sexta-feira, 22 de setembro de 2023

QUANDO ABRI O QUARTO! (Clique e leia)

 

 Antonio Nunes de Souza*

Depois de forçar bastante a porta, entrei e deparei com Lúcia sentada, cabeça sobre a penteadeira, respingos de sangue no espelho e, no tapete branco, uma enorme mancha vermelha escura, decorrente do seu trágico gesto. Ainda em sua mão, segurava firme o revólver causador daquele brutal estrago!

Corri desesperado colocando-a em meus braços, mas, infelizmente, já era tarde demais. Lúcia estava morta!

Uma crise de choro apoderou-se de mim, ao tempo que a apertava contra meu corpo, estarrecido e surpreso pela sua grotesca atitude suicida, querendo entender o “por quê” de tal terrível e desesperado gesto!

Mesmo com minha cabeça totalmente debilitada pela cena e o fato, tentei a todo custo rememorar tudo de nossa vida, no sentido de captar alguma coisa, ou motivo que pudesse de alguma forma, leva-la a desejar acabar com a sua linda, maravilhosa e jovem vida!

Conhecemo-nos dois anos trás, estudávamos na mesma faculdade, sendo que eu fazia economia e ela enfermagem. Fomos apresentados por um amigo comum, e logo, logo, nos identificamos e começamos a namorar. Como era nosso último semestre, com as preocupações das provas finais, teses, plantões, etc., nossos encontros eram restritos apenas aos fins de semana, ocasiões que aproveitávamos bastante para conversar, ir ao teatro, cinema, trocar informações, quebrar as tensões dos estudos, e curtir nossa alegria e felicidade!

Nos amávamos profundamente. Somente em olhar para o meu rosto, sentia o prazer incomensurável de estar ao meu lado, sendo que essa reação era idêntica da minha parte. Não vivíamos um para o outro, vivíamos ambos, despojando-nos de todos os bons sentimentos, para que nos transformássemos em uma única pessoa. Um amor raro, belo e invejável!

Como éramos do interior, eu morava em um modesto pensionato, e Lúcia dividia um apartamento com uma amiga. Ela somente dedicava-se aos estudos, sendo provida totalmente pelos seus pais. Quanto a mim, fazia trabalhos eventuais, principalmente pesquisas e projetos, para complementar minha manutenção, pois, meu pai não tinha condições de bancar-me na capital. Além dos meus trabalhos, uma tia ainda me ajudava eventualmente. Minha formatura era o esperado orgulho de toda família. Seria eu o primeiro de duas gerações a completar o curso superior, que para eles era chamado pomposamente de doutor!

Depois de desfilar todos os meus pensamentos procurando razões, ou motivos, infelizmente, nada encontrei que, mesmo de longe, justificasse tal gesto. Aos prantos, chamei os colegas dela e vizinhos, eles se encarregaram de ligar para a polícia!

Depois de alguns dias, já feitas as perícias e comprovadas que foi uma atitude solitária e suicida, sem nenhuma explicação plausível ou justificável, ficamos todos na obscuridade de uma razão, uma vez que não foi deixado nenhuma carta ou bilhete, e o revolver foi comprado por ela mesma em uma loja da cidade!

Hoje, dez anos depois, não consegui esquecê-la completamente e, sinceramente, vivo intrigado como uma pessoa amando e sendo amada por todos, realizando-se profissionalmente, inteligente, educada e feliz, comete tal loucura. Só posso dizer que são fatos inexplicáveis dessa Vida Louca que vivemos!

Quando nessas situações ouço alguém dizer: “Deus sabe o que faz, ou Deus está no comando!”, Não gosto de contestar, mas...tenho seríssimas e categóricas dúvidas!

*Escritor, Historiador, Cronista, Poeta e um dos Membros fundadores da Academia Grapiúna de Letras!

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