Antonio Nunes de Souza*
Desde
criança adorava as festas de São João. Morava na roça, não precisava ninguém
fazer fantasias ou roupas especiais, pois, nossas vestimentas já eram de
matutos mesmo, e nós nos sentíamos maravilhosos e elegantes!
Aconteceu
que o dono da fazenda, resolveu me levar para cidade, sua mulher me crismou e,
como afilhada eu iira morar com eles, estudar e se educar. Para mim e toda
família foi uma alegria grande, e eu fiquei louquinha para chegar o dia de ir
para Salvador, imaginando quanto seria feliz!
Tinha
quinze anos, mas, com uma aparência de bem mais, pois era alta e com o corpão
já com formato de mulher. Chegamos, me alojaram num quarto do fundo, adorei ter
um quarto só pra mim. Dia seguinte a empregada veio me acordar para ajudar no
café e os outros afazeres da cozinha, achei ótimo, uma vez que já fazia tudo
isso na roça. Porém, esse trabalho, além de encerar a casa, limpar o jardim,
fazer compras no mercado, etc., o fato é que a noite estava cansada demais,
quando ia para a escola, chegava a cochilar e ser chamada atenção pela
professora. Então resolvi depois de dois anos nessa vida de “afilhada” e se
fodendo de trabalhar, ir cuidar de minha vida, já que conhecia a cdade, sabia
ler mais ou menos, poderia arranjar um emprego que recebesse salário e,
tranquilamente, acertar minha vida. Todos acharam que era uma bobagem o que ia
fazer, mas na verdade estavam putos por perder uma empregada grátis. Me deram
algum dinheiro, que eu com as empregadas da vizinhança, consegui um quarto numa
pensãozinha de terceira, para ir à luta por uma colocação qualquer, tanto que
me garantisse a sobrevivência. Como estava nos dias de São João, uma amiga me
indicou para trabalhar numa barraca com um conhecido dela, que seria de 21 até
30 de junho, e ela pagaria 500 reais. Vibrei de alegria, pois já dava para pagar
um mês do quarto, sem gastar minha reserva que me deram. Aí meus amigos,
começou o meu drama!
A
barraca tinha um movimento incrível, tinha todos os tipos de bebidas e comidas,
e trabalhavam mais duas moças comigo, o dono e o filho, mas, mesmo assim ainda
embolava o atendimento, pelas pressas dos fregueses!
De
tanto servir licores, eu e as meninas passamos a tomar um de vez enquanto para
aguentar o pique até as cinco da manhã!
Exatamente
no dia de São João, um movimento louco e eu me excedi tomando licor e, lá pra
meia noite, comecei a me sentir mal, tonta e enjoada, praticamente não me
aguentando em pé. O dono da barraca puto da vida, mandou que o filho pegasse o
carro e fosse me levar pra casa. Ele um rapaz de uns 18 a 20 anos, pegou-me
pela cintura, fomos para o carro e ele sabia o endereço, pois todo dia ao
amanhecer nos levar em casa. No caminho adormeci, e mesmo quando chegou, nem me
lembro como saí do carro e cheguei no meu quarto. Só seu que acordei
completamente nua, umas gotas de sangue no lençol e uma pequena dor na vagina
que, ao passar a mão senti algo meloso e pegajoso, que logo veio à minha cabeça,
que o desgraçado abusado de mim. Fiquei calada, me fazendo que nada tinha
notado, para poder terminar o serviço e receber meu dinheiro. Ele, cinicamente,
nem olhava pra mim. Terminados os festejos, recebi minha grana e fui procurar
emprego fixo, mesmo que fosse de doméstica. Enquanto nada aparecia, fui me
virando fazendo bicos com faxinas, lavagem de roupas, tc., que mesmo não sendo
certos, sempre dava para minha manutenção. Aí, para minha desgraça, minha
barriga começou crescer e a menstruação desaparecer. Isso me deixou louca,
pois, seria uma tragédia estar grávida de um vagabundo, que depois eu soube,
tinha ido morar em S. Paulo. Fui ao posto médico e confirmei a gravidez, já de
três meses, e para piorar, quando o médico fez a sonografia, viu que eram gêmeos.
Eu quase desmaiei. Um já seria foda, imagine dois!
Resultado:
com o tempo parei de trabalhar, fui despejada do quarto, e com uma barriga
enorme fui morar na rua vivendo de esmolas, pois não tive coragem de voltar
para roça e envergonhar meus pais. Quando senti a dor do parto, uns colegas mendigos
chamaram o SAMU, e eu tive as duas crianças. Saí do hospital depois de oito
dias, voltando a rua que se não fossem os colegas de rua, teria morrido de fome
e meus filhos também. Hoje eles tem 4 anos e moram comigo em uma barraca de
papelão, eu vivo de catar recicláveis nos lixões, e com razão odeio São João,
pois, todo ano relembro a minha desgraça!
*Escritor,
Historiador, Cronista e Poeta!
Um comentário:
Infelizmente acontece sempre isso!
Postar um comentário