Antonio Nunes de Souza*
-Mamãe, preciso lhe falar algo muito importante. Disse Luizinho encarando-a seriamente, demonstrando que realmente tratava-se de um assunto merecedor de atenção especial.
-O que é menino? Aconteceu
alguma coisa no colégio?
-Não! É com relação ao
posicionamento que tomei e gostaria da aprovação da senhora e do meu pai.
-Que drama é esse, meu
filho? Fale logo que eu já estou ficando
preocupada!
-Não
é nada preocupante. Como a senhora sabe, eu faço parte do grupo de jovens da
igreja Santa Rita de Cássia há quatro anos e, em função da minha identificação
no trabalho de evangelização, cheguei a conclusão que é meu desejo, agora que
terminei o curso secundário, ingressar no seminário para estudar teologia e me
ordenar para cumprir orgulhosamente a missão de ministro de Deus.
Os
olhos esbugalhados de D. Maria chegaram a assustar Luizinho, pois não esperava
tal reação, já que eram normais e rotineiras suas idas e vindas diárias para a
igreja, suas leituras bíblicas, encontros de jovens, cursos de catequeses,
etc., e eram encaradas com naturalidade suas ajudas nas cerimônias religiosas
da paróquia, sempre mostrando ser um rapaz distinto, querido por todos e tinha
a religião como algo primordial em sua trajetória de vida. Porém, mesmo os seus
pais sentindo-se felizes por ele não seguir a maioria dos jovens, frequentando
bares e festas, jamais imaginaram que um dia lhe viesse a vontade de ser padre.
-Meu
filho, você já pensou bastante sobre essa decisão? Já conversou com seu pai? Isso é uma decisão
por alguma desilusão amorosa? Você tem tendências à não gostar de mulher?
-Calma
mãe! Que loucura é essa com uma bateria de perguntas desnorteadas e cheias de
condenações? Não acredito que você tenha em sua cabeça a ridícula ideia de que
alguém que deseja servir a Deus seja por questões de frustrações ou tendências
gay. Imaginei que esse fato seria uma surpresa, mas que deixaria você e meu pai
orgulhosos de mim.
-Desculpe
filho, mas foi uma surpresa tão grande e inesperada, que fez eu pensar mil
coisas, sem atinar para o mais importante que é a sua felicidade. Muito embora,
não deixaremos de ficar uns tantos frustrados, pois você é nosso filho único e
seu pai não gostará de saber que não haverá uma continuidade da nossa família,
através de seus filhos. Isso certamente o machucará bastante e
significativamente, pois, seu machismo e vontade de perpetuar seu nome através
de netos e bisnetos, é sempre o que ele repete nos seus devaneios de homem
orgulhoso que é.
-Ainda
não falei com ninguém! Quis primeiro lhe comunicar para ouvir sua opinião. E,
depois da sua aprovação, falarei com meu pai, pois sei que ele achará estranho
e, provavelmente, não concordará, procurando tirar essa ideia da minha cabeça.
Mas, já estou seguro do que quero e não voltarei atrás. Apenas, quero que tudo
seja feito com a aprovação familiar, respeitando minha opinião e desejo, uma
vez que será isso que me fará realmente feliz.
-Eu,
sinceramente, estou bastante surpresa, pois, mesmo acompanhando de perto todo
seu movimento religioso, imaginei que tudo isso era importante para sua
formação futura. Mas, em nenhuma hipótese cheguei a imaginar que você abraçaria
como uma profissão. Você é muito jovem e tenho receio de que possa se
arrepender no futuro e jogar fora todas as coisas belas da juventude,
enfiando-se em um seminário.
-Jogar
fora? A senhora acha que minha dedicação
à religião é estar jogando fora parte da minha vida? Todo tempo do mundo que eu
possa me dedicar a Deus, somente fará enriquecer muito meu espírito e estar em
paz com minha consciência, principalmente por estar ajudando espiritualmente
outras pessoas.
-Não
me interprete mal, meu filho. Estou querendo dizer que todo jovem deve se
divertir, namorar, passear, viajar, fazer sua faculdade e, depois disso, terá
realmente certeza do que deseja para seu futuro. E isso poderá ser
religiosamente através de Deus ou comercialmente e empresarialmente através dos
homens. Mas, tomar certos posicionamentos na sua idade, com apenas 17 anos,
acho uma precipitação passiva de arrependimentos futuros.
-Essa
minha decisão está sendo pensada criteriosamente e minuciosamente há algum
tempo. Tenho analisado os prós e os contras e, sem mais nenhuma dúvida, cheguei
à conclusão que é o que desejo, orgulhosamente, para toda minha vida.
-Então,
façamos o seguinte: Pense bastante hoje à noite sobre essa nossa conversa, faça
algumas reflexões e amanhã sentaremos juntamente com seu pai, para que você
mesmo transmita para ele seu desejo. Porém, prepare-se para algumas respostas,
pois sei claramente que ele lhe colocará em cheque, querendo fazer com que você
mude de ideia.
-Eu,
graças a Deus, já estou preparado para responder todos os seus questionamentos,
mostrando a vocês que isso é mais uma dádiva que uma tragédia. Somente amando a
Deus sobre todas as coisas, chegamos à conclusão de que o mundo cada dia
precisa mais de harmonia, compreensão e paz.
E essas coisas só se consegue através dos poderes divinos e as
orientações dos seus abnegados ministros. E eu acho que fui escolhido para ser
um deles. Não foi uma casualidade Jesus Cristo me mostrar esse caminho. Foi um
presente da Santíssima Trindade!
D.
Maria saiu dali bastante grilada com a revelação do filho, uma vez que ela e o
marido, embora católicos, jamais foram praticantes. Até suas frequências a
igreja, restringiam-se praticamente a missa do Galo no Natal, nos seus
aniversários e na festa do Padroeiro. Resumindo: Apenas católicos sociais.
Sendo
a lógica normal da grande maioria dos católicos, suas devoções aos santos
somente atingem seus corações, nas ocasiões de desesperos por falta de
dinheiro, doenças ou amores perdidos. Alguns chegam a falta de senso de pedir
ajuda divina até para suas mesquinhas vinganças. Mário e Maria, se não
pertenciam a essa classificação, estavam próximos o bastante. Obviamente, para
um casal com essa qualificação, embora pessoas honestas, dignas e
trabalhadoras, ter um padre na família, o veredicto é mais para azar do que pra
sorte.
Dia
seguinte, os olhares entre Luizinho e sua mãe eram enigmáticos: Ele por não
saber se a havia convencido e ela preocupada em convence-lo.
À
noite, após o jantar, os três sentaram na sala, D. Maria desligou a televisão e
falou para Mário: Meu bem, ontem Luizinho conversou um assunto comigo e ficamos
de nos reunir hoje para que ele falasse com você as suas pretensões.
-Pó! Maria! Não pode ser
depois do jornal nacional, não?
-Não
querido. O assunto é muito importante e trata-se do futuro do nosso filho.
-Não
me diga que meu garotão andou fazendo mal a alguma menina e vai ter que casar
por que ela está grávida? Perguntou Mário com um ar de preocupação, mas
deixando transparecer nos olhos o orgulho por seu filho ser machão igual a ele.
-Nada
disso meu pai. Como pode pensar logo uma
tolice dessa?
-Tolice?
Você é homem ou não? E do jeito que as
meninas estão se oferecendo, isso não seria novidade nenhuma. Um cara boa pinta
como você, deve ser bastante disputado pelas gatinhas. Disse isso como se
estivesse dizendo, que filho dele, se a menina vacilar, ele chega junto.
-Vamos
esquecer e apagar esse preâmbulo, pois está totalmente fora de propósito e o
assunto é muito mais sério e merece um maior respeito.
-Então
fale logo porque já me deixou curioso e não quero ficar aqui fazendo
conjecturas.
-Conversei
com minha mãe e combinamos sentarmos todos juntos hoje, para que eu explanasse
meu posicionamento com relação ao meu futuro. Esses últimos anos venho dedicando-me
com afinco a minha religião, e cheguei à conclusão de ir para um seminário, cursar
teologia e ordenar-me padre.
-Você
está louco, seu Luiz? Quem lhe meteu essa ideia de jerico na cabeça? Tanta
mulher dando sopa no mundo e você desejando fazer votos de castidade?
Esbravejou Mário, esperando uma resposta do filho.
-Eu
não estou louco. Essa ideia não é de jerico e ter as mulheres do mundo, jamais
será tão importante do que ter Deus no coração. Pensei bastante sobre tudo isso
e, quando cheguei a minha conclusão, era porque não pairava nenhuma dúvida em
minha mente. Sinto que foi escolhido por Deus para essa missão, e creio que
serei feliz pelo resto da vida, dedicando-me de corpo e alma ao sacerdócio.
-Eu
nunca quis dizer nada para não falarem que eu era um chato, mas, essa mania de
viver enfiado em igreja, me desculpem, mas pra mim é coisa de gay. E digo com
sinceridade que sempre tive a preocupação que isso pudesse acontecer. Porém,
disfarçadamente, sempre venho acompanhando você à distância e, por essa luz, eu
vinha dando graças a Deus que você não demonstrava inclinação para boiola. Aí,
quando me sinto aliviado por você ser homem, você me vem com esse papo de que
vai ser padre?
-Mas
meu pai, você está sendo injusto e incoerente, fazendo comparações grotescas e
demonstrando uma ignorância religiosa profunda, achando que ser padre é algo indigno!
-Padre
é digno, maravilhoso, fantástico! Mas, para os filhos dos outros. Meu filho eu
quero é que tenha liberdade de fazer tudo que desejar com relação às delicias e
belezas do mundo, sem ter que seguir dogmas arcaicos, se privar do sexo, da
satisfação de ter uma família constituída por ele mesmo, do prazer de ser pai.
Para mim, ser padre é como um soldado que é passivo de ordens superiores por
toda vida, seguindo muitas vezes orientações preconceituosas e descabidas,
colocadas e determinadas em nome de Deus.
-Sou
liberal para respeitar o que cada um escolhe para seguir, mas, quando se trata
da minha família, acho que tenho o direito de pelo menos alertar certas
atitudes descabidas.
-Liberal?
O senhor percebeu em suas palavras quantas contradições existem? Dizer que
respeita o que cada um escolhe, mas quanto se trata da sua família as atitudes
são descabidas? Tudo isso diz quanto o senhor é preconceituoso, e realmente não
respeita ou dá valor ao livre árbitro, que todos nós temos para direcionar
nosso futuro.
-Você
já é relativamente um homem, pois breve fará 18 anos, não tenho como proibir
esse seu comportamento ou decisão, mas, quero deixar claro que jamais encararei
isso como uma coisa normal, que eu possa orgulhar-me. Se é seu desejo, sua mãe
admite respeitar, então não serei eu que, mesmo constrangido, vá interferir no
destino que você está traçando para o seu futuro. Continuarei apoiando-lhe nas
suas despesas durante o período do seu curso superior, mas, sou sincero e digo:
estarei sempre esperando que mais cedo que nunca, você caia na realidade. Uma
vez que, você pode seguir uma carreira normal, e como leigo, estar ligado à
igreja ajudando nas pastorais das paróquias, sem que seja preciso ser,
literalmente, um padre.
-Sei
disso perfeitamente, entretanto não quero ser um católico apenas por devoção,
quero servir a Deus e aos homens por convicção. Nele eu encontro força,
prazeres e alegrias para ser feliz e proporcionar a felicidade dos outros. Isso
não me dará apenas satisfação pessoal. Me encherá de paz de espírito pela
satisfação do dever cumprido. Não tomarei como provação, e sim uma dádiva que
tive o privilégio de receber!
Mediante
a segurança com que Luizinho expusera suas convicções, faltaram argumentos dos
seus pais para contradize-lo, mas, podia-se ver nos seus semblantes, que não
estavam satisfeitos com o que ouviram e, principalmente, por não ter condições
de mudar a decisão do filho.
Luizinho
dirigiu-se para o seu quarto e de lá podia ouvir seus pais discutindo, mesmo em
voz baixa, principalmente os ataques e acusações que ele fazia, culpando a sua
mãe por tudo que estava ocorrendo. Condenando-a por não ter sabido educar o seu
filho, enquanto ele se matava de trabalhar durante todo o dia. Podia-se ouvir
os seus soluços, magoada pelas injustas acusações que lhe eram impostas naquele
momento. Luizinho pensou em ir até a sala para amenizar a situação, porém
resolveu deixar eles à vontade, pois sua interferência poderia causar maiores
transtornos, já que ele defenderia veemente sua mãe e isso não seria recebido
de bom grado pelo seu pai.
Dia
seguinte havia um ar carregado no ambiente, mas ninguém ousava tocar no assunto
e, para Luizinho, melhor seria assim, pois ficava caracterizado que o assunto
já estava mais que definido, bastando apenas que ele tomasse as providências
necessárias para o seu ingresso no seminário.
Passaram-se
os anos, Luizinho foi ordenado, prestou serviços em diversas paróquias pelo
Brasil a fora. E, pelos seus méritos sacerdotais conseguiu uma bolsa para
passar dois anos em Roma, onde além de estudar, ainda servia na Capela Sistina,
local que o fazia sonhar por horas a fio, vislumbrando e interpretando as belas
pinturas da famosa nave religiosa.
Mediante
sua linda carreira, sua perseverança, seus vastos conhecimentos e sua
dedicação, por méritos e reconhecimentos, tornou-se Bispo, sendo agraciado com
a Diocese de Itabuna-Bahia, sua cidade natal!
Hoje
é um dia muitíssimo especial na vida do Bispo Luiz, pois, nesse momento, está
no altar mor da Catedral de São José, para fazer a celebração da Santa Missa,
ocasião que será consagrada a união dos seus pais, comemorando as bodas de ouro,
pelos 50 anos de convivência matrimonial!
No
andamento da celebração, chegou a hora em que seus pais entraram na igreja,
bastante enfeitada para a ocasião e, ao som do órgão e dos cânticos,
dirigiram-se ao altar, postando-se em frente ao filho que, orgulhosamente,
estampava em seu rosto um sorriso de felicidade.
Terminada
a cerimônia, seu pai, com os olhos cheios de lágrimas, dirigiu-se à sacristia,
onde Luizinho encontrava-se sozinho, encostou a porta e abraçando-lhe, disse
entre soluços: Me perdoe meu filho! Eu fui tão injusto e cego que não enxerguei
que Deus, naquele dia que você me falou que deseja ser padre, simplesmente Ele
estava me presenteando com algo que seria a maior alegria da minha vida. Há
muito que deseja dizer isso para você, mas, o orgulho e a vergonha, fizeram com
eu permanecesse até hoje com essa culpa atravessada na minha garganta e meu
coração.
Nesse
momento, Luizinho derramando-se em prantos, foi até a porta, trancou-a, colocou
seu pai em uma poltrona, sentou-se ao seu lado e disse que também tinha algo
muito importante para confessar-lhe, pois, não seria justo da sua parte, não
ser também sincero. Portanto, ouça: Quando na minha juventude tomei a decisão
de ser padre, estava cheio de convicções, entusiasmado e bastante fascinado com
a ideia. Naquele momento, ninguém jamais conseguiria mudar minha opinião, como
na verdade não aconteceu. Então, com sua ajuda e da minha mãe, estudei e
consegui alcançar meu objetivo maior que era a ordenação. Mas, com o decorrer
da prática sacerdotal, embora procurando dar de mim o melhor dos melhores,
sempre me aperfeiçoando cada vez mais, fui desencantando-me, não com a igreja e
seus dogmas, mas comecei a sentir falta da minha liberdade física e
comportamental, o desejo de ter uma família somente minha, que eu fosse não
apenas um membro de todas as famílias, que eu poderias também ser um filho de
Deus servindo-o, sem ser castrado de uma série de coisas que a vida oferece a
todos. E isso me tornou um homem infeliz que, em respeito a todos ou para não
dar o braço a torcer, não tomei uma decisão durante todo esse tempo em
abandonar o sacerdócio. Estava aguardando ansiosamente a sagração das bodas de
ouro de vocês, pois sentia que a minha mãe esperava orgulhosamente por esse
momento, que seria sua maior alegria se fosse realizado por mim.
-Meu
filho, que pretende você fazer? Pensou o bastante nessa decisão? Você
apaixonou-se por alguma paroquiana?
-Nada
meu pai! Essas mesmas perguntas vocês fizeram há muitos anos atrás. Trata-se
apenas de decisões que devemos tomar em nossas vidas, mesmo parecendo
esdrúxulas ou estranhas, mas que achamos que serão as melhores para nós. Jamais
devemos continuar vivendo em situações que não nos são agradáveis, nos tornando
infelizes para agradar a terceiros ou com medo de enfrentar novas situações. E,
sobre a questão de tempo, que já é tarde, etc., isso não existe. Pois, se
passarmos somente os últimos minutos da nossa vida fazendo aquilo que nos faz
feliz e nos dá prazer, estes valem uma verdadeira eternidade, e morreremos com
um sorriso de realização nos lábios.
Vou
continuar ensinando na universidade, não deixarei de ser um frequentador constante
da paróquia e, com certeza, moldarei minha vida a partir de agora, assim que
entregar o bispado, e serei o mesmo homem, mas, com outras perspectivas de
vida. Nunca esquecerei de quanta valia foram esses anos de enriquecimento
intelectual e espiritual, assim como, tenho a convicção de que entro e saio do
âmago da Igreja Católica, tendo cumprido honrosamente o meu papel.
Seu
pai ouviu tudo, relativamente estarrecido, porém, assim como no passado, mesmo
constrangido, acatou a opinião do filho, desta feita com maior grau de
compreensão.
-Vamos
lá pra casa, pois haverá um almoço comemorativo e hoje é um dia de festa para
todos nós, principalmente para você que, no dia das nossas bodas de ouro,
resolveu renascer para a vida. Se relativamente perdemos um filho quando você
ingressou na igreja, hoje ganhamos outro muito mais experiente e com posições
convictas. Só peço-lhe que deixe essa notícia para dar a sua mãe amanhã, pois
ela está tão feliz e, certamente, mesmo sendo respeitadora das suas decisões,
provavelmente ficará um pouco triste.
*Escritor-Membro da Academia Grapiúna de Letras-AGRAL-antoniodaagral26@hotmail.com-antoniomanteiga.blogspot.com
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