terça-feira, 4 de outubro de 2016

Conversa entre amigas!

OBS.: Essa crônica eu escrevi no ano de 2000 e, por incrível que pareça, continua atualíssima! Então... nada melhor que reenviar para meus queridos leitores!!!

Conversa entre amigas!
                                                   Antonio Nunes de Souza*
-Alô!
-Oi! É Vera querida!
-Diga aí, minha filha. Como vai você?
-Tudo bem. Continuo em Salvador batalhando um “trampo” na área, mas, está duro demais!
-Aqui também a barra está pesada. Trabalho na prefeitura e os salários estão sempre atrasados, além de ser uma merreca retada.
-Consegui um quebra galho de dois meses trabalhando na campanha política, mas, não lhe conto à merda que era.
-Me diga querida, pois deve ter sido bem divertido e agitado!
-Divertido não foi não, porém bastante agitado e passei as agruras do inferno.
-Me conte...
-Minha amiga, eu tinha de acordar todos os dias às cinco da manhã, me arrumar e tomar dois buzus para chegar ao comitê às sete horas, me apresentar e receber as instruções para que bairro deveria ir, socada dentro de uma Kombi velha desgraçada, com mais de quinze pessoas dentro, uma esfregação da zorra e o motorista picado pelas ruas, pois ganhava por viagens e queria fazer o mais que pudesse. Eu tremia de medo e no meu furico não passava nem pensamento preocupada com um acidente.
-Pô Amiga! Não foi mole. Verinha você deve ter sofrido bastante, não foi?
-Isso era só o começo mulher! Quando chegávamos ao destino, eles nos entregavam uma bandeira de dois metros e meio, presa em uma vara quase do mesmo tamanho e mandavam-me ficar na esquina sacudindo aquela merda de um lado para o outro, os carros passando raspando a gente e os filhos da puta ainda diziam piadas e sacanagens. Não tínhamos direito de sair do posto determinado para nada. Nem pra fazer xixi, pois não tinha nem lugar para isso. Às vezes quebrávamos o galho em algum barzinho camarada, quando o fiscal do partido dava uma sopa!
-Ainda bem que devia ser um turno só!
-Você tá brincando! A zorra ia até a noite que, quando chegava ao fim da tarde, eu nem mais sentia os ombros e os braços estavam dormentes. Uma fome retada, pois eles traziam um cachorro quente e um suco entre meio dia e uma hora que era o nosso almoço. O que nos alimentava e dava forças era a promessa que se o homem ganhasse todo mundo estaria empregado numa boa. Para quem está na pior, tem que se apegar a qualquer conversa e pedir a Deus que aconteça.
-Também, quando dava a noite, você se picava pra casa e ia descansar legal!
-Ah! Ah! Ah! Você tá brincando comigo minha filha! A noite que era que acontecia a tragédia pior. Pois, no fim do expediente, os descarados dos cabos eleitorais escolhiam as mais bonitinhas e nós tínhamos que sair com os caras para transar. E quem se recusava era despedida na hora sem a menor cerimônia. Era o verdadeiro “ou dá ou desce”! E eu com essa bundinha arrebitada era sempre escolhida quase toda noite, e, depois de passar o dia segurando no mastro da bandeira, tinha de sentar no mastro de um cabo eleitoral e ainda fazer cara que estava feliz. Imagine como eu chegava em casa, quase meia-noite, e tendo que levantar as cinco! Mas, pensando no emprego futuro, me submetia a essa situação toda sem chiar. Para me consolar intimamente eu pensava: tudo pelo social!
-Ka! Ka! Ka! Desculpe estar dando risada querida Vera, mas, embora sacrificante, não deixa de ser engraçada essa aventura.
-Engraçada para você que não passou por esse tormento!
-Espero que agora, depois dessa experiência desgraçada, você possa desfrutar do seu emprego numa boa e compense o sacrifício feito.
-Aí que vem a pior parte! O filho da puta perdeu a eleição, não vão pagar os nossos salários do último mês e não vai ter emprego para ninguém. Nunca mais vou cair em conversa de fazer campanha, a não ser por idealismo e com liberdade de ação.
-E na área da sua formação, não tem aparecido nada?
-Minha filha o povo está tão louco que, paradoxalmente, nem reconhecem que as soluções podem ser contornadas através da psicologia. Eu devia era ter estudado medicina!
-Depois eu lhe conto sobre minha vida. Desligue para não acabar com seu crédito. Bateremos um papo no face book que é mais barato. Lembranças para essa turma legal aí de Castelo Branco.
-Um beijão querida!!!
-Tchau Verinha querida!

*Escritor (Blog Vida Louca – antoniomanteiga.blogspot.com - antoniodaagral26@hotmail.com)


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