Antonio Nunes de Souza*
Ainda em
plena puberdade, levado pela influência dos meus colegas, resolvi ir à casa de
uma velha cigana aposentada, que não mais fazia seus passeios errantes pelo
mundo a fora, estabelecendo-se em nossa cidade e vivendo de ler mãos, jogar
cartas, pretensiosas curas de doenças e vícios e, principalmente, fazer fluir
paixões fervorosas para os feios solitários. A sociedade censurava o seu
trabalho, chamavam-na de embusteira, mentirosa, etc., mas, em surdina, todo
mundo, eventualmente, a procurava para consultas, acreditando piamente em suas
premonições e conselhos!
E comigo não
seria diferente. Se a turma vai, lógico que eu terminaria indo também!
Fui
acompanhado por meus amigos Caetano e Chico, pois ambos já tinha ido umas duas
vezes e disseram-me que tudo que ela falou tinha dado certo, inclusive uma dica
sobre uma loura que Chico paquerava a distância, sem coragem de encostar e,
pelas recomendações e instruções dela, Chico se deu bem, chegando até a via dos
fatos, que era um tanto difícil naquela época!
Fiquei meio
tímido, entrei na sala de visitas, eles ficaram sentados no sofá, enquanto ela,
com suas roupas coloridas, lenço estampado na cabeça, dezenas de colares e
pulseiras e uma saia rodada que não tinha mais tamanho, entrou na sala dando
boa tarde e perguntou:
-Quem será
o primeiro?
Caetano por
ser o mais bem falante, respondeu: Nós viemos trazer o Toninho para ele fazer
uma consulta e essa é sua primeira vez!
-Tudo bem
meu filho. Você coloca aí sobre a mesa a quantia de dez mil reis (a moeda da
época era cruzeiro, mas ela ainda usava o antigo nome de reis, como aliás muita
gente hoje ainda faz)!
-Rapaz, era
dinheiro pra zorra! Pois, equivalia as minhas quatro semanadas, que eu vinha
economizando para tal fim! Mas, como a curiosidade era maior, tirei do bolso
algumas machucadas notas e uma porção de moedas, e fui colocando e contando em
voz alta, enquanto ela, com seus grandes olhos, acompanhava minha contagem, com
um pequeno sorriso de grande satisfação no rosto!
Pegou na
minha gelada mão e levou-me para uma outra sala, toda forrada de seda negra
como se fosse um circo, onde havia uma mesa redonda no centro e várias cadeiras
Ela mandou
que eu sentasse, começou a acender as velas e uma varinha de incenso, depois
sentou-se em frente a mim, sempre olhando firmemente nos meus olhos!
Como era de
se esperar, falou um montão de coisas generalizadas, mas, o que realmente me
intrigou e chamou a atenção, foi ela ter mencionado que, com quarenta e cinco
anos, eu iria sofrer um acidente de trânsito, que poderia me deixar com grandes
sequelas. Juro que, naquele momento, meu coração bateu forte e me veio uma
preocupação na mente, começando a dar um suadouro desgraçado nas mãos e um arrependimento retado de ter gasto meu dinheiro, para ouvir
uma merda daquela!
Ela alertou
para que eu tivesse muito cuidado, pois, embora já estivesse traçado o meu
destino, talvez pudesse um dia, por uma razão divina, acontecer uma mudança!
Agradeci e
saí da sala indo de encontro aos meus amigos, que esperavam ansiosos. Nos
despedimos da cigana Valquíria (esse era o seu nome), e eles começaram logo a
fazer perguntas:
-Como foi?
Tudo bem? Ela acertou tudo?
-Calma caras!
Não vou falar zorra nenhuma. Vou primeiro meditar direitinho sobre as coisas
que ela me disse, principalmente uma delas, e depois converso com calma com
vocês. Apenas digo que ela falou que eu vou ser muito rico!
-Que
sacanagem cara! Nunca houve segredos entre a gente! Falou Chico que era o mais
curioso!
Eles se
despediram meio chateados pelo meu silêncio, e eu segui para casa bastante
pensativo, com relação a merda do acidente que ela citou. Mesmo faltando muitos
anos, claro que iria me preocupar até a data!
Toda essa
lembrança veio em minha mente, simplesmente porque quando a cigana me falou que
eu sofreria o desastre de trânsito, e que seria um homem muito rico, imaginei
que, provavelmente, como seria muito rico, e numa das minhas viagens dirigindo
uma linda Ferrari amarela, indo para minha casa de praia em Malibu, por
qualquer razão, talvez pela velocidade, eu caísse em algum buraco da pista e
acontecesse o tal previsto acidente!
Mas, por
ironia do destino, completei quarenta e cinco anos três meses atrás, sou um
humilde camelô que nunca conseguiu abrir um negócio e, para completar, fui
atropelado em cima do passeio, por um velho caminhão do lixo!
Veja a
desgraça: Pobre, hospitalizado numa enfermaria com mais cinco, perdi dois dedos
da mão e fraturei a perna direita (que ficou mais curta que a outra), e ainda
vítima de um veículo da limpeza pública!
A tal Cigana
mentirosa filha da puta, apenas acertou a parte mais triste. E até hoje
continuo pobre e ainda andando capengando com a ajuda de uma bengala!
Se eu um dia
encontrar essa cigana desgraçada, vou lhe dar um bocado de porrada!
*Escritor, Historiador,
Cronista e Poeta!
Nenhum comentário:
Postar um comentário