Antonio Nunes de Souza*
Quem ouve a canção “Vamos comer, Vamos comer”, do poeta/cantor
baiano, tem a impressão inicial que se trata de um conselho glutão, estimulando
uma alimentação contínua e quantitativa. Mas, na verdade, é uma alusão a
necessidade de se alimentar condignamente, porém, sem maiores exageros.
E ela, infelizmente, entendeu ao contrário, seguindo ao pé da
letra como se fosse uma determinação imperiosa de empanturrar-se, literalmente,
durante todos os momentos do dia.
Assim era Lúcia, minha querida namorada que, quando a conheci,
tinha um corpinho de manequim, alta, esbelta, charmosa e reta na frente, com a
exceção dos seus lindos e empinados seios, como cheia de curvas sinuosas e
provocantes nas costas e laterais. Mulher que poderíamos considerar bonita
dentro dos padrões de beleza, que nos provoca desejos confessáveis e não
confessáveis.
Amávamos-nos loucamente e saímos para todos os programas
agradáveis, pois, tratando-se de uma mulher inteligente e bem informada, gostos
apurados e qualitativos como os meus (teatros, cinemas, eventos culturais, etc.),
formávamos um par perfeito. Porém, atendendo seu carinhoso pedido, sempre
terminávamos o dia ou a noite em um restaurante, lanchonete ou algum lugar que
servisse algo para se comer. Nesse particular, sua voracidade era ímpar! Em
princípio imaginei que fosse apenas um ímpeto sazonal, que logo seria amenizado
ou, pelo menos, controlado em função de não engordar que é uma preocupação
constante das mulheres. Mas, Lúcia era diferente. A mulher sentia orgasmo oral
com a ingestão de alimentos. Estar com a boca cheia era para ela uma sensação
deslumbrante e feliz e, nesses constantes momentos, eu ficava admirando sua
disposição, porém, não deixando de dizer carinhosamente que ela deveria moderar
aquele apetite voroz. Ela dava aqueles sorrisos amarelos e, sem a menor
cerimônia, chamava o garçom e pedia: Enquanto não vem a moqueca de camarão, por
favor traga duas casquinhas de siri e algumas ostras. Eu, para não parecer que
era por medida de economia e miserabilidade, nada contestava, mas, achava um
absurdo aquela maneira descabida de como ela comia. Juro que parecia que ela
tinha acabado de chegar de Biafra!
O fato é que, mediante esse comportamento onde eu poderia ser
trocado a qualquer minuto por um prato de feijão, ela começou a engordar
perdendo as suas lindas formas, deixando aparecer uma série de pneuzinhos e a
barriga dobrando por cima das calças, logicamente tudo foi perdendo o encanto,
até que resolvi cair fora antes que ela se transformasse em uma baleia e me
matasse sufocado na cama com seu peso exagerado. Sem contar os chicletes que
ela não tirava da boca, parecendo uma vaca ruminando com aquela mastigação
constante!
Houve choros e lamentos, quando saímos para conversar sobre
esse, que muito me atormentava e externei o meu desejo de acabar com o
relacionamento. E, por incrível que pareça, o local que ela escolheu para irmos
dialogar foi o McDonald. A mulher gozava quando mastigava os alimentos. Foi a
primeira e única transa digestiva que conheci em toda minha vida. Imagino que
aquele pinguelinho que temos na garganta, na dela era um verdadeiro clitóris!
Mesmo sendo aquele encontro determinado para finalizarmos
nosso compromisso, em função do seu impulso glutão, ela, com lágrimas nos olhos
ainda teve a coragem de pedir um BigMac e um suco de laranja duplo. Fiquei
pasmo com a sua disposição e senti que ela se daria melhor sendo a namorada do
dono do Baby-Beef!
Terminamos (eu o namoro e ela o modesto lanche) e procurei me
levantar logo antes que ela pedisse mais um Hambúrguer e uma coca-cola litro.
Passados alguns meses, casualmente, me encontrei com ela no
shopping e, sinceramente, quase não a reconheci. Aquela linda mulher que tanto
chamava a atenção pela sua beleza, estava agora chamando a atenção pela sua
gordura exagerada, uma bunda enorme, papadas no queixo, peitos grandes, moles e
caídos, além de um andar deselegante e cansado pelo peso que tinha de carregar.
Na sua cintura tinha mais pneus que nos boxes de fórmula um!
-Oi! Como vai você?
-Tudo bem! Quanto tempo sem nos encontramos, hem?
-Verdade! Tenho trabalhado muito e andei viajando também. Você
está fazendo compras?
-Não. Vim passear e fazer um lanchinho e comer uma pizza!
-Ok! Um abraço e foi um prazer lhe rever!
-Tchau!
Saí pensando como uma pessoa pode deixar de se amar, cuidar da
aparência e saúde, preferindo o pecado da gula?
O pior de tudo é que, depois disso, passei a observar muitas
mulheres, e homens também, que, infelizmente, estão cada vez mais gordos e
desengonçados, sem aprenderem que devemos nos alimentar e não comer!
*Escritor, Historiador, Cronista, Poeta e um dos membros
fundadores da Academia Grapiúna de Letras!
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