Antonio Nunes de Souza*
Tem dias que desejo, propositadamente, atropelar a verborreia linguística, voltando-me para os adágios ou “ditados” populares, que nada são de beleza verbal, porém, trazem em seus bojos, a verdadeira sabedoria popular que, sem aparecerem substitutos a altura, perduram para sempre nos vocabulários da filosofia primitiva, sendo admirados e repetidos, quando colocados dignamente!
No caso em pauta, que vou falar sobre um homem chamado Joaquim Francisco dos Espíritos, nascido e criado numa cidadezinha do interior, daquelas que, para arranjar o dinheiro do pirão diário, você tinha que se rebolar, pois, nem empregos tinha, excetuando na modesta prefeitura, onde já estavam encaixados os apadrinhados. E nosso personagem, aplicando nosso primeiro provérbio, “não tinha nem merda no cu para cagar”. Esse ditado, reduz qualquer indivíduo a miséria, onde não se pode mais exagerar sua pobre condição humana. Imagine que seu sobrenome era ”dos espíritos”, nem dos Santos era. Eu simplificaria dizendo apenas, que era um fodido na vida, igual a milhões existentes no nosso país e pelo mundo afora! Vivia de uma espécie de “faz tudo”, ganhando merrecas, pratos de comida, roupas usadas e outras coisas mais, que lhe davam sobrevivência e um pouco de dignidade. Não tinha parentes, pois, os seus dois irmãos foram há muito tempo para S. Paulo, aventurar a vida numa cidade grande. Mas, nem tinha muitas notícias deles, pois, não tinha celular (imagine que merda vivia o cara, pois, qualquer mendigo tem um celular que pega dois chips), apenas soube que um havia morrido atropelado, restando somente um que se chamava Fernando. Chico, como era chamado, não tinha vícios, não fumava, não bebia e, comprovadamente, era um homem bom e honesto!
Já com 48 anos, habituado a sua vidinha modesta, sem maiores ambições, aparece na pequena cidade um advogado procurando por ele, que, em princípio ficou amedrontado, pois, para ele, advogado representa prisão ou crime. Mas, desta feita, o homem estava trazendo-lhe boas e ruins notícias, que mudariam completamente sua pobre e miserável vida. Pois seu irmão que morava em Sampa, conseguiu fazer uma boa e sólida fortuna e, como era solteiro e não tinha filhos, Chico era seu herdeiro único e oficializado pela lei! E o advogado foi determinado a ir procura-lo para fazer a entrega dos bens e dinheiro deixado nos bancos. Chico como não entendia nada, chamou um dos amigos letrados para acompanhar a “estória” e auxilia-lo na recepção da sua inesperada e desconhecida herança! O advogado disponibilizou dinheiro para comprar roupas, passagem de avião e arrumá-lo para a viagem, pois, somente pessoalmente, poderia oficializar o recebimento dos bens, que, segundo o jurista, eram cinco apartamentos de três quartos, dois carros e uma quantia de dinheiro na poupança de, aproximadamente, quinhentos mil reais. O irmão tinha uma empresa, mas, vendeu, comprou esses apartamentos, vivia em um deles, sendo os outros bem alugados e, o restante, era o que havia na poupança!
Chico recebeu tudo, conservou um homem que administrava os imóveis e negócios do irmão e, com essa nova e boa vida, depois de um ano casou-se, já tem dois filhos e, esse fim de ano, vai para sua terra rever seus velhos amigos e matar a saudade, Mas, na sua bagagem consta centenas de brinquedos que Chico pretende distribuir com as crianças pobres! Homem bom e solidário!
Finalizo com mais algumas citações populares chulas, porém, que exprimem, literalmente, a realidade: “Chico é um cagado de sorte” e “Chico nasceu com o cu pra lua!”!
Nessa vida louca que vivemos, tudo é possível acontecer. Ou seja: “Donde não se espera é daí que sai!”. Para exagerados religiosos, tudo isso foi obra de Deus, mas, para mim, “Chico foi um cagado de sorte!”
*Escritor – Historiador - Membro da Academia Grapiúna de Letras – AGRAL
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