quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

AS COMPENSAÇÕES DAS SOLIDARIEDADES! (Clique no título e leia)

 

Antonio Nunes de Souza*

Tudo começou quando um dia eu fui a uma feira livre na minha cidade e, mesmo sem ter interesse, parei em uma barraca que vendia passarinhos diversos. Tinham canários, Cardeais, um papagaio e muitos Papa-capins, Fiquei observando, o feirante que estava acompanhado com uma criança, me perguntou: A senhor a deseja algum pássaro?

-Não, obrigado. Apenas estou admirando e com pena de vê-los presos!

-Eu também tenho. Mas, as pessoas gostam, e é uma maneira que tenho de ganhar algum dinheiro, para me manter com meu pequeno filho!

Fiquei olhando a criança sentada num tamborete, vestida com uma roupinha surrada, chinelos gastos e na mão um beiju de mandioca, que ele comia se lambuzando com os farelos, e do nariz escorria dois rastros de catarro, que ele às vezes sugava e as secreções voltava para as narinas. Uma ação características das crianças, quando as mães não cuidam!

Me sensibilizei bastante e perguntei: Por que o senhor não deixa a criança em casa com a mãe?

Minha mulher morreu de parto e eu crio Rafael desde que nasceu, já está com quatro anos, e, infelizmente, não tenho condições de cria-lo decentemente, devido minha situação de trabalhador de roça, e durante a semana coloco armadilhas e pegos esses pássaros, para ajudar nas despesas. Gostaria de entregar ele a uma família, para que pudesse ter um futuro!

Ao ouvir suas palavras, loucamente falei: O senhor me daria ele para ir morar em minha casa? Eu moro com minha mãe, estou estudando, e minha mãe é funcionária municipal, e não alterará nada em termos de maiores despesas!

Ele deu um sorriso e disse de estalo: Você é uma menina (eu tinha treze anos) que precisa de alguém para acabar de lhe criar, como é que você quer criar alguém?

Me chamar de menina, buliu nos meus brios, e eu, novamente loucamente, falei: Se minha mãe vier aqui e se responsabilizar, o senhor permitirá?

-Traga ela aqui para conversarmos. Falou isso como não se não estivesse me dando nenhum crédito!

Simplificando, eu digo que fui, briguei e discuti, mas, depois de um longo tempo, ela se predispôs a ir na feira, conhecer o homem e ver a criança, já que ela também era muito humanitária e solidária. O fato é que depois de conversas e acertos, o homem indo ver nossa casa, anotar endereço, ver que minha mãe era gente conhecida, cedeu a guarda do lindo menino Rafael, assim registrado com paternidades!

Claro que com minha intempestiva atitude, as rotinas da casa foram todas mudadas, principalmente, ter que deixar Rafa com a vizinha todas manhãs, já que eu tinha de ir para o colégio, terminando meu curso secundário. Mas, com jeito, a vizinha que era uma senhora que morava só, ficou deslumbrada de alegria, por ter essa companhia diária!

A verdade é que o tempo foi passando, Rafa foi crescendo, estudando, chamava minha mãe de mãe e a nossa vizinha de avó, e nós éramos como irmãos. Até que chegou a minha formatura em odontologia, eu com vinte e dois anos, e Rafa já com treze, a mesma idade que eu tinha quando o conheci e, curiosamente, ele estava hoje cursando o secundário. Foi a maior festa, com muita alegria. Minha mãe, conseguiu que um dentista amigo me deixasse usar uma cadeira vaga em sua clínica, e eu daria vinte por cento da arrecadação mensal dos serviços efetuados por mim. Vibrei de felicidade, pois, isso representava o começo da minha independência profissional!

Eu e Rafa éramos unhas e dedos, sempre amigos, mesmo ele sendo nove anos mais jovem!

Mais uma vez, ao passar do tempo, com minha ajuda e influência, chegou a formatura de Rafael, sabem em que profissão? Dentista!

Minha mãe orgulhosa e feliz, chorou de emoção, lembrando-se do dia em que eu, numa ação absurda, a levou para buscar aquela criança, que hoje era o seu orgulho e alegria!

A essa altura eu já tinha meu consultório, e logicamente, aluguei uma sala vizinha, fiz uma adaptação e coloque toda instrumentação e uma linda cadeira para meu adorado Rafa. Lógico que trabalharíamos juntos nessa clínica, que coloquei o nome de Previdente Assistência Odontológica!

Sempre unidos, trabalhando juntos, muito amor e afetividade durante tantos anos, que tudo isso reunido, logicamente transformou-se em amor e desejos, que normalmente não ocorre entre verdadeiros irmãos. A diferença de idade, praticamente não era notada, pois Rafa era alto, forte, usava barba e, sinceramente, parecia até ser mais velho que eu. Minha mãe quase enlouqueceu, não admitindo dois irmãos estarem namorando. A vizinhança não entendia e comentavam e malhavam, pois, muitos não sabiam que Rafa apenas foi criado por minha mãe. Mas, não nos amedrontamos com os comentários maliciosos!

Nos casamos, somos bastante felizes e, infelizmente, nunca soubemos notícias do pai de Rafa, pois, sempre eu ia a feira e nunca mais o encontrei!

Posso aconselhar a muitas mulheres, que ajudem nas adoções, pois, uma delas poderá ser o seu marido ou um filho,  e lhe fazer feliz. Ser solidário, sempre tem suas recompensas!

*Escritor, Historiador, Cronista, Poeta e um dos Membros fundadores da Academia Grapiúna de Letras!

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