mas que deixaria você e meu pai orgulhosos de mim.

-Desculpe filho, mas foi uma surpresa tão grande e inesperada, que fez eu pensar mil coisas, sem atinar para o mais importante que é a sua felicidade. Muito embora, não deixaremos de ficar uns tantos frustrados, pois você é nosso filho único e seu pai não gostará de saber que não haverá uma continuidade da nossa família, através de seus filhos. Isso certamente o machucará bastante e significativamente, pois, seu machismo e vontade de perpetuar seu nome através de netos e bisnetos, é sempre o que ele repete nos seus devaneios de homem orgulhoso que é.

-Ainda não falei com ninguém! Quis primeiro lhe comunicar para ouvir sua opinião. E, depois da sua aprovação, falarei com meu pai, pois sei que ele achará estranho e, provavelmente, não concordará, procurando tirar essa ideia da minha cabeça. Mas, já estou seguro do que quero e não voltarei atrás. Apenas, quero que tudo seja feito com a aprovação familiar, respeitando minha opinião e desejo, uma vez que será isso que me fará realmente feliz.

-Eu, sinceramente, estou bastante surpresa, pois, mesmo acompanhando de perto todo seu movimento religioso, imaginei que tudo isso era importante para sua formação futura. Mas, em nenhuma hipótese cheguei a imaginar que você abraçaria como uma profissão. Você é muito jovem e tenho receio de que possa se arrepender no futuro e jogar fora todas as coisas belas da juventude, enfiando-se em um seminário.

-Jogar fora?  A senhora acha que minha dedicação à religião é estar jogando fora parte da minha vida? Todo tempo do mundo que eu possa me dedicar a Deus, somente fará enriquecer muito meu espírito e estar em paz com minha consciência, principalmente por estar ajudando espiritualmente outras pessoas.

-Não me interprete mal, meu filho. Estou querendo dizer que todo jovem deve se divertir, namorar, passear, viajar, fazer sua faculdade e, depois disso, terá realmente certeza do que deseja para seu futuro. E isso poderá ser religiosamente através de Deus ou comercialmente e empresarialmente através dos homens. Mas, tomar certos posicionamentos na sua idade, com apenas 17 anos, acho uma precipitação passiva de arrependimentos futuros.

-Essa minha decisão está sendo pensada criteriosamente e minuciosamente há algum tempo. Tenho analisado os prós e os contras e, sem mais nenhuma dúvida, cheguei à conclusão que é o que desejo, orgulhosamente, para toda minha vida.

-Então, façamos o seguinte: Pense bastante hoje à noite sobre essa nossa conversa, faça algumas reflexões e amanhã sentaremos juntamente com seu pai, para que você mesmo transmita para ele seu desejo. Porém, prepare-se para algumas respostas, pois sei claramente que ele lhe colocará em cheque, querendo fazer com que você mude de ideia.

-Eu, graças a Deus, já estou preparado para responder todos os seus questionamentos, mostrando a vocês que isso é mais uma dádiva que uma tragédia. Somente amando a Deus sobre todas as coisas, chegamos à conclusão de que o mundo cada dia precisa mais de harmonia, compreensão e paz.  E essas coisas só se consegue através dos poderes divinos e as orientações dos seus abnegados ministros. E eu acho que fui escolhido para ser um deles. Não foi uma casualidade Jesus Cristo me mostrar esse caminho. Foi um presente da Santíssima Trindade!

D. Maria saiu dali bastante grilada com a revelação do filho, uma vez que ela e o marido, embora católicos, jamais foram praticantes. Até suas frequências a igreja, restringiam-se praticamente a missa do Galo no Natal, nos seus aniversários e na festa do Padroeiro. Resumindo: Apenas católicos sociais.

Sendo a lógica normal da grande maioria dos católicos, suas devoções aos santos somente atingem seus corações, nas ocasiões de desesperos por falta de dinheiro, doenças ou amores perdidos. Alguns chegam a falta de senso de pedir ajuda divina até para suas mesquinhas vinganças. Mário e Maria, se não pertenciam a essa classificação, estavam próximos o bastante. Obviamente, para um casal com essa qualificação, embora pessoas honestas, dignas e trabalhadoras, ter um padre na família, o veredicto é mais para azar do que pra sorte.

Dia seguinte, os olhares entre Luizinho e sua mãe eram enigmáticos: Ele por não saber se a havia convencido e ela preocupada em convence-lo.

À noite, após o jantar, os três sentaram na sala, D. Maria desligou a televisão e falou para Mário: Meu bem, ontem Luizinho conversou um assunto comigo e ficamos de nos reunir hoje para que ele falasse com você as suas pretensões.

-Pó! Maria! Não pode ser depois do jornal nacional, não?   

-Não querido. O assunto é muito importante e trata-se do futuro do nosso filho.

-Não me diga que meu garotão andou fazendo mal a alguma menina e vai ter que casar por que ela está grávida? Perguntou Mário com um ar de preocupação, mas deixando transparecer nos olhos o orgulho por seu filho ser machão igual a ele.

-Nada disso meu pai. Como  pode pensar logo uma tolice dessa?

-Tolice? Você é homem ou não?  E do jeito que as meninas estão se oferecendo, isso não seria novidade nenhuma. Um cara boa pinta como você, deve ser bastante disputado pelas gatinhas. Disse isso como se estivesse dizendo, que filho dele, se a menina vacilar, ele chega junto.

-Vamos esquecer e apagar esse preâmbulo, pois está totalmente fora de propósito e o assunto é muito mais sério e merece um maior respeito.

-Então fale logo porque já me deixou curioso e não quero ficar aqui fazendo conjecturas.

-Conversei com minha mãe e combinamos sentarmos todos juntos hoje, para que eu explanasse meu posicionamento com relação ao meu futuro. Esses últimos anos venho dedicando-me com afinco a minha religião, e cheguei à conclusão de ir para um seminário, cursar teologia e ordenar-me padre.

-Você está louco, seu Luiz? Quem lhe meteu essa ideia de jerico na cabeça? Tanta mulher dando sopa no mundo e você desejando fazer votos de castidade? Esbravejou Mário,   esperando uma resposta do filho.

-Eu não estou louco. Essa ideia não é de jerico e ter as mulheres do mundo, jamais será tão importante do que ter Deus no coração. Pensei bastante sobre tudo isso e, quando cheguei a minha conclusão, era porque não pairava nenhuma dúvida em minha mente. Sinto que foi escolhido por Deus para essa missão, e creio que serei feliz pelo resto da vida, dedicando-me de corpo e alma ao sacerdócio.

-Eu nunca quis dizer nada para não falarem que eu era um chato, mas, essa mania de viver enfiado em igreja, me desculpem, mas pra mim é coisa de gay. E digo com sinceridade que sempre tive a preocupação que isso pudesse acontecer. Porém, disfarçadamente, sempre venho acompanhando você à distância e, por essa luz, eu vinha dando graças a Deus que você não demonstrava inclinação para boiola. Aí, quando me sinto aliviado por você ser homem, você me vem com esse papo de que vai ser padre?

-Mas meu pai, você está sendo injusto e incoerente, fazendo comparações grotescas e demonstrando uma ignorância religiosa profunda, achando que ser padre é algo indigno!

-Padre é digno, maravilhoso, fantástico! Mas, para os filhos dos outros. Meu filho eu quero é que tenha liberdade de fazer tudo que desejar com relação às delicias e belezas do mundo, sem ter que seguir dogmas arcaicos, se privar do sexo, da satisfação de ter uma família constituída por ele mesmo, do prazer de ser pai. Para mim, ser padre é como um soldado que é passivo de ordens superiores por toda vida, seguindo muitas vezes orientações preconceituosas e descabidas, colocadas e determinadas em nome de Deus.

-Sou liberal para respeitar o que cada um escolhe para seguir, mas, quando se trata da minha família, acho que tenho o direito de pelo menos alertar certas atitudes descabidas.

-Liberal? O senhor percebeu em suas palavras quantas contradições existem? Dizer que respeita o que cada um escolhe, mas quanto se trata da sua família as atitudes são descabidas? Tudo isso diz quanto o senhor é preconceituoso, e realmente não respeita ou dá valor ao livre árbitro, que todos nós temos para direcionar nosso futuro.

-Você já é relativamente um homem, pois breve fará 18 anos, não tenho como proibir esse seu comportamento ou decisão, mas, quero deixar claro que jamais encararei isso como uma coisa normal, que eu possa orgulhar-me. Se é seu desejo, sua mãe admite respeitar, então não serei eu que, mesmo constrangido, vá interferir no destino que você está traçando para o seu futuro. Continuarei apoiando-lhe nas suas despesas durante o período do seu curso superior, mas, sou sincero e digo: estarei sempre esperando que mais cedo que nunca, você caia na realidade. Uma vez que, você pode seguir uma carreira normal, e como leigo, estar ligado à igreja ajudando nas pastorais das paróquias, sem que seja preciso ser, literalmente, um padre.

-Sei disso perfeitamente, entretanto não quero ser um católico apenas por devoção, quero servir a Deus e aos homens por convicção. Nele eu encontro força, prazeres e alegrias para ser feliz e proporcionar a felicidade dos outros. Isso não me dará apenas satisfação pessoal. Me encherá de paz de espírito pela satisfação do dever cumprido. Não tomarei como provação, e sim uma dádiva que tive o privilégio de receber!

Mediante a segurança com que Luizinho expusera suas convicções, faltaram argumentos dos seus pais para contradize-lo, mas, podia-se ver nos seus semblantes, que não estavam satisfeitos com o que ouviram e, principalmente, por não ter condições de mudar a decisão do filho.

Luizinho dirigiu-se para o seu quarto e de lá podia ouvir seus pais discutindo, mesmo em voz baixa, principalmente os ataques e acusações que ele fazia, culpando a sua mãe por tudo que estava ocorrendo. Condenando-a por não ter sabido educar o seu filho, enquanto ele se matava de trabalhar durante todo o dia. Podia-se ouvir os seus soluços, magoada pelas injustas acusações que lhe eram impostas naquele momento. Luizinho pensou em ir até a sala para amenizar a situação, porém resolveu deixar eles à vontade, pois sua interferência poderia causar maiores transtornos, já que ele defenderia veemente sua mãe e isso não seria recebido de bom grado pelo seu pai.

Dia seguinte havia um ar carregado no ambiente, mas ninguém ousava tocar no assunto e, para Luizinho, melhor seria assim, pois ficava caracterizado que o assunto já estava mais que definido, bastando apenas que ele tomasse as providências necessárias para o seu ingresso no seminário.

Passaram-se os anos, Luizinho foi ordenado, prestou serviços em diversas paróquias pelo Brasil a fora. E, pelos seus méritos sacerdotais conseguiu uma bolsa para passar dois anos em Roma, onde além de estudar, ainda servia na Capela Sistina, local que o fazia sonhar por horas a fio, vislumbrando e interpretando as belas pinturas da famosa nave religiosa.

Mediante sua linda carreira, sua perseverança, seus vastos conhecimentos e sua dedicação, por méritos e reconhecimentos, tornou-se Bispo, sendo agraciado com a Diocese de Itabuna-Bahia, sua cidade natal!

Hoje é um dia muitíssimo especial na vida do Bispo Luiz, pois, nesse momento, está no altar mor da Catedral de São José, para fazer a celebração da Santa Missa, ocasião que será consagrada a união dos seus pais, comemorando as bodas de ouro, pelos 50 anos de convivência matrimonial!

No andamento da celebração, chegou a hora em que seus pais entraram na igreja, bastante enfeitada para a ocasião e, ao som do órgão e dos cânticos, dirigiram-se ao altar, postando-se em frente ao filho que, orgulhosamente, estampava em seu rosto um sorriso de felicidade.

Terminada a cerimônia, seu pai, com os olhos cheios de lágrimas, dirigiu-se à sacristia, onde Luizinho encontrava-se sozinho, encostou a porta e abraçando-lhe, disse entre soluços: Me perdoe meu filho! Eu fui tão injusto e cego que não enxerguei que Deus, naquele dia que você me falou que deseja ser padre, simplesmente Ele estava me presenteando com algo que seria a maior alegria da minha vida. Há muito que deseja dizer isso para você, mas, o orgulho e a vergonha, fizeram com eu permanecesse até hoje com essa culpa atravessada na minha garganta e meu coração.

Nesse momento, Luizinho derramando-se em prantos, foi até a porta, trancou-a, colocou seu pai em uma poltrona, sentou-se ao seu lado e disse que também tinha algo muito importante para confessar-lhe, pois, não seria justo da sua parte, não ser também sincero. Portanto, ouça: Quando na minha juventude tomei a decisão de ser padre, estava cheio de convicções, entusiasmado e bastante fascinado com a ideia. Naquele momento, ninguém jamais conseguiria mudar minha opinião, como na verdade não aconteceu. Então, com sua ajuda e da minha mãe, estudei e consegui alcançar meu objetivo maior que era a ordenação. Mas, com o decorrer da prática sacerdotal, embora procurando dar de mim o melhor dos melhores, sempre me aperfeiçoando cada vez mais, fui desencantando-me, não com a igreja e seus dogmas, mas comecei a sentir falta da minha liberdade física e comportamental, o desejo de ter uma família somente minha, que eu fosse não apenas um membro de todas as famílias, que eu poderias também ser um filho de Deus servindo-o, sem ser castrado de uma série de coisas que a vida oferece a todos. E isso me tornou um homem infeliz que, em respeito a todos ou para não dar o braço a torcer, não tomei uma decisão durante todo esse tempo em abandonar o sacerdócio. Estava aguardando ansiosamente a sagração das bodas de ouro de vocês, pois sentia que a minha mãe esperava orgulhosamente por esse momento, que seria sua maior alegria se fosse realizado por mim.

-Meu filho, que pretende você fazer? Pensou o bastante nessa decisão? Você apaixonou-se por alguma paroquiana?

-Nada meu pai! Essas mesmas perguntas vocês fizeram há muitos anos atrás. Trata-se apenas de decisões que devemos tomar em nossas vidas, mesmo parecendo esdrúxulas ou estranhas, mas que achamos que serão as melhores para nós. Jamais devemos continuar vivendo em situações que não nos são agradáveis, nos tornando infelizes para agradar a terceiros ou com medo de enfrentar novas situações. E, sobre a questão de tempo, que já é tarde, etc., isso não existe. Pois, se passarmos somente os últimos minutos da nossa vida fazendo aquilo que nos faz feliz e nos dá prazer, estes valem uma verdadeira eternidade, e morreremos com um sorriso de realização nos lábios.

Vou continuar ensinando na universidade, não deixarei de ser um frequentador constante da paróquia e, com certeza, moldarei minha vida a partir de agora, assim que entregar o bispado, e serei o mesmo homem, mas, com outras perspectivas de vida. Nunca esquecerei de quanta valia foram esses anos de enriquecimento intelectual e espiritual, assim como, tenho a convicção de que entro e saio do âmago da Igreja Católica, tendo cumprido honrosamente o meu papel.

Seu pai ouviu tudo, relativamente estarrecido, porém, assim como no passado, mesmo constrangido, acatou a opinião do filho, desta feita com maior grau de compreensão.

-Vamos lá pra casa, pois haverá um almoço comemorativo e hoje é um dia de festa para todos nós, principalmente para você que, no dia das nossas bodas de ouro, resolveu renascer para a vida. Se relativamente perdemos um filho quando você ingressou na igreja, hoje ganhamos outro muito mais experiente e com posições convictas. Só peço-lhe que deixe essa notícia para dar a sua mãe amanhã, pois ela está tão feliz e, certamente, mesmo sendo respeitadora das suas decisões, provavelmente ficará um pouco triste.

*Escritor-Membro da Academia Grapiúna de Letras-AGRAL-antoniodaagral26@hotmail.com-antoniomanteiga.blogspot.com

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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