segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Meu cruzeiro virou dólares!

Antonio Nunes de Souza*

Pelo título você tem logo a impressão que, magicamente, transformei meu modesto cruzeiro, moeda brasileira de anos atrás, em dólares, tornando-me rico e feliz! Mas, nada disso aconteceu, pois minha desdita foi querer realizar um sonho de infância de singrar pelo atlântico num transatlântico maravilhoso, com todos os requintes possíveis, inclusive show ao vivo com cantores internacionais e mágicos que nos deixam de queixos caídos!
Como era um sonho e projeto de infância, cuidei, desde que comecei a trabalhar, de fazer uma poupança exclusivamente para esse fim. Não triscava nessa quantia para nada. Era uma quantia sagrada e direcionada, exclusivamente, ao meu tão sonhado cruzeiro!
Sempre e ainda sou classe média baixa, tendo um emprego que dá para minhas despesas, e agora com 39 anos, decidi que havia chegado a hora de realizar minha sonhada viagem! Fui à agência de viagem Bella Tour, conversei com o diretor sr. Luiz Motta Melo, que me deu alguns descontos especiais, orientações e parcelando as passagens em até 12 meses. Fechei o negócio e, dentro de 12 dias, estaria eu embarcando em Ilhéus num navio que, concidentemente, teria a bordo shows com Roberto Carlos. Gostei, mesmo sabendo que ele repete todo show as mesmas canções.
Chegou o dia de embarcar, vi aquele monstruoso navio, cheio de beleza e, com certeza, mais cheio ainda por dentro de coisas maravilhosas para nos proporcionar prazer! De chegada, percebi que todos estavam vestidos “chiquérrimos” com roupas da moda e padrões de alta classe. Eu, com minhas roupas modestas de classe menos classificada, comecei a não me sentir à vontade. E, para me igualar as meus parceiros de viagem, fui  nas lojas internas, refazer meu guarda roupa, me adequando as necessidades e igualdade de apresentação. Calças, camisas, blazers, bermudas, shorts, sandálias, sapatos e sapatilhas. Com vergonha de mostrar fraqueza, acatei todas as sugestões do gerente, inclusive comprei até um smoking (nunca me imaginei enfiado em um smoking). Por ser uma loja internacional, meu pagamento, mesmo em 12 vezes, teve que ser em dólares. Essa foi a minha primeira transformação financeira, na peregrinação da realização do meu sonho infantil.
Já anoitecendo, fui para minha cabine ou camarote, tomei um bom banho, vesti logo uma das novas roupas e fui para o restaurante jantar. Não estava com fome, pois a emoção me tirava o apetite, e os gastos de vestuário me deixaram também sem a mínima disposição, mas, tinha que enfrentar e seguir as normas gerais. Chegando já me senti mais a vontade, pois já estava com minha aparência igual aos “riquinhos” colegas de aventura marinha. Sentei-me em uma mesa em um canto discreto, mas, logo em seguida, três senhores de meia idade vieram sentar e, com alguns minutos, todos estavam rindo e falando como se fossemos velhos amigos. Isso me deixou alegre, pois vi que nunca me sentiria solitário e deslocado. Terminado o jantar, eles pediram um licor, fiz a mesma coisa sem saber por que, apenas para acompanhar, pois parecia que era um hábito salutar! Em seguida eles combinaram ir ao cassino e me arrastaram para que visse algo que nunca tinha visto em minha vida, a não ser no cinema e na TV. Combinou-se que cada um compraria 500 dólares de fichas e nada mais, a não ser um vinho ou champanhe, ficando por conta de quem pedisse. Tomei um susto, mas, para não mostrar fraqueza, comprei com meu outro cartão as fichas combinadas e encostamos em uma roleta, começando a jogar! Como sempre acontece nos jogos de azar, você ganha uma vez, perde 4 e, tranquilamente, termina limpo e sem graça, achando que se divertiu. Uma diversão cara FDP! Fui para o camarote e, mais que depressa, fazer minhas contas e, somente com as roupas e o cassino, no primeiro dia já estava com uma prestação de cento e cinquenta dólares, com mais setenta do pacote do cruzeiros, perfazendo duzentos e vinte dólares mensais. Comecei a me assustar e com razão, pois meu salário não aguentaria esse pagamento sem que houvesse bastantes sacrifícios. Mas, como estava fazendo algo que programei em toda minha vida, procurei esquecer esses detalhes, mesmo importantes, para melhor desfrutar a viagem. No dia seguinte, me vesti esportivamente com uma linda bermuda e fui tomar o meu café, não querendo mais me encontrar com os amigos da noite anterior, pois, pelo visto, eram ricos e eu não tinha “cacife” para acompanhá-los. Mas, parecendo uma praga, assim que entrei no salão dei de cara com eles e logo me chamaram para sentar na sua mesa. Nada pude fazer a não ser obedecer, cheio de medos. Tomamos café e seguimos para uma das piscinas, sentamos embaixo de um grande sombreiro e ficamos olhando as pessoas já tomando banho, acompanhados de instrutoras e instrutores da companhia, que davam assistência e ajuda. As mulheres e mocinhas com micros biquínis sem se incomodarem de estar deixando à mostra suas bundas, seus pelinhos pubianos e os “bombados” seios! Essa visão era interessante, sexy e alegre para todos. Caímos dois na água fria e gostos e, na saída, já tinha uma champanha na mesa com as quatro taças para nosso deleite. Eu, com meu espírito e alma de pobre, só fazia as contas do que teria que me arrombar para pagar depois. Já comecei a achar que foi o sonho mais sacana que eu poderia ter tido na infância. Bebemos e comemos uns salgadinhos especiais, batemos um papo legal, mas sem entramos nas profissões ou status de ninguém, apenas conversas divertidas e sobre as férias que estávamos passando. Veio a conta, cada um passou o seu cartão com suas partes iguais e fomos para nossos aposentos. Eu, logo que chego, vou imediatamente fazer as contas e pensar como vou fazer para pagar essa merda desse sonho!
A essa altura, tinha que honrar o meu desejo e, ao mesmo tempo, não fraquejar perante meus novos amigos, dizendo que eu era pobre, pobre, pobre, dê marré del si! De agora em diante seja o que Deus quiser! A noite não fui jantar pra nada gastar, mas, ironicamente, eles foram em meu camarote me buscar para irmos novamente ao cassino. Fiquei sem jeito, mas, tomei coragem e imaginei que poderia até dar sorte e forrar o que tinha perdido. Mas, foi pior a tragédia. Perdi os trezentos iniciamos e, teimosamente, comprei mais duzentos dólares. Jogando e com medo, aí é que o diabo gosta e lhe enche de azar. E foi o que aconteceu: saí duro, endividado e cheio de arrependimentos! Tornei a fazer as contas na chegada ao quarto e vi que a merda já estava feita. Minha prestação já era maior que meu salário. Porém, disse para mim mesmo: vou segurar essa barra nem que tenha que fazer uma loucura! Daí pra frente, não deixei de fazer mais nada com meus amigos, as contas sempre substanciais e meus cartões somente absorvendo, sem saber que, futuramente, eles teriam problemas!
Quando chegamos de volta passando por Ilhéus, me despedi de todos e, sem procurar ver amigos ou parentes, fui para casa fazer minhas desastradas contas e ver que o meu sonho foi transformado em um grande pesadelo. Resultado: com minha humilde e modesta situação, estou pagando uma prestação mensal de mil e duzentos dólares, alguns cartões pagando o mínimo e o filho da puta que me chamar para passear de navio, imediatamente, mando pra a puta que pariu! Vi o show de Roberto Carlos e hoje quando ouço ele cantar “EMOÇÕES”, me lembro da viagem e as lágrimas correm no meu rosto!      
Foi assim que transformei o meu cruzeiro em dólares!
*Escritor – Membro da Academia Grapiúna de Letras – AGRAL – antoniodaagral26@hotmail.com

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