Antonio Nunes de Souza*
Pelo
título você tem logo a impressão que, magicamente, transformei meu modesto
cruzeiro, moeda brasileira de anos atrás, em dólares, tornando-me rico e feliz!
Mas, nada disso aconteceu, pois minha desdita foi querer realizar um sonho de
infância de singrar pelo atlântico num transatlântico maravilhoso, com todos os
requintes possíveis, inclusive show ao vivo com cantores internacionais e
mágicos que nos deixam de queixos caídos!
Como
era um sonho e projeto de infância, cuidei, desde que comecei a trabalhar, de
fazer uma poupança exclusivamente para esse fim. Não triscava nessa quantia
para nada. Era uma quantia sagrada e direcionada, exclusivamente, ao meu tão
sonhado cruzeiro!
Sempre
e ainda sou classe média baixa, tendo um emprego que dá para minhas despesas, e
agora com 39 anos, decidi que havia chegado a hora de realizar minha sonhada
viagem! Fui à agência de viagem Bella Tour, conversei com o diretor sr. Luiz
Motta Melo, que me deu alguns descontos especiais, orientações e parcelando as
passagens em até 12 meses. Fechei o negócio e, dentro de 12 dias, estaria eu
embarcando em Ilhéus num navio que, concidentemente, teria a bordo shows com
Roberto Carlos. Gostei, mesmo sabendo que ele repete todo show as mesmas
canções.
Chegou
o dia de embarcar, vi aquele monstruoso navio, cheio de beleza e, com certeza,
mais cheio ainda por dentro de coisas maravilhosas para nos proporcionar
prazer! De chegada, percebi que todos estavam vestidos “chiquérrimos” com roupas
da moda e padrões de alta classe. Eu, com minhas roupas modestas de classe
menos classificada, comecei a não me sentir à vontade. E, para me igualar as
meus parceiros de viagem, fui nas lojas
internas, refazer meu guarda roupa, me adequando as necessidades e igualdade de
apresentação. Calças, camisas, blazers, bermudas, shorts, sandálias, sapatos e
sapatilhas. Com vergonha de mostrar fraqueza, acatei todas as sugestões do
gerente, inclusive comprei até um smoking (nunca me imaginei enfiado em um smoking).
Por ser uma loja internacional, meu pagamento, mesmo em 12 vezes, teve que ser
em dólares. Essa foi a minha primeira transformação financeira, na peregrinação
da realização do meu sonho infantil.
Já
anoitecendo, fui para minha cabine ou camarote, tomei um bom banho, vesti logo
uma das novas roupas e fui para o restaurante jantar. Não estava com fome, pois
a emoção me tirava o apetite, e os gastos de vestuário me deixaram também sem a
mínima disposição, mas, tinha que enfrentar e seguir as normas gerais. Chegando
já me senti mais a vontade, pois já estava com minha aparência igual aos
“riquinhos” colegas de aventura marinha. Sentei-me em uma mesa em um canto
discreto, mas, logo em seguida, três senhores de meia idade vieram sentar e,
com alguns minutos, todos estavam rindo e falando como se fossemos velhos
amigos. Isso me deixou alegre, pois vi que nunca me sentiria solitário e
deslocado. Terminado o jantar, eles pediram um licor, fiz a mesma coisa sem
saber por que, apenas para acompanhar, pois parecia que era um hábito salutar!
Em seguida eles combinaram ir ao cassino e me arrastaram para que visse algo
que nunca tinha visto em minha vida, a não ser no cinema e na TV. Combinou-se
que cada um compraria 500 dólares de fichas e nada mais, a não ser um vinho ou
champanhe, ficando por conta de quem pedisse. Tomei um susto, mas, para não
mostrar fraqueza, comprei com meu outro cartão as fichas combinadas e
encostamos em uma roleta, começando a jogar! Como sempre acontece nos jogos de
azar, você ganha uma vez, perde 4 e, tranquilamente, termina limpo e sem graça,
achando que se divertiu. Uma diversão cara FDP! Fui para o camarote e, mais que
depressa, fazer minhas contas e, somente com as roupas e o cassino, no primeiro
dia já estava com uma prestação de cento e cinquenta dólares, com mais setenta
do pacote do cruzeiros, perfazendo duzentos e vinte dólares mensais. Comecei a
me assustar e com razão, pois meu salário não aguentaria esse pagamento sem que
houvesse bastantes sacrifícios. Mas, como estava fazendo algo que programei em
toda minha vida, procurei esquecer esses detalhes, mesmo importantes, para
melhor desfrutar a viagem. No dia seguinte, me vesti esportivamente com uma
linda bermuda e fui tomar o meu café, não querendo mais me encontrar com os
amigos da noite anterior, pois, pelo visto, eram ricos e eu não tinha “cacife”
para acompanhá-los. Mas, parecendo uma praga, assim que entrei no salão dei de
cara com eles e logo me chamaram para sentar na sua mesa. Nada pude fazer a não
ser obedecer, cheio de medos. Tomamos café e seguimos para uma das piscinas,
sentamos embaixo de um grande sombreiro e ficamos olhando as pessoas já tomando
banho, acompanhados de instrutoras e instrutores da companhia, que davam assistência
e ajuda. As mulheres e mocinhas com micros biquínis sem se incomodarem de estar
deixando à mostra suas bundas, seus pelinhos pubianos e os “bombados” seios!
Essa visão era interessante, sexy e alegre para todos. Caímos dois na água fria
e gostos e, na saída, já tinha uma champanha na mesa com as quatro taças para
nosso deleite. Eu, com meu espírito e alma de pobre, só fazia as contas do que
teria que me arrombar para pagar depois. Já comecei a achar que foi o sonho
mais sacana que eu poderia ter tido na infância. Bebemos e comemos uns
salgadinhos especiais, batemos um papo legal, mas sem entramos nas profissões
ou status de ninguém, apenas conversas divertidas e sobre as férias que
estávamos passando. Veio a conta, cada um passou o seu cartão com suas partes
iguais e fomos para nossos aposentos. Eu, logo que chego, vou imediatamente
fazer as contas e pensar como vou fazer para pagar essa merda desse sonho!
A
essa altura, tinha que honrar o meu desejo e, ao mesmo tempo, não fraquejar
perante meus novos amigos, dizendo que eu era pobre, pobre, pobre, dê marré del
si! De agora em diante seja o que Deus quiser! A noite não fui jantar pra nada
gastar, mas, ironicamente, eles foram em meu camarote me buscar para irmos
novamente ao cassino. Fiquei sem jeito, mas, tomei coragem e imaginei que
poderia até dar sorte e forrar o que tinha perdido. Mas, foi pior a tragédia.
Perdi os trezentos iniciamos e, teimosamente, comprei mais duzentos dólares.
Jogando e com medo, aí é que o diabo gosta e lhe enche de azar. E foi o que
aconteceu: saí duro, endividado e cheio de arrependimentos! Tornei a fazer as
contas na chegada ao quarto e vi que a merda já estava feita. Minha prestação
já era maior que meu salário. Porém, disse para mim mesmo: vou segurar essa
barra nem que tenha que fazer uma loucura! Daí pra frente, não deixei de fazer
mais nada com meus amigos, as contas sempre substanciais e meus cartões somente
absorvendo, sem saber que, futuramente, eles teriam problemas!
Quando
chegamos de volta passando por Ilhéus, me despedi de todos e, sem procurar ver
amigos ou parentes, fui para casa fazer minhas desastradas contas e ver que o
meu sonho foi transformado em um grande pesadelo. Resultado: com minha humilde
e modesta situação, estou pagando uma prestação mensal de mil e duzentos
dólares, alguns cartões pagando o mínimo e o filho da puta que me chamar para
passear de navio, imediatamente, mando pra a puta que pariu! Vi o show de
Roberto Carlos e hoje quando ouço ele cantar “EMOÇÕES”, me lembro da viagem e
as lágrimas correm no meu rosto!
Foi
assim que transformei o meu cruzeiro em dólares!
*Escritor
– Membro da Academia Grapiúna de Letras – AGRAL – antoniodaagral26@hotmail.com
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