segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Ele veio me contar (quatro)

Antonio Nunes de Souza*

Pacientemente fiquei a espera de um novo contato com vovô, mas, na verdade, sabia que demoraria, pelo menos duas semanas para dar tempo a sua ida ao Purgatório, fazer seu “Seminário de Adaptação”, tomar também conhecimento se ficaria de quarentena, ou não, purgando alguns dos seus maiores pecados!

Entretanto, como sempre ocorria, bastou eu acabar de almoçar e me deitar no sofá para ver o jornal Hoje, com dez minutos, chega meu avô, com um ar agoniado, porém com sua tranquilidade habitual nos gestos e olhos. Sentou-se ao meu lado e foi logo dizendo:
-A coisa está ficando cada vez mais difícil. Minhas economias alimentícias já acabaram, está meio barra conseguir uma boa quantidade das que vem de contrabando do Paraguai, pois tem uns figurões lá que arrematam tudo. E hóstias no câmbio negro lá é mesmo que dólar e muito acima do preço oficial!
-Fui ao Purgatório e pude ver que lá você chora e a mãe não vê. Tem um tal de um Desembargador Moro (parece que é o pai ou avô do juiz do Paraná), que, depois de examinar a sua ficha de vida terráquea, despacha imediatamente, a sentença que lhe compete e, sem delongas, ou direito a entrar com defesas, você vai cumprir o determinado e, se reclamar, a pena é dobrada automaticamente!

-E comigo, foi a seguinte minha condenação: Passar uma semana no Inferno, sem regalias, acompanhado juntamente com um importante diabo que atende pelo nome de Malvadeza, todos os métodos e lugares onde os maiores pecadores cumprem suas sinas e pagam os grandes pecados cometidos. Pelo apelido desse homem você pode ver que não é flor que se cheire!
Meu Diabo guia chamou duas “capetaxis” (motos que atendem no inferno), montamos na garupa e os diabinhos socaram o pé na velocidade, quase voando por entre as fogueiras e pequenos vulcões que alimentam de fogo os ambientes do inferno. Só não me caguei de medo, porque fantasmas não cagam, senão teria me borrado todo. Mas, Malvadeza ia sorrindo e se divertindo com minha cara assustada. Primeiro paramos em uma série de lareiras quase em brasa, todas cheias de gente gemendo. Ele me disse: Esses são pequenos castigos para pecadores de terceira categoria que, por bondade de Satanás, depois de um ano nesse modesto sofrimento, voltarão para o purgatório, cumprirão algumas peninhas complementares e, se tudo correr bem, irão para o céu.
-Imaginei logo as merdas que iria ver adiante! E isso com um calor filho da puta sem poder dizer nada!
Seguimos nos ‘capetaxis” até chegarmos a umas enormes piscinas de aço inoxidáveis, cheias de azeite quente até a boca, e dentro abarrotadas de gente, gritando e pedindo perdão, alguns dizendo que estavam arrependidos, outros dizendo que foi acidente, etc., o fato era que era uma cena monstruosa, terrível e, Malvadeza ainda mandou fazer umas ondas no óleo para “refrescar” as cabeças dos judiados! Juro que me deu vontade de vomitar com tamanha barbaridade, porém, imagino as desgraças que aqueles caras fizeram para estarem naquela situação. Os vivos perversos e criminosos, ruins e egoístas que se cuidem! E esses eram apenas os de segunda categoria, fiquei imaginando o que acontece com os de primeira categoria!
Continuando a nossa rota, paramos numa planície que, ao longe, toda amarelinha, me pareceu um quadro de Van Gogh, mas ao chegar perto vi que era simplesmente fogo que saía da terra de meio a meio metro, com labaredas de dois metros de altura e, nos diversos cercados de 200 metros quadrados, com mil homens cada um, sendo queimados e assados como se fossem aqueles frangos vendidos nas padarias. Em outros cercados estavam cheio de pecadores estupradores e xenófobos que, centenas de “Diabogays” enfiavam nas bundas deles os tridentes em brasa, se vingando das discriminações e perversidades que sofreram na terra. Esses eram os de primeira categoria e mais ruins durante suas passagens pela terra!

-Depois de ver tudo meu netinho, uma semana de sofrimento somente de ver que, quanta gente que se diz boa na terra terá que enfrentar, voltei para a Central Infernal, me despedi de Malvadeza agradecendo a gentileza e, mais que depressa, saí pela janela voando direto para o Purgatório, levando embaixo das asas meio chamuscadas o meu “Certificado Satânico” de turismo infernal!
-Voltei para o céu, completamente amofinada e vi que por pouco escapei de sofrer tantas desgraças, que muitas pessoas acham que não existem. Pois, vocês ruins e miseráveis vão ver e sentir o que lhes aguardam depois da morte!
Vou dar um tempo sem aparecer, pois já estou meio manjado no céu, meu anjo da guarda (gente boa) já está me chamando a atenção e, como a minha intenção é vasculhar a vertente espírita, terei que estar bem municiado de hóstias para conseguir meus passes na surdina. Beijos e abraços meu neto querido e espero que tenha lhe tirado uma série de dúvidas, tenha lhe deixado bem informado para você ainda ter tempo para se redimir e chegar no céu com todos os direitos, inclusive receber logo “Minha nuvem, Minha Morte” com quarto e sala, ou até com dois quartos!

*Escritor – Membro da Academia Grapiúna de Letras – AGRAL – antoniodaagral26@hotmail.com



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