Antonio Nunes de Souza*
As coisas acontecem, geralmente, quando menos esperamos. Principalmente as que ocorrem em um brusco instante, mudando completamente a sua vida!
E foi exatamente o que ocorreu comigo há doze anos: Eu sou filho de uma pobre mulher, que vendia feijoada nas cercanias do porto de Santos que, num dos desembarques de navios estrangeiros, teve um rápido romance com um marinheiro irlandês, que foi embora, me deixando em sua barriga como uma recordação. Ela passou maus bocados por ter vacilado, sendo sozinha, grávida e tendo que cozinhar, empurrar o carrinho e ainda passar o dia em pé atendendo os clientes. Vê-se logo foi uma barra da zorra até meu nascimento que, muitas vezes, ela pensou em fazer um aborto e, por sorte, escapei e aqui estou. O fato é que quando nasci, lourinho com os olhos azuis, a velha ficou na maior alegria e eu passei a ser o seu maior troféu!
Fui crescendo, as coisas sempre eram mais fáceis para mim, pois, nesse país sacana que diz que não tem preconceito, mas, é uma puta mentira e eu já percebia claramente desde a infância, pois, meus amiguinhos pretos e mulatos do lugar que morávamos, ninguém dava bolas, mas, comigo, todos eram gentis, me davam merendas, presentes e outras coisas mais. Até na escola era eu uma criança especial!
Já rapaz, terminei meu curso secundário numa escola pública, me preparando para fazer o demoníaco vestibular para medicina. Não nego que estudava pra cacete, para conseguir passar em uma faculdade federal, uma vez que não tínhamos condições de pagar uma particular!
Um dia eu vinha na minha velha bicicleta, comprada com minhas graninhas dos biscates que fazia, e apareceu um carro, subiu o passeio, bateu em minha bike e me jogou a uns metros adiante. Com a grande porrada eu desmaiei e, quando voltei a si, estava num hospital, tomando soro e um médico e uma moça ao lado da minha cama. Quis levantar, mas, as dores no corpo não deixaram, então o médico disse: Eu sou Adalmir Teodorico Pacheco de Farias, diretor presidente desse hospital e, numa fatalidade, minha filha o atropelou em função de um pneu do carro ter estourado. Estou pronto a cobrir todas as suas despesas, lhe dar uma bicicleta nova e ajuda-lo no possível para recompensar a sua gentileza de perdoar minha filha, que é essa que está nervosa ao nosso lado! Olhei para ambos espantado e, mediante a educação, atenções e assistência, não pude deixar de dizer que se eu não ficasse com sequelas, estaria tudo bem. Ele falou que não houve nenhuma fratura, apenas, a pancada da queda e uns pequenos arranhões. Isso me deixou tranquilo, perguntei a hora e pedi um celular para poder ligar para minha mãe que, aquela altura, deveria estar preocupada com a minha demora de voltar. Isso foi as 10 horas e já era 16 horas. Falei com ela, expliquei que estava tudo bem e que mais tarde eu voltaria e que ela ficasse tranquila!
Martha Beatriz a filha de Dr. Adalmir. Se apresentou e me pediu desculpas, que imediatamente falei que essas coisas acontecem, etc., e começamos a conversar e fiquei sabendo que ela iria fazer vestibular na mesma data que eu, rimos pela coincidência, ela depois se despediu dando-me o número do seu celular e eu deu do meu, que por sorte havia deixado em caso por esquecimento quando saí, combinamos estudarmos juntos para enfrentar o exame!
O fato é que Dr. Adalmir me levou a noite para casa, conheceu minha mãe que, logicamente, estava preocupada, mas, ao me ver, viu que nada demais havia ocorrido. Ele anotou nosso endereço e meu nome completo, se despediu deixando seu cartão, dizendo que qualquer coisa poderíamos ligar!
No dia seguinte, antes de meio dia chega um carro do Magazine Luiza para me entregar uma bike linda top de linha. Porra mermão! Eu vibrei e pensei: Que atropelo maravilhoso meu Deus. Minha bicicleta era um ferro velho da zorra e agora estou, literalmente, bem montado!
Resolvi no dia seguinte telefonar para Martha Beatriz, para agradecer o presente de compensação, e ela disse que a tarde iria fazer umas pesquisas na biblioteca, e se eu queria ir com ela, já que nosso interesse era igual e os assuntos eram ligados ao programa do vestibular! Claro que aceitei na hora, fui ajeitar minha calça Jean, minha melhor camisa, limpei meu tênis meio surrado e fiquei no aguardo. As 14 horas ela chegou com uma amiga chamada Iva. Entrei no carro e seguimos, saltamos, entramos, estudamos, elas ficaram espantada com meus conhecimentos, pois, sempre estudei pra caralho, pensando em me formar e sair da miséria da pobreza. Mediante a confirmação de que eu poderia ser útil e como nos interagimos e nos entrosamos numa boa, combinamos que, todas as tardes Martha Beatriz viria me pegar para estudarmos os três juntos. Eu, sinceramente, não me sentia a vontade, pois, elas eram chiques, se vestiam lindamente, bonitas, carro novíssimo, perfumadas, etc., e eu fodido, com umas roupinhas fuleiras, tendo apenas uma carinha linda, olhos invejáveis e um corpo magro pela pouca alimentação, porém, bem malhado de tanto andar a pé ou de bicicleta. Mas, curiosamente, elas que eram da minha idade (dezoito anos) e ricas, não demonstravam nenhuma bobagem, ao contrário, sempre que iam me buscar, eu via estampados em seus rostos a satisfação de me verem. O fato é que com esse vai e vem diário, ternei começando um namoro com Martha Beatriz, que vim a saber que o Hospital que fui atendido era do seu pai Dr. Adalmir e que ele desejava que ela fosse médica para dar continuidade a sua grande obra, um hospital com quatrocentos leitos, com equipamentos de primeira linha, fazendo até transplante de órgãos! Cheguei a me assuntar quando ele me disse isso. Porém, nada alterou o nosso namorico até o dia do vestibular que, gloriosamente, passamos e foi a maior alegria de minha mãe que chorou bastante de felicidade, o pai de Martha fez uma festa para comemorar, Martha me deu de presente duas calças e duas camisas, além de um tênis Adidas, com meias cinto e as porras todas. Fiquei meio escabreado, mas, ela beijando-me disse que para eles nada significava e que eu foi alguém especial que pintou em sua vida. Eu só pude dizer que ela é que era especialíssima que Deus me mandou!
Resultado: Nos formamos, casamos, fomos trabalhar no hospital, fizemos várias especializações, Dr. Adalmir reduziu suas atividades, viúvo, foi morar com uma sua secretária bonita e exímia no preparo de iguarias, e hoje eu e Martha é que dirigimos o hospital e somos bastante felizes, com nossos dois filhos. Ah! Ia me esquecendo, nossa amiga Iva é chefe do nosso departamento cirúrgico e madrinha do nosso filho mais velho Rommel. O caçula se chama Luiz!
Essa é uma prova que, muitas vezes, acontece uma tragédia, para que as coisas melhores. Porém, eu aconselho a ter cuidado ao passear de bicicleta, pois, você pode ser atropelado por um canalha, que lhe deixa todo quebrado e se manda sem dar socorro!
*Escritor- Historiador- Membro da Academia Grapiúna de Letras-AGRAL-antoniodaagral26@hotmail.com-antoniomanteiga.blogspot.com
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