sábado, 16 de janeiro de 2016

Dei sorte para vencer!

Antonio Nunes de Souza*

Nunca fui chegado a estudos. Terminei o segundo grau aos trancos e barrancos, enfrentando uma série de empregos sem futuros, mas, como sempre gostei de música, desde os meus doze anos que dedilho meu velho violão e fazendo umas musiquinhas chochas e simples, que cantava nos colégios, eventos e, mais tarde, nos barzinhos da cidade. Com o tempo melhorei muito minha qualidade poética e instrumental!
Mas, com 20 anos, pensei que pudesse viver de música e deixei meu último emprego como auxiliar de escritório, ficando somente cantando na vida noturna (as vezes diurnas), recebendo uma merreca por quatro horas de audição, ninguém prestando atenção, muito barulho, pedidos de músicas horrorosas, etc., para receber um cachê ridículo de sessenta reais, que muitas vezes, não tinha nenhum movimento e o dono do bar me dava apenas vinte reais e eu voltava para casa, puto e sem a modesta grana que esperava!
Como não sou idiota, comecei a estudar e bisbilhotar o movimento musical das religiões, percebendo, tranquilamente, que fazendo algumas músicas, sempre colocando no centro e âmago o nome do Senhor, a aceitação e os sucessos eram garantidos, pelas divulgações que eram dadas pelos cristãos e as mídias patrocinadas pelas igrejas, ou através das emissoras de rádios e TVs pertencentes a elas. E se o cara fosse bonito então, o sucesso era garantido! E foi aí que me salvei quando, já com umas dez músicas bem trabalhadas, em nome de Jesus, e do Senhor seu pai, é claro, modesta a parte sou muito bonito. Coloquei uma roupa bacana e discreta ao mesmo tempo, e fui a procura do Bispo que era responsável pela área musical das igrejas, arrecadação de direitos autorais e, sem dificuldade, lhe programar para apresentações em programas especiais e nos eventos mais badalados! Esse era, verdadeiramente, o “cara”!
Chegando lá, fui bem recebido, ele me pediu um CD com as músicas pra que ele pudesse ouvir, fez algumas perguntas, anotou meus dados e endereço, ficando de me dar uma posição dentro de cinco dias. Notei que ele gostou de mim, pois minha elegância e charme normalmente chamava a atenção e, eu sabendo disso, fazia minhas “caras e bocas”, me aproveitando para abrir portas e fazer conquistas femininas! Dizem que, quando Deus quer, ninguém consegue mudar, pois, passados apenas dois dias, Bispo Hélio Benjattori já me ligava pedindo minha presença. Na maior alegria, parti para a instituição musical e, lá chegando, fui recebido com toda atenção pela equipe técnica de som, que, aquela altura, tinha autorização para me programar para uma apresentação quatro dias depois, com dois dos grandes astros da paróquia, lançando duas das músicas do meu CD, que eles acharam sensacionais as letras e os fortes e divinos refrãos! Fomos imediatamente para os ensaios, tudo de mais moderno e de ponta a minha disposição, além de um professor de canto, um maestro e músicos de qualidade. Para ganhar dinheiro eles sabem trabalhar com o melhor existente para impressionar os incautos. O fato é que fiz minha estreia, fazendo um grande sucesso, pois já saíram da igreja cantando um refrão de uma das minhas músicas: “Jesus não está na cruz, não, não, não, Ele está, em meu coração!”
Isso tudo se passou há oito anos, hoje mesmo estou embarcando para a Europa com vários outros cantores, de religiões diferentes, pois, como o negócio é fazer parcerias e dividir o bolo, você pode ver uma mistura de todos os seguimentos! Na verdade dei sorte para vencer, mas, fui atrás, trabalhei e não fiquei esperando acontecer, repetindo que tudo está difícil!
Não precisa que eu diga que estou bem de vida, tranquilidade financeira, abençoado por Deus e bonito por natureza, como diz meu colega e amigo Jorge Benjor!
Nunca mais estive com o Bispo Hélio Benjattori. Quando o vi pela primeira vez imaginei logo: “Esse velhinho elegante e charmoso deve ter comigo uma porrada de beatas!”
*Escritor – Membro da Academia Grapiúna de Letras – AGRAL – antoniodaagral26@hotmail.com


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