Antonio Nunes de Souza*
-Sempre
guardei segredo desse triste fato, mas, com o passar do tempo Raimundo, por
você ser meu melhor amigo, resolvi contar-lhe uma enorme tristeza e decepção,
que sofri há muitos anos!
-Nada
Luiz, deixe de tolices, todos nós temos nossas tristezas e é sempre bom
desabafar para aliviar a consciência!
-Aconteceu
o seguinte: Quando eu tinha vinte e três anos, deixei a faculdade e resolvi
trabalhar. E meu primeiro emprego foi de representante comercial, que naquela
época era chamado de cacheiro viajante, ou simplesmente, viajante. Viajava por
todo Estado da Bahia, fazendo pedidos para uma fábrica de tecidos bem famosa,
chamada Bangu, que hoje não mais existe. E ganhando bem, como já vinha
namorando com Karla há uns meses, resolvi casar, já que sou, praticamente,
sozinho, uma vez que minha família toda mora no Maranhão, e eu foi que vim para
cá aventurar a vida, seria interessante constituir minha própria família!
-Casei-me
aluguei e montei uma casa um tanto simples, mas, com todo conforto necessário.
E continuei fazendo minhas viagens, sempre retornando, rigorosamente de quinze
em quinze dias, para dar assistência a família. Porém, aconteceu o seguinte:
Como eu ia muito a Vitória da Conquista, terminei arranjando uma namorada lá de
nome Irene, e me apaixonei pela danada. E como me apresentava como solteiro,
resolvi casar com ela apenas no religioso, como se fosse em caráter
experimental, ela concordou, alugamos um apartamento, fizemos uma festinha
simples, a falta de minha família foi justificada, pois, o Maranhão é muito
longe, etc., e fomos morar juntos na maior lua de mel!
-Ela
já sabia que eu viajava muito e que somente viria uma vez por mês para passar
três ou quatro, no máximo uma semana. Ela disse que sentiria saudades, mas, se
conformaria por me amar muito!
-Aí
meu amigo, comecei a viver uma vida dúbia, dividindo meu tempo com Karla, Irene
e meu trabalho. E, para não falhar com nenhum dos três compromissos, fiz uma
tabela que, rigorosamente, eu obedeceria: do dia primeiro ao dia onze eu
trabalharia dobrado em várias cidades, para atingir minha cota, dia doze ao dia
vinte e seis com Karla e fazendo a praça de Salvador, e de vinte sete a trinta,
ou trinta e um com Irene, que era mais conformada com a pouca e saudosa
presença!
-Porra
cara! Que ginástica filha da puta! E como você se saiu dessa?
-Você
vai saber agora. Essa situação durou um ano meu amigo, eu cumprindo
rigorosamente minha tabela, quando chegava era a maior alegria, prato especial
para um jantar de recepção, etc., era uma despesa grande cuidar e manter duas
casas e duas mulheres, se bem que Irene trabalhava, aliviava meus gastos e
ajudava pagando luz, água e telefone, além de se calçar e vestir sem me dar
despesas!
-Aconteceu
que um dia vinte e cinco eu estava em Salvador e me deu saudades de Irene,
então resolvi fazer uma surpresa e fui para Vitória da Conquista, chegando lá
as vinte e uma horas, passei no shopping, fui numa floricultura, comprei uma
dúzia de rosas, e fui para casa fazer minha surpresa. Cheguei, parei o carro
meio distante, abri a porta em silêncio e fui de pontinha de pés até o quarto.
E meu amigo, aí é que foi a merda. A porta estava entreaberta eu pude ver um
homem deitado e Irene nua em cima dele, rebolando e gemendo. Me deu vontade de
entrar e matar os dois, mas, me refiz do susto, e como cheguei, voltei em
silêncio, saí, peguei o carro e segui para o centro, sendo que no caminho
joguei as rosas pela janela do carro e fui direto para a estrada, pensando em
voltar para Salvador, me consolar e aliviar meu desgosto ao lado de Karla. -Cheguei
em Salvador o dia começando a clarear, morto de cansado, cabeça doendo e cheio
de raiva e ódio. Segui direto para o bairro Nazaré onde moro. Aí, quando me
aproximava da minha casa, vi um cara saindo, Karla na porta lhe deu um beijo na
boca de despedida, e ele sorridente deu com a mão e seguiu, mas, deu para eu
ver que era nosso vizinho de duas casas adiante. Eu pensei logo: Puta que
pariu! Ser corno duas vezes no mesmo dia? Não é possível meu Deus!
-Como
tenho um tremendo sangue frio, dei meia volta, fui a um bar que estava abrindo
naquela hora, entrei, tomei café, fumei uns quatro cigarros, e já eram sete
horas. Fui para casa, entrei e dei uma desculpa da minha volta, nada falei,
muito embora notei que ela tomou o maior susto com minha presença, imagino que
pensou: Porra! Por um triz eu não fui pegada em flagrante!
-Falei
que ia dormir para descansar, ela rapidamente mandou que eu esperasse que ia
mudar a roupa de cama. Presumo que devia estar cheia de manchas de esperma.
Esses pensamentos me deixavam fodido e revoltado. Deitei, demorei pra caralho
para dormir, mesmo estando cansado, e aproveitei para pensar e fazer uma
reflexão sobre toda situação. Cheguei à conclusão que na verdade, o culpado e
mais errado fui eu que, absurdamente, quis ser um homem duplo familiar,
enganando duas pessoas que diziam que me amavam!
-Que
coisa bárbara e incrível Luiz. Nunca vi isso nem no cinema, nem em novelas de
televisão!
-Providenciei
minha separação com Karla, alegando que tinha meus motivos pessoas, e por
questões de trabalho, ela também não fez nenhuma objeção, nos divorciamos
consensualmente, nada tinha para divisões, e as coisas da casa deixei para ela!
Peguei minhas coisas e fui para um hotel e, com três dias resolvi deixar o
emprego e vir morar aqui em S. Paulo e recomeçar minha vida. Com relação a
Irene eu nem dei satisfação. Nunca mais fui lá, o apartamento alugado era no
seu nome, ela ganhava bem e, com certeza, não teria dificuldades. Eu era jovem,
apenas vinte e oito anos, não seria difícil me refazer, como não foi. Trabalhei
bastante e tenho hoje uma modesta, porém, sólida empresa, que me dá uma
condição de vida relativamente boa!
-Eu
estou completamente assombrado com essa inusitada e trágica história. Não sei
como você, meu amigo já há vinte cinco anos, nunca tocou nesse assunto, nem nessa
parte da sua vida. Agradeço a sua confiança e vi que você mudou da água para um
bom vinho, pela família que construiu aqui com minha comadre Martha, e seus
três lindos adolescentes filhos!
-Eu
hoje Raimundo, aconselho a todos os homens que, se não poderem ser santos, que
também não sejam diabos!
*Escritor,
Historiador, Cronista, Poeta e um dos Membros fundadores da da Academia
Grapiúna de Letras!
Um comentário:
Já dizia minha mãe quem tudo quer tudo perde kkk
Postar um comentário