domingo, 23 de março de 2025

O ENTERRO DE GUILHERME! (Clique e leia!

 

Antonio Nunes de Souza*

Como diretor comercial da Yamaha Motor Companny Corporation, fui escalado para ir a Nova Yorque resolver uma questão, sobre os novos lançamentos de modelos previstos para o ano seguinte!

Essa reunião de consensos e opiniões dos concessionários era normal anualmente, para que todos pudessem ver os projetos dos novos veículos, e dar suas opiniões!

O jovem Moisés, que é receptivo oficial da empresa há longos anos, me esperava com um carro no aeroporto John Kennedy, e se deslocou levando-me imediatamente para o escritório central da fábrica. Lá chegando, vi que algo estranho estava acontecendo. Perguntei a secretária que me recebia, e ela com lágrimas nos olhos me respondeu: Guilherme foi atropelado e morreu!

Imaginei que seria algum diretor e, prontamente, quis ver se a reunião seria realizada e quem era Guilherme. Aí a secretária me disse que tratava-se de Guiga, como era chamado pelos íntimos, o cãozinho Poodle de Dona Ana Maria (Aninha), mulher do presidente da fábrica, e que ela estava desesperada, assistida por dois médicos (Doutores Marcelo e Clovis), pois, não se conformava com a tragédia ocorrida. Pensei logo com meus botões: Que frescura tola dessa madame socialite!

Imaginei que dentro de uma ou duas horas, a coisa se amainasse e voltasse a normalidade, porém, para minha surpresa, aparece um carro especial de uma mortuária, combinou as determinações dadas pela madame Aninha através da secretária e, prontamente, seguiram para a residência, onde estava o corpo do pobre Guiga!

Fiquei aguardando algum tempo no escritório, até que Dr. Antonio, solicitou que eu o acompanhasse a sua residência, pois, infelizmente, não estava em condições mentais e físicas para tratar de negócios!

Fomos para uma belíssima mansão, completamente enfeitada em sua volta por um lindo gramado e jardins. E, para minha surpresa, numa linda pérgula existente, já estava o caixão de Guilherme, com um cercado fechado em volta e dentro meia dúzia de cadelas da mesma raça, todas no cio, latindo e uivando representando as carpideiras, sentidas e chorosas pela morte do ilustre Alexandre. Essa parte foi um pedido da madame Aninha, que continuava aos prantos em seu quarto. Seis castiçais de prata com enormes velas coloridas e perfumadas em volta, enquanto o querido Guiga, imóvel em seu caixão, jazia enfeitado com angélicas, margaridas e cravos!

Juro que fiquei petrificado com a inusitada cena, que parecia uma das exageradas dos filmes do genial Frederico Fellini.

Não tive alternativa de diante daquela cena dantesca, dar os meus pêsames ao Dr. Antonio, que disse: perdemos um grande amigo e um ente muito querido. Isso dito com bastante sentimento e lágrimas nos olhos!

Novamente pensei com meus botões: Quanta gente morreu com a pandemia, e foi enterrada em caixão de papelão e em cova rasa, e esse cãozinho sacana, recebendo todo esse luxo. Percebe-se que ninguém aprendeu merda nenhuma de humanitarismo durante a epidemia e as quarentenas!

Nisso chega um padre para fazer uma celebração de uma missa, antes da cerimônia final do privilegiado animal. Eu acompanhava toda essa absurda e exagerada dedicação, sem mesmo acreditar no que estava vendo, de tão inusitada que era!

Para completar o mirabolante enterro, começaram a chegar várias madames, sendo que na frente estavam as mais íntimas (Diquinha e Glorinha), trazendo em seus braços seus adorados cachorrinhos, todos com laços de fita preta em volta dos pescoços. E para completar o quadro irreverente e inconcebível, chegaram dois colunistas sociais (Diogo e Charles), afim de dar cobertura ao fúnebre evento, e o sofrimento da socialite, que fazia parte do rol das dez mais elegantes!  

Dr. Antonio aproximou-se de mim, dizendo que gostaria que eu o acompanhasse até o crematório, para a despedida final do maravilhoso Guilherme!

Sem alternativa, aceitei o convite e fui no seu carro até o crematório, ainda completamente pasmo, com tudo que estava vivenciando naquele momento.

Quando lá chegamos, a madame Aninha já havia chegado e aos prantos, colocaram o pequeno caixão no elevador, ouvia-se choros dos empregados da residência (Rosa e Iza), e de algumas das convidadas. Aí foi apertado um botão vermelho, a esteira foi rolando, e em minutos, Guiga foi para o espaço virando um montículo de cinzas.

Para mim tudo aquilo me parecia um sonho, ou melhor dizendo, um pesadelo, de tão inverossímil que parecia!

Com essa tragédia (?), a reunião foi transferida, o gentil receptivo Moisés me levou para o aeroporto, voltei para a Bahia, e chegando aqui contei o ocorrido em detalhes, e até hoje ninguém acredita, pensando que foi “sacanagem” minha, já que sou muito espirituoso e brincalhão!

Que sirva de lição para aqueles que ficam se queixando que levam uma vida de cachorro, pois, muita gente gostaria de ter a vida de cachorro como a do amado e idolatrado Guilherme!

*Escritor, Historiador, Cronista, Poeta e um dos membros fundadores da Academia Grapiúna de Letras!

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