Antonio Nunes de Souza*
Para
eu começar a contar minha história, tenho obviamente de me apresentar: Me chamo
Amélia, imagine vocês que minha mãe me colocou esse nome, homenageando uma
antiga música, onde a tal Amélia era uma mulher de verdade e não tinha a menor
vaidade, e com um tremendo sacrifício eu fiz o curso secundário, minha mãe se
acabando pelas cozinhas alheias, lavando roupas de ganho durante a noite, tudo
isso para comer e passar mal, já que esses serviços são considerados de
terceira e pouco remunerados. Além dessa vida miserável, ainda, por desespero,
fé e esperança, três vezes por semana íamos ao culto de nossa Igreja Cristo
Salva sua Alma, gritar aleluias e levar umas merrecas de dízimo, para encher a
barriga do Pastor. Mas, como ele dizia que iríamos todos para o céu, que nosso
lugar estava reservado, e que nós não éramos pobres, pois tínhamos a riqueza de
Jesus no coração, e nós abestalhadamente, engolia essa farofa e papo de jacaré,
uma vez que, quanto mais rezávamos, cantávamos e colaborávamos na arrecadação e
prestando serviços, a situação continuava péssima, falta de alimentos, atrasos nos
pagamentos de água, energia e os fiados no armazém do bairro. Vejam vocês que
vida desgraçada nós estávamos levando, somente porque, em vez de procurar
batalhar firmemente e com coragem e valentia, ficávamos como imbecis (a igreja era
cheia de iguais ou piores de nós), com a certeza que, como dizia o pastor,
depois da tempestade veria a bonança, e que essa situação era uma provação, para
Ele ver se nós realmente tínhamos fé!
Vocês
devem estar dizendo: Que babado fdp, esses pastores aplicam nos pobres desesperados!
E
vocês tem toda razão, pois, passei a observar esses detalhes, vi que nenhuma
das minhas amigas ou vizinhas, melhoravam em nada, somente comendo o pão que
nem o diabo quis amassar, apertos financeiros, etc., e nosso glorioso pastor
curtindo com seu carro novo, casa boa, filhos em boas escolas e, logicamente,
comendo do bom e do melhor, graças aos nossos suados e sacrificados dízimos,
que colocaram como obrigação na Bíblia, exatamente, para dar mamata aos
ministradores dela. Ajuda essa, que em todas religiões você dá espontaneamente
e não como determinação divina. O fato é que, depois de olhar para um lado e
para o outro num culto de sábado, vi claramente que 99% dos presentes eram pobres,
pretos, semi analfabetos, desempregados, doentes e idosos, demonstrando ser o verdadeiro
retrato dos excluídos, a procura solução na terra e de refúgio no ilusório céu!
Me
levantei, tirei a Bíblia que estava debaixo do braço, saí sem nem olhar para trás,
deixando aquele monte de idiotas gritando aleluia, aleluia, cheios de uma fé
enganosa, e com seus estômagos vazios de alimentos!
Na
primeira esquina encontrei uma lata de lixo, que joguei meu livro sagrado
dentro, imaginando que dali pra frente tomaria outas atitudes, pois, se Deus me
deu a vida, foi para eu viver intensamente na terra, desfrutando de todos
prazeres, trabalhando, divertindo-me e, quando chegar a hora da morte, é que
veremos para onde iremos. O céu não está sendo doado, nem vendido, e nenhum terráqueo
pode prometer vagas, e nem tem direito de enganar os fiéis que estão
desesperados!
Vou
finalizar com rápidas palavras, apenas dizendo que deixei igrejas de lado, saí
pelas ruas batalhando com meu currículo, consegui um emprego numa fábrica, coloquei
minha mãe para fazer a faxina semanal da empresa, meu chefe, que era meio
safadinho, começou a me paquerar, e não me fiz de rogada, começamos um caso,
mesmo ele sendo casado! Mas, com esse relacionamento, minha mãe deixou de
trabalhar, ele comprou um ótimo apartamento para nós, eu entrei na faculdade,
passei a ter uma vida maravilhosa, não pagava dízimo, comia bem e, depois de quatro
anos, na minha formatura, ele se separou da esposa, divorciou-se e passamos a
morar juntos!
Aí
meus amigos, passei a conhecer e saber que estava no verdadeiro céu, pois,
aquele que o Pastor me colocava na mente, era um verdadeiro inferno cheio de
ilusões, falsidades e sofrimentos. Tenho meu carro, sou formada em dentista,
vivo intensamente, passo férias em lugares paradisíacos e, algumas vezes,
quando vou fazer uma visita no meu antigo bairro, com muita pena, vejo todos meus
antigos vizinhos, na mesma merda, sofrendo, sacrificados e, tolamente, dizendo
que é em nome de Jesus. Hoje eu digo com segurança, como é bastante abusiva e lamentável
essa cegueira religiosa!
Passei
dezenove anos da minha vida querendo ir para o céu, quando descobri que eu
estava no céu desde o dia nasci!
*Escritor,
Historiador, Cronista, Poeta e um dos Membros Fundadores da Academia Grapiúna
de Letras!
Nenhum comentário:
Postar um comentário