Antonio Nunes de Souza*
Recostado
em sua velha e antiga espreguiçadeira de lona, descansando a cabeça em um
pequeno travesseiro, ele começou a rememorar algumas passagens da sua vida,
mostrando e demonstrando a lucidez que ainda morava em sua mente, que mesmo com
todas as intempéries do tempo, conservava como se fosse o único patrimônio que
conseguiu juntar, ao longo da sua desastrada vida!
Olhou
para mim com seu olhar meio mortificado, em função dos seus noventa e quatro
anos e, com a voz pausada, porém firme, começou a debulhar algumas das suas
peripécias do passado, vividas nas noites boemias em diversas cidades do sul do
estado. Não foi a toa que seu apelido desde a puberdade era “Garanha”, que nada
mais era que uma corruptela da palavra garanhão, simplificada, pois, naquela
época esse adjetivo qualificativo era considerado nos meios sociais, como
indecente e imoral. Era o mesmo que você dizer: fodião. E isso podia ser um
orgulho para o rotulado, mas, condenado pela tola e fútil sociedade. Naquele
tempo você poderia ser um homossexual, ou garanhão, porém, tendo que disfarçar
muitíssimo suas atitudes, por serem bastante condenadas. Bem diferente de hoje
que dar o chicote é um orgulho e ser fudião merece um troféu!
Começou
lembrando o seu tempo de frequentador de cabarés, para dançar com as
prostitutas, tomar suas cachacinhas entremeadas pelas cervejas, fumando seu
cigarrinho Continental, vestindo seu terno de linho branco, e calçado com seus
sapatos Clark de duas cores. Depois de tomar muitas, já suado e excitado,
escolhia a melhor prostituta e ia para o quarto satisfazer os seus impulsos e
desejos, sabendo que aqueles prazeres eram pago, mas, não importava nada, pois,
o maravilhoso era ouvir das vagabundas os elogios de “gostoso, aí meu filho,
você é demais e me enlouquece, etc.”, tudo isso era um tempero para que tudo
funcionasse a contento sem nunca falhar!
Passei,
praticamente, toda minha vida com as mulheres da vida, mesmo estando casado não
deixava de dar meu bordejo noturno no puteiro, para tomar umas e, normalmente,
ir pra cama com uma das meninas. Juro que não tenho inveja de Pelé porque ele
fez mil gols, pois eu também comi mil Xoxotas. E acho que gozei mais do que ele
quando fazia um gol. Disse sorrindo com sua boca desdentada, mas, com uma
satisfação grande, dado o brilho projetado nos seus olhos! Só tive uma filha que é essa que hoje toma
conta de mim, talvez porque eu não tinha nem tempo de transar em casa, pois,
quando chegava da rua, já vinha satisfeito dos desejos sexuais. Como também,
como muita gente achava, que nossas mulheres eram mais para tomar conta das
casas. Se eu fosse fazer isso hoje, iria tomar tanto corno, que o pescoço
quebraria pelo peso dos chifres!
Ganhei
até muito dinheiro na vida, mas, apliquei 80% em bebidas, mulheres, jogo e
cigarro. E, os 20% restantes, tolamente, gastei com bobagens!
Dizendo
essa última frase, baixou a cabeça e começou a cochilar. Eu levantei-me
lentamente para não acordá-lo, despedindo-me de sua filha, deixando um abraço
para meu querido amigo e padrinho Garanha!
Uma
hora depois, quando sua filha entrou no quarto para levar seu jantar, que era
uma sopa, tentou acordá-lo, mas, infelizmente, naquela altura, meu padrinho que
na verdade chamava-se Francisco, estava morto, levando consigo suas doces e
maravilhosas lembranças!
É
muito importante que carreguemos em nossa memória, todas as coisas que fizemos
durante a vida, e nos deram prazer, mesmo que elas não sirvam como padrão de
comportamento!
*Escritor,
Historiador, Cronista, Poeta e um dos Membros fundadores da Academia Grapiúna
de Letras!
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