Antonio Nunes de Souza*
Como
diretor comercial da Yamaha Motor Companny Corporation, fui escalado para ir a Nova
Yorque resolver uma questão, sobre os novos lançamentos de modelos previstos
para o ano seguinte!
Essa
reunião de consensos e opiniões dos concessionários era normal anualmente, para
que todos pudessem ver os projetos dos novos veículos, e dar suas opiniões!
O
jovem Moisés, que é receptivo oficial da empresa há longos anos, me esperava
com um carro no aeroporto John Kennedy, e se deslocou levando-me imediatamente
para o escritório central da fábrica. Lá chegando, vi que algo estranho estava
acontecendo. Perguntei a secretária que me recebia, e ela com lágrimas nos
olhos me respondeu: Guilherme foi atropelado e morreu!
Imaginei
que seria algum diretor e, prontamente, quis ver se a reunião seria realizada e
quem era Guilherme. Aí a secretária me disse que tratava-se de Guiga, como era
chamado pelos íntimos, o cãozinho Poodle de Dona Ana Maria (Aninha), mulher do
presidente da fábrica, e que ela estava desesperada, assistida por dois médicos
(Doutores Marcelo e Clovis), pois, não se conformava com a tragédia ocorrida.
Pensei logo com meus botões: Que frescura tola dessa madame socialite!
Imaginei
que dentro de uma ou duas horas, a coisa se amainasse e voltasse a normalidade,
porém, para minha surpresa, aparece um carro especial de uma mortuária,
combinou as determinações dadas pela madame Aninha através da secretária e,
prontamente, seguiram para a residência, onde estava o corpo do pobre Guiga!
Fiquei
aguardando algum tempo no escritório, até que Dr. Antonio, solicitou que eu o
acompanhasse a sua residência, pois, infelizmente, não estava em condições mentais
e físicas para tratar de negócios!
Fomos
para uma belíssima mansão, completamente enfeitada em sua volta por um lindo
gramado e jardins. E, para minha surpresa, numa linda pérgula existente, já
estava o caixão de Guilherme, com um cercado fechado em volta e dentro meia
dúzia de cadelas da mesma raça, todas no cio, latindo e uivando representando
as carpideiras, sentidas e chorosas pela morte do ilustre Alexandre. Essa parte
foi um pedido da madame Aninha, que continuava aos prantos em seu quarto. Seis
castiçais de prata com enormes velas coloridas e perfumadas em volta, enquanto
o querido Guiga, imóvel em seu caixão, jazia enfeitado com angélicas,
margaridas e cravos!
Juro
que fiquei petrificado com a inusitada cena, que parecia uma das exageradas dos
filmes do genial Frederico Fellini.
Não
tive alternativa de diante daquela cena dantesca, dar os meus pêsames ao Dr. Antonio,
que disse: perdemos um grande amigo e um ente muito querido. Isso dito com
bastante sentimento e lágrimas nos olhos!
Novamente
pensei com meus botões: Quanta gente morreu com a pandemia, e foi enterrada em
caixão de papelão e em cova rasa, e esse cãozinho sacana, recebendo todo esse
luxo. Percebe-se que ninguém aprendeu merda nenhuma de humanitarismo durante a
epidemia e as quarentenas!
Nisso
chega um padre para fazer uma celebração de uma missa, antes da cerimônia final
do privilegiado animal. Eu acompanhava toda essa absurda e exagerada dedicação,
sem mesmo acreditar no que estava vendo, de tão inusitada que era!
Para
completar o mirabolante enterro, começaram a chegar várias madames, sendo que
na frente estavam as mais íntimas (Diquinha e Glorinha), trazendo em seus
braços seus adorados cachorrinhos, todos com laços de fita preta em volta dos
pescoços. E para completar o quadro irreverente e inconcebível, chegaram dois
colunistas sociais (Diogo e Charles), afim de dar cobertura ao fúnebre evento,
e o sofrimento da socialite, que fazia parte do rol das dez mais elegantes!
Dr.
Antonio aproximou-se de mim, dizendo que gostaria que eu o acompanhasse até o
crematório, para a despedida final do maravilhoso Guilherme!
Sem
alternativa, aceitei o convite e fui no seu carro até o crematório, ainda
completamente pasmo, com tudo que estava vivenciando naquele momento.
Quando
lá chegamos, a madame Aninha já havia chegado e aos prantos, colocaram o
pequeno caixão no elevador, ouvia-se choros dos empregados da residência (Rosa
e Iza), e de algumas das convidadas. Aí foi apertado um botão vermelho, a
esteira foi rolando, e em minutos, Guiga foi para o espaço virando um montículo
de cinzas.
Para
mim tudo aquilo me parecia um sonho, ou melhor dizendo, um pesadelo, de tão
inverossímil que parecia!
Com
essa tragédia (?), a reunião foi transferida, o gentil receptivo Moisés me
levou para o aeroporto, voltei para a Bahia, e chegando aqui contei o ocorrido
em detalhes, e até hoje ninguém acredita, pensando que foi “sacanagem” minha,
já que sou muito espirituoso e brincalhão!
Que
sirva de lição para aqueles que ficam se queixando que levam uma vida de cachorro,
pois, muita gente gostaria de ter a vida de cachorro como a do amado e
idolatrado Guilherme!
*Escritor,
Historiador, Cronista, Poeta e um dos membros fundadores da Academia Grapiúna
de Letras!
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