Antonio Nunes de Souza*
Cedo
na porta da igreja de N. S. da Conceição, com sua bermuda, bata rendada e tênis
brancos, um boné para enfrentar o sol que já começava a despontar fortemente,
estava Hiltinho, completamente preparado para, como faz, religiosamente,
acompanhar a Lavagem do Bonfim!
Para
rebater a noitada no Pelô, no ensaio do Olodum, ter saído no cu madruga e
dormido pouco, resolveu logo tomar uma geladinha cerveja, pois, segundo os
festeiros inveterados, nada melhor que um gole de cevada para estabilizar um
corpo saído de uma farra. E Hilton não é diferente! Segue as regras e
versículos da Bíblia dos devotos baianos!
Antes,
ele como muitas outras pessoas, acompanhavam encima de um trios, mas,
atualmente, o Departamento de Turismo (bahiatursa) proibiu os grandes e pesados
caminhões com seus sons fortíssimos, para tirar a conotação carnavalesca do
evento. Houve protesto, mas, terminaram entrando em um consenso, pois, os
políticos, espertos como sempre, preferem ver o povo a pé na caminhada,
inclusive aos seus lados, para, posteriormente, passarem seus vídeos dizendo
que uma multidão o apoiava, conforme as imagens demonstravam. Sempre uns
grandes filhos das putas aproveitadores!
Começaram
a chegar milhares de baianas, integrantes dos Filhos de Gandi, Ilê e outros
blocos afros ou não, multidões de devotos radicais com seus terços fazendo
orações e, o grupo que mais interessava a Hiltinho: Mulheres bonitas, quer sejam
turistas, quer sejam as nativas. O importante era que fossem gostosas,
fascinantes, alegres e receptivas!
Depois
daquela arrumação desarrumada, saiu o cortejo em caminhada, acompanhado de uma
centena de carroças enfeitadas, muitas servindo de taxis para turistas e
devotos mais cansados. Como a caminhada é, relativamente, longa, pelo caminho,
mesmo sem sentir ou querendo mesmo sentir, ele ia tomando uns capetas e caipiroscas,
intermediando as gostosas cervejas geladas como cu de foca. Ao chegar a ladeira
que antecede a igreja, já estava molhado de suor, pernas meio doloridas, cabeça
com certas tormentas em função dos aperitivos ao longo do caminho, mas, ao ver
o adro da igreja, as baianos bafejando todos com suas águas e perfumes, se
refez tão bruscamente, que nem parecia aquela figura de momentos atrás. Banhado,
benzido, rezado e abençoado por uma centenária baiana de Cachoeira, foi logo
para cima e, como todos, começou a cantar o hino do Senhor do Bonfim, tocado
pelas bandas das forças armadas!
Terminada
essa parte, seguiu para uma grande barraca, onde o coro comia num samba de roda
para ninguém botar defeito, com um conjunto e sambistas de Santo Amaro que,
além do ritmo contagiante, os grandes requebrados de bundas e trejeitos
corporais, enfeitiçava qualquer vivente! Hiltinho, como não é de ferro, entrou
na roda dando seu recado, cheio de pecados, se esfregava aproveitando os
apertadinhos do improvisado salão. Se armou com uma turista gaúcha, levou para
seu apartamento, transou a noite toda, acordando na manhã seguinte ao meio dia
e, curiosamente, nem viu sua parceira sair e ir para o seu hotel. Apenas,
encima da mesa havia um bilhete dizendo: “Foi ótimo! Beijos e obrigado!”
Tomou um
bom banho, se refez e disse pra si mesmo: “Sou um grande devoto do Senhor do
Bonfim e nunca perca a lavagem. Deus está vendo essa minha religiosidade!”
Grande
sacana esse cara! Vai fazer farra, dançar, beber, curtir e transar e, com a
maior cara de pau, se diz um verdadeiro cristão! Mas, imagino eu, que Deus lá
de cima está vendo que tudo isso, faz parte da nossa Bahia de Todos os Santos e
de todos os pecados!
*Escritor
– Membro da Academia Grapiúna de Letras – AGRAL – antoniodaagral26@hotmail.com
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