Antonio Nunes de Souza*
Se
existem coisas inacreditáveis nessa louca vida que vivemos, uma delas é a que
passo a contar, através de uma crônica leve um fato inesperado que,
fantasticamente, mudou a vida de Hélio, que tinha o apelido interessante de
“trem”. Fiquei curioso com a razão do apelido, pois, ele era bem apessoado e
simpático, e me informaram que assim o tratavam, pois, mesmo morando no morro,
pobre e sem sorte, já com 20 anos, jamais deixou de andar na “linha”. Achei
genial a inteligência de quem colocou esse justo apelido, que cabia como uma
luva!
Hélio
trabalhava como aquele cara que “faz tudo” que aparece, de coisas honestas e
dentro das leis, como: ajudante de pedreiro, carregador, compras para famílias,
levar e buscar meninos nas escolas escola, ajudante de feirante, etc.
E,
com essas atividades, cobria suas despesas e estudava a noite, conseguindo
fazer um curso secundário com qualificação, já que se esforçava em tudo que
desejava, ou fazia nas profissões que, esporadicamente, exercia. Esse era seu
comportamento desde que chegou de Pernambuco, num “pau de arara”, sozinho e sem
família, com apenas 14 anos!
Um
belo dia, sr. Almeida, dono da única casa lotérica do morro, vendo que ele era
um rapaz que desejava subir na vida e bastante correto, o convidou para que ele
fosse vender bilhetes da Loteria federal nas ruas, que além de ser um trabalho
mais qualificado, a comissão lhe daria um rendimento bem melhor que os
trabalhos que fazia, pois, havia dias que nada aparecia, e ele tinha até ter
dificuldade para sua alimentação. Depois de meditar e ser convencido por
Almeida, que estava querendo ajuda-lo, resolveu aceitar, ficando acordado que
ganharia 10% recebendo no fim do dia na hora da prestação de contas. Almeida
foi incisivo quando disse para ele, que teria que se apresentar duas horas
antes da corrida e, caso não fizesse, teria que pagar e ter que bancar os
bilhetes que estavam sobre sua responsabilidade. Essa parte foi bem ressaltada,
pois, não haveria perdão no prejuízo. Mesmo com certo medo, aceitou, já que
Almeida disse que seu vendedor anterior ganhava bem e não tinha o gabarito que
ele tinha.
O
fato é que Hélio melhorou de vida, mudou-se para um quarto numa pensão, passou
a fazer cursinho para vestibular e ter seus namoros com várias moças, já que
circulava por toda periferia e algumas outras áreas urbanas. Até aí tudo eram
flores, mas, um dia daqueles que os azares aparecem, umas horas depois que estava
circulando para suas vendas, veio uma moto em velocidade e o atropelou, fazendo
com que desmaiasse. Chamaram o SAMU, pegaram sua pasta e foi levado para o
hospital. Como tinha sofrido alguns arranhões, porém, nada grave, deram-lhe uns
sedativos, o colocaram no soro e deixaram que ele dormisse e descansasse para
depois lhe dar alta.
Foi
quando aconteceu o trágico da coisa, pois, quando ele acordou, já tinha passado
da hora da prestação de contas e, pagar os bilhetes daquele dia iria consumir
todas suas pequenas economias para pagar as despesas mensais. Pegou seu
celular, tinha umas 3 chamadas de Almeida, então ligou para o patrão dizendo o
acontecido. Almeida lamentou, mas, foi enfático ao dizer que, infelizmente, ele
teria que pagar os bilhetes levados, pois, a corrida seria dentro de uns dez
minutos. Hélio não contestou, deixou para acertar um parcelamento, em função
dele ser um vendedor exemplar, e foi um acidente de percurso que ocasionou sua
falha!
Para
finalizar a história inusitada, um dos bilhetes que estava em sua mão inteiro
ainda, deu no primeiro prêmio, e Hélio ganhou R$ 650.000,00 (seiscentos e
cinquenta mil reais). Pagou a Almeida os bilhetes, mudou-se para um quitinete
na cidade, aplicou o seu dinheiro, continuou seus estudos, e hoje é um
professor com mestrado e sempre vai na lotérica de Almeida para visita-lo, e
agradecer a oportunidade dada. Procurou muito o motoqueiro que lhe atropelou
para presenteá-lo e agradecer a ironia do destino, mas, nunca conseguiu
encontrar!
Se
formos analisar religiosamente esse fato, os iludidos cristãos dirão que: “Foi
coisa de Deus, que escreve certo por linhas tortas”. Mas, se o bilhete não
fosse premiado, e Hélio ficasse aleijado, eles diriam: “Foi obra do Satanás.”
Para tudo eles tem uma justificativa, pois, são uns conformados e subservientes
aos superados dogmas celestiais!
*Escritor,
Historiador, Cronista, Poeta e um dos membros fundadores da Academia Grapiúna
da Letras!
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