sexta-feira, 26 de maio de 2023

A VOLTA DA VELHA SENHORA! (CLIQUE E LEIA)

 

Antonio Nunes de Souza*

Eu nasci e morei uma parte da minha vida numa pequena cidade do interior, mais atrasada que noiva na hora do casamento. Tecnologia quando chegava por lá já estava obsoleta. Basta dizer que no dia da instalação do primeiro orelhão telefônico, teve até banda de música e discurso do prefeito. E, para a decepção da multidão aglomerada na praça da Matriz, na hora de fazer a ligação inaugural, o desgraçado ficou mudo porque esqueceram de trazer fichas, e ainda desabou uma forte chuva, dispersando a boquiaberta e orgulhosa platéia, que há dias vinha se vangloriando de estar entrando na era da comunicação!

Televisão, nem pensar! Nos conformávamos com nossos rádios, que estrondavam descargas quando queríamos ouvir as emissoras da capital, e apitavam mais do que os guardas da Av. Paulista na hora do rush, quando ousávamos coloca-los em ondas curtas!

Não existia luxo. Todo mundo andava de sandália japonesa (hoje a famosa havaiana) ou então tamancos e chinelos! Sapatos e roupas melhores, tirando as autoridades, só usava-se nas festividades da padroeira, N. S. dos Aflitos (até a santa de lá parece que foi escolhida a dedo). Nas noites do novenário as quermesses rolavam soltas e os namoros também, através de uma brincadeira chamada “telegrama do amor”. Os mais tímidos compravam um formulário na barraca da paróquia, mandavam mensagens para as pessoas que lhes interessavam, e aguardavam as respostas. Essa maneira pura e ingênua até que funcionava. Ninguém imaginava que um dia iam inventar o celular!

O bom é que todo mundo era praticamente igual. Tinha que se fazer um nivelamento por baixo, pois, a pobreza era a grande maioria. Isso proporcionava uma intimidade geral, facilitando tudo pra todos. O preconceito era raro, uma vez que quase todos tinham alguma ramificação de parentesco. Se não era sanguíneo, era através de batizados, crismas e uniões matrimoniais!

A maior desvantagem para as mulheres era que tinha, pelo menos, dez para cada homem. Tornando-se uma disputa ferrenha por qualquer pé de chinelo. Não que lá só nascia criança do sexo feminino, a razão era que a cidade tinha e não oferecia condições de trabalho, os rapazes quando completavam maior idade, geralmente se mandavam para S. Paulo ou Rio, buscando um futuro nos maiores centros!

Normalmente só ficavam aqueles que as famílias tinham alguma condição econômica, quer seja na área do pequeno comércio, faixas de terras com plantações de subsistência, ou algumas vacas leiteiras, além dos empregados públicos!

Se alguém me perguntasse qual era a fonte de renda daquele lugar, juro que não teria uma resposta para dar! Pois, nem mulher rendeira existia por lá. Com certeza, só ganhou o status de cidade, em função de interesses políticos de um deputado da região, que lá aparecia somente nas épocas das eleições e, com esse beneficio, transformou o lugar em seu curral eleitoral. Na cidade só se votava em Dr. Raul e nos candidatos que ele indicava!

Eu, com 16 anos fui morar com uns parentes distantes no Rio de Janeiro, onde trabalhava de doméstica para pagar a hospedagem e a noite estudava, pois, minha intenção era algum dia me formar. E, graças a Deus, consegui meu intento fazendo o curso de direito!

Somente hoje, dezenas de anos depois, após conhecer e conviver em outros centros, posso avaliar com segurança a condição paupérrima que imperava em minha cidade. Se na procissão você lá do fundo gritasse: Oh poooobre!  Pode ter certeza que todo mundo virava pra atender!

Carros só existiam quatro: Um do padre (padre não tem salário, não ganha nada, mas sempre mora bem, tem prestígio e leva uma vida boa, igual a pastores), um do juiz, um do médico e outro da prefeitura. Tirando o da prefeitura, que era uma Kombi, dois eram fusquinhas velhos e comprados de segunda mão, e o outro um Opala branco cheio de pontos de ferrugens, parecendo que foi confeccionado pelas bordadeiras do Ceará. Não levei em consideração a caçamba velha de seu Edinho do caminhão, que além de carro do lixo, era utilizado em todo tipo de transporte pesado e mudanças na cidade!

Por não contarmos com uma rádio local, tínhamos um serviço de autofalantes, com algumas cornetas em diversos postes, tocando músicas e fazendo propagandas das poucas casas comerciais, oferecendo coisas para trocas e vendas, anunciando aniversários, funerais e, principalmente, fazendo ofertas de músicas que os rapazes e moças dedicavam aos seus paqueras. Mas, sem citar nomes. Eram sempre usadas frases como: “Alô, Alô alguém que estava ontem com a saia azul e a blusa roxa (que combinação desgraçada), com muito amor, alguém que estava de chapéu preto lhe oferece essa linda canção, na voz melodiosa de Nelson Gonçalves. Aí o locutor colocava no pick-up o 78 rotações que era o sucesso do momento: “Boneca de Trapo”. Ou então era alguém que havia terminado o namoro e oferecia a sua ex (na esperança de voltar): “Meu mundo caiu” na voz de Maíza Matarazzo. Porém, mesmo com as omissões de nomes, todos sabiam de quem se tratava, pois, a distração maior da cidade era comentar a vida dos outros. Lá, até os cofres não tinham segredo, pois, os próprios donos saiam contando!

Embora não mais tivesse parentes morando lá, uma vez que meus pais eram oriundos de outro estado e apareceram naquele fim de mundo por uma razão que até hoje desconheço, e também não tive irmãos, atacou-me uma enorme nostalgia, resolvendo voltar para rever o lugar que passei minha infância e parte da minha puberdade!

Como hoje sou viúva, chamei o meu filho Jorge, que tem 21 anos, para me fazer companhia e ir dirigindo o carro! Marcamos nossa partida para dois dias depois!

Nesse momento, vendo a paisagem através da janela do carro, estou rememorando todos esses fatos que marcaram muito a minha vida, pensando no impacto do meu encontro com a velha cidade, meus antigos amigos e colegas de escola, bastante ávida para saber o que o destino traçou para eles e para a pequena cidade em que vivem! Mergulhada nesse gostoso devaneio, terminei adormecendo profundamente!

-Mamãe, acorde!  Estamos chegando em Raulândia!

Ao abrir os olhos, vislumbrei ao longe a torre da Matriz, e não nego que meu coração acelerou descompassado, prevendo a emoção do meu reencontro com o passado!

As sensações e surpresas vividas nos dois dias que lá passei são inenarráveis. Me senti a menina de tranças de outrora, sorrindo sozinha com tudo que via, e os olhos sempre lacrimejando motivados pelos encontros com as pessoas e a velha arquitetura, mais destruída que preservada!

Estamos no caminho de volta, onde faço uma reflexão de como é importante voltarmos eventualmente a nossa terra, rever os velhos amigos, acompanhar a evolução da cidade e rememorar a doçura da infância. Creio que quem isso nunca fez, está perdendo a grande oportunidade de revitalizar sua alma enchendo-a de felicidade!

                                                                  *Escritor-Historiador e poeta!

                                                                                                                      

 

 

 

 

2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente Antônio, até eu voltei só passado onde senti uma leve melancolia de um tempo que me marcou tanto, mas que não volta mais.

Anônimo disse...

Excelente Antônio, até eu voltei só passado onde senti uma leve melancolia de um tempo que me marcou tanto, mas que não volta mais.