Antonio Nunes de Souza*
Nunca
fui chegado a estudos. Terminei o segundo grau aos trancos e barrancos,
enfrentando uma série de empregos sem futuro, mas, como sempre gostei de
música, desde os meus doze anos que dedilho meu velho violão e fazendo umas
musiquinhas chochas e simples, que cantava nos colégios, eventos e, mais tarde,
nos barzinhos da cidade. Com o tempo melhorei muito minha qualidade poética e
instrumental!
Mas,
com 20 anos, pensei que pudesse viver de música e deixei meu último emprego
como auxiliar de escritório, ficando somente cantando na vida noturna (as vezes
diurnas), recebendo uma merreca por quatro horas de audição, ninguém prestando
atenção, muito barulho, pedidos de músicas horrorosas, etc., para receber um
cachê ridículo de sessenta reais, que muitas vezes, não tinha nenhum movimento
e o dono do bar me dava apenas vinte reais, e eu voltava para casa, puto e sem
a modesta grana que esperava ganhar!
Como
não sou idiota, comecei a estudar e bisbilhotar o movimento musical das
religiões, percebendo, tranquilamente, que fazendo algumas músicas, sempre
colocando no centro e âmago os nomes de Deus e Jesus, a aceitação e os sucessos
eram garantidos, pelas divulgações que eram dadas pelos cristãos, e as mídias
patrocinadas pelas igrejas evangélicas, ou através das emissoras de rádios e
TVs pertencentes a elas. E se o cara fosse bonito então, o sucesso era
garantido. E foi aí que me salvei, quando já com umas dez músicas bem
trabalhadas, em nome de Jesus e do Senhor Deus, e modesta a parte sendo muito
bonito, senti que tinha chegado a hora de dar op bote final. Coloquei uma roupa
bacana e discreta ao mesmo tempo, e fui a procura do Bispo que era responsável
pela área musical das igrejas da região, arrecadação de direitos autorais e
programar apresentações em programas especiais, e nos eventos mais badalados
nos eventos das igrejas!
Vi
logo que esse era, verdadeiramente, o “cara”!
Chegando
lá, fui bem recebido, ele me pediu um CD com as músicas pra que ele pudesse
ouvir, fez algumas perguntas, anotou meus dados e endereço, ficando de me dar
uma posição dentro de cinco dias. Notei que ele gostou de mim, pois, minha
elegância e charme normalmente chamava a atenção e, eu sabendo disso, fazia
minhas “caras e bocas”, me aproveitando para abrir portas, Além de fazer
conquistas femininas! Dizem que, quando Deus quer, ninguém consegue mudar, mas,
minha fé é outra, pois, se eu não me virar e lutar pelos meus sonhos, morrerei
na merda, como muitos que vivem a vida toda com a Bíblia debaixo do braço,
esperando as coisas caírem do céu. Esses não vivem, vegetam!
Passados
apenas dois dias, Bispo Mendonça Macedo já me ligava pedindo minha presença com
urgência. Na maior alegria, parti para a instituição musical que era no próprio
Templo, e lá chegando, fui recebido com toda atenção pela equipe técnica de
som, que, aquela altura, tinha autorização para me programar para uma
apresentação quatro dias depois, com dois dos grandes astros da equipe gospel
da paróquia, lançando duas das músicas do meu CD, que eles acharam sensacionais
as letras, e os fortes e divinos refrões!
Fomos
imediatamente para os ensaios, tudo de mais moderno e de ponta a minha
disposição, além de um professor de canto, um maestro e músicos de qualidade.
Para ganhar dinheiro eles sabem trabalhar com o melhor existente, para
impressionar os incautos fiéis pagadores de dízimos enriquecedores. O fato é
que fiz minha estreia, fazendo um grande sucesso, pois já saíram da igreja
cantando um refrão de uma das minhas músicas: “Jesus não está na cruz, não,
não, não, Ele está, em meu coração!” Isso eles cantavam fazendo coro, com as
mãos para cima e lágrimas nos olhos, enquanto o Pastor dizia no microfone: Não esqueçam de fazer seus Pix para a igreja de Senhor Jesus. Fiquei pasmo ao ver tamanha enganação, e
todos adorando, e histericamente, achando que essas ladainhas irão resolver
seus novos e velhos problemas!
Isso
tudo se passou há oito anos, hoje mesmo estou embarcando para a Europa com
vários outros cantores evangélicos, pois, eles tem igrejas arrecadadoras ewm
vários países, e cada dia aumenta mais, pois, o que não falta é gente tola,
desempregada, desesperada, doentes e idosas, para acreditar nessa farsa absurda
que assola o mundo, hoje chamada de “indústria da fé”!
Na
verdade não dei nenhuma sorte para vencer. O que fiz fui ir atrás, elaborar um
plano dentro do que o mercado pedia, estudei para criar as letras e músicas que
sensibilizasse os seguidores da crença, sabendo que assim fazendo, teria uma
resposta positiva. Mas, para eles, minha vitória foi uma dádiva divina. Nada
digo ao contrário, pois, graças a eles eu estou numa situação bastante
privilegiada! mas, fui atrás, trabalhei e não fiquei esperando acontecer,
repetindo que tudo está difícil!
Não
precisa que eu diga que estou bem de vida, tranquilidade financeira, abençoado
por Deus e bonito por natureza, como diz meu colega e amigo Jorge Benjor!
Nunca
mais estive com o Bispo Mendonça Macedo. Quando o vi pela primeira vez imaginei
logo: “Esse coroa elegante e charmoso, deve ter comigo uma porrada de beatas em
nome de Jesus!”
*Escritor,
Historiador, Cronista, Poeta e um dos Membros fundadores da Academia Grapiúna
de Letras!
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