segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

José da Silva Santos

Antonio Nunes de Souza*

Com esse nome você imagina logo que trata-se de um pobre coitado “de marré del si!” (Nem sei se é assim que se escreve), que mora nas redondezas mais pobres dos subúrbios recanteados e longícuos do centro. Nome e sobrenomes dos mais simples e comuns entre os brasileiros, que bate de testa com os Joãos do Espírito Santo e Pedros Bispo de Jesus. Esses são azarentos nos nomes e, financeiramente, umas tragédias!
Mas, nesse caso, vocês estão todos redondamente enganados, pois, para seus governos e ciências, o sr. José da Silva Santos que me refiro acima, trata-se de um dos maiores industrias da América do Sul, na área de recuperação de lixos e transformações, com suas imensas usinas em São Paulo e filiais no Uruguai e Argentina. Uma verdadeira cadeia de negócios que movimenta milhões de dólares mensalmente. Porém, tenho que confessar que tudo isso começou há uns trinta anos, quando Zezinho, molecote aos 12 anos, começou a catar lixo nos grandes lixões de S. Paulo. Não fumava, não bebia como a maioria que, o que ganhava durante o dia, tomava de cachaça, cheirava colas ou distribuíam com as putas na noite!
Economizando, alugou um pequeno e improvisado depósito e, com 17 anos já comandava um boa turma de catadores que forneciam para ele, e ele fazia as devidas separações e repassava para terceiros. Até que viu que também poderia fazer o que seus compradores faziam, então criou uma pequena cooperativa, sendo ele o presidente, começou a crescer, fez cursos de empreendedorismos no SEBRAE, começou a estudar com um professor particular nas poucas horas vagas, foi-se desenvolvendo que, com 25 anos se desligou do grupo de cooperados, com suas poucas e suadas economias, planejou e inaugurou uma pequena usina, porém, toda mecanizada, de nome Santa Isabel em homenagem a sua falecida mãe, pois, sua certidão de nascimento constava, tristemente, pai ignorado filho de Isabel da Silva Santos!
Daí pra frente as coisas foram tomando rumos tão fantásticos que, com a comprovação da higienização que produzia, benefícios com gerações de empregos e saneamentos, a tendência era tudo ir adiante. Agora já sr. José da Silva Santos, no auge dos seus 35 anos, conseguiu financiamentos de bancos oficiais, com juros compatíveis, prazos e carências, fez com que despontasse sua primeira filial no Rio de Janeiro, já que contava com três unidades das Usinas Sta. Isabel em S. Paulo!
Deixando a vida social de lado, apenas participando de atos e eventos ligados a sua área comercial, sentiu a necessidade de se casar e constituir uma família. Então...como continuava sendo um homem humilde, embora já com uma postura de industrial de respeito, foi procurar num bairro da periferia, alguém que era pobre como ele no passado e não tinha ainda tido uma oportunidade de melhor desfrutar a vida. Não queria filhinhas de papai e nem dondoquinhas fúteis. Foi aí que, num pagode de final de semana, conheceu Giovana de Jesus Pereira, mulata tesudérrima com características brancas e negras, já que era filha de um português, camelô que apareceu um tempo no bairro e acasalou com uma doméstica negra, dando origem a essa moça que, embora sabendo sua descendência, nunca chegou a conhecer o pai, mesmo ele a tendo registrado antes de desaparecer!
Sem se abrir pra que não fosse fisgado pela condição financeira, Zezinho começou a namorar com Geovana, dizendo que era empregado numa usina como vendedor e indo sempre com um carro simples da empresa com sua sigla e publicidade pintadas nas portas, dizendo sempre que era sua ferramenta de trabalho. Mas, mesmo assim, Vane, como era tratada na intimidade, já achava que era um partidão, um homem do centro da cidade se interessar por ela. Vale dizer que, mesmo bonita e charmosa, ela era adventista, bem comportada e não tinha vícios pecaminosos. Era pobre, decente e crente, como são muitas pessoas comuns dos bairros mais humildes e carentes. O namoro foi se sedimentando, começou a nascer uma afetividade palpável, Geovana com seus 20 anos terminou seu segundo grau, trabalhava como caixa de uma farmácia. E Zezinho achou que estava na hora de noivar, se desnudar dizendo quem realmente ele era, obviamente alegando suas razões de desconfianças, pois, atualmente, os interesses estão acima dos amores. Geovana ficou um pouco sentida por ele não confiar nela, mas, entendeu o “porque”, ficando até feliz com essa magnífica surpresa, já que ela era paupérrima, não tinha parentes, sua mãe tinha morrido há um ano e ela morava alugando um quarto numa casa de família que, sendo evangélica, induziu para que ela fosse também. Isso foi preponderante e importante em sua vida, pois, se assim não fosse, provavelmente se tornaria uma possível prostituta, ou garota de programa pelo seu porte e beleza!
José tirou Geovana da farmácia, levou para seu bem montado apartamento num bairro de classe média alta e, a partir daí, sua preocupação era tratar da sua querida, não só saúde em geral fazendo todos os exames possíveis, como também uma professora de boas maneiras, uma decoradora para fazer as adaptações no apartamento, pediu a uma amiga que trabalhava na área de moda para dar um banho de loja em Vane, além de dentista e salão de beleza em geral! Geovana estava sendo tratada como uma rainha, já que José estava, realmente, apaixonado e gostava de ver as pessoas que ele tinha afetividade, felizes e alegres. E, como não teve família, fazia isso com seus empregados e familiares, sendo considerado por todos como um patrão/pai!
Depois de 5 anos de casados, os negócios de José crescendo cada vez mais, tinha ele uma série de diretores qualificados e pessoas de sua confiança, podendo sempre dar todas atenções a Geovana. Mas, aí aconteceu o inesperado! Geovana se envolveu e se apaixonou pelo seu dentista e, um dia, José, que deveria estar viajando para Bueno Aires, perdeu o voo e horas depois, passou em uma das usinas e resolveu nada avisar para fazer uma surpresa, já que havia mudado a ida para o dia seguinte. Ao entrar no apartamento, não viu ninguém na sala, foi direto para o quarto, deparando-se com a trágica cena de Geovana e um cara nus, atracados e grudados que pereciam siameses. O cara deu um pulo parecendo uma gato assustado e José falou tremendo de ódio: Vista sua roupa vá embora que a descarada aqui é ela!
O indivíduo que depois viemos a saber que era o dentista, pegou suas roupas e saiu voando do quarto, mas, ainda no elevador, chegou a ouvir os seis tiros que José disparou no corpo de Geovana!
José saiu para livrar o fragrante, foi procurar um dos advogados da empresa para providenciar um bom criminalista, pois, pretendia se apresentar, depois do prazo que constituía perigo de prisão, já que não tinha antecedentes e nem constituía perigo para a sociedade. Com sua apresentação, deu seu depoimento, pagou uma fiança que foi arbitrada. E, como acontece no Brasil com suas leis obsoletas, os criminosos que tem dinheiro, vão presos, respondem em liberdade e, depois de algum tempo a coisa cai no esquecimento, passa o tempo e as penas prescrevem ou são engavetadas!
Mas, com José, por azar, a coisa foi diferente. Pegou um promotor desses novos que querem aparecer, que botou fervendo no processe e, sem muitas delongas, levou José ao banco dos réus. O júri foi com o maior reboliço da imprensa por tratar-se de um industrial de ponta, jovem e de caráter ilibado. Porém, por outro lado, um crime brutal, desrespeitando a lei Maria da Penha e tantas outras Marias que fossem colocadas para ajuizar!
Depois dos grandes debates, replicas, tréplicas, testemunhas, etc., José visivelmente tenso e cheio de ódio por estar passando por aquela situação constrangedora, causada por uma mulher que ele fez o possível e impossível para fazê-la feliz, pediu ao juiz para falar, sendo sincero e honesto, mesmo que lhe custasse a liberdade! O juiz lhe concedeu a palavra, e ele começou dizendo: Reconheço a minha atitude brutal e assassina, querendo resolver uma situação com a violência, mas, como todos senhores viram e ouviram todo meu comportamento durante os anos de casado, procedi da maneira mais humana e solidária com essas mulher, praticamente a tirei da miséria e coloquei num pedestal invejável, nada lhe faltando, inclusive carinhos e as obrigações maritais, e essa, desculpe meritíssimo, filha de uma puta me trair, barbaramente, em minha casa e em minha cama. Não posso mentir, mesmo custando caro, mas, não estou arrependido, e se ela voltasse a viver eu a mataria outra vez. Somente quem sofre uma decepção dessa é que sabe a grande dor que bate em nosso coração! Eu também estou sofrendo muito, pois, pode parecer absurdo, mas, eu a amava muitíssimo e fui traído na alma e no coração! Minha reação foi de ódio momentâneo e dor emocional!
Para surpresa, em vez de vaias ou apupos, José foi tremendamente aplaudido. Nisso, o juiz admirado e perplexo, determinou silêncio e que os jurados se reunissem na sala para o julgamento, enquanto a plateia em suspense aguardava o veredicto.
O juiz entrou, assim como os jurados, o zum zum zum no salão era enorme. Bateu o martelo no sino, e proferiu a sentença, antes lendo aqueles “catataos” normais: O sr. José da Silva Santos foi considerado inocente, tendo direito à liberdade imediata!
O alvoroço foi grande, os amigos e funcionários das suas empresas todos felizes porque sabiam que ele não merecia uma hora de cadeia, por causa daquela mulher que, sem nenhuma razão, teve o desplante e desrespeito de traí-lo!
Hoje, mesmo com esse desfecho que lhe foi favorável judicialmente, uma vida de progresso vencendo todos os desafios que encontrou pela frente, a perda de Geovana e as circunstâncias, fez com que ele, não consiga sair do divã de um analista em decorrência de uma brutal e aguda depressão!
Nem sempre as coisas da vida, independentes de nomes, tem um final feliz!

*Escritor – Membro da Academia Grapiúna de Letras – AGRAL – antoniodaagral26@hotmail.com

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