Antonio Nunes de Souza*
Morava numa cidade de interior, mais atrasada que
noiva no casamento. Basta dizer que no dia da instalação do primeiro e único
orelhão existente, teve banda e discurso do prefeito. E, para a decepção da
multidão na praça, na hora da inaugural, o desgraçado ficou mudo e desabou uma
forte chuva dispersando a orgulhosa plateia, que vinha feliz de entrar na era
da comunicação; Televisão, nem pensar. Nos conformávamos com nossos rádios, que
davam descargas quando ouvíamos as rádios da capital, e apitavam mais que os
guardas da Av. Paulista na hora do rush, quando colocados em ondas curtas. Não
existia luxo. Todo mundo andava de sandália japonesa (hoje a famosa havaiana)
ou então chinelos. Sapatos e roupas melhores, tirando as autoridades, só
usávamos nas festividades da padroeira, N. S. dos Aflitos (a santa de lá parece
que foi escolhida a dedo)! Nas noites do novenário, haviam quermesses e namoros
também!
Todo eram praticamente iguais. O nivelamento era por
baixo, pois a pobreza era maioria, facilitando a coisa pra todo mundo!
A maior vantagem era que tinha, pelo menos, dez
mulheres para cada homem. Não que só nascia criança do sexo feminino. A razão
dessa fartura era porque a cidade não tinha e não oferecia condições de
trabalho, os rapazes quando completavam dezoito anos, se mandavam para S.
Paulo, em busca de um futuro melhor. Só ficavam aqueles que a família tinha
alguma condição econômica, quer seja na área do pequeno comércio ou micro
faixas de terras com plantações de subsistência e algumas vaquinhas leiteiras!
Se me perguntassem qual era a fonte de renda
daquele lugar, juro que não teria resposta para dar. Pois, nem mulher rendeira
existia por lá. Só ganhou o status de cidade, em função de interesses políticos
de um deputado da região, que lá aparecia somente nas épocas de eleições e, com
esse beneficio, transformou o lugar em seu curral eleitoral!
Somente hoje, após conhecer outros centros, posso
avaliar a miséria que era minha cidade. Se na procissão você lá do fundo
gritasse: Oh pobre! Com certeza todo
mundo virava pra trás!
Carros só existiam cinco: Um do padre (padre
sempre mora bem, tem prestígio e leva uma vida boa), um do juiz e outro da
prefeitura. Tirando o da prefeitura, que era uma Kombi, os outros eram dois fuscas
velhos e comprados de segunda mão!
Quando saí de lá, senti uma alegria, pois, tanto
rezei, que Deus me deu uma força, e me mandei pelo mundo, procurando melhorar
minha vida. Embora sendo tabaréu, fiquei numa pensão barata matutando o que deveria
fazer para meu sustento! Passando pelas ruas, percebi que haviam dezenas de
pessoas com tabelas na frente e nas costas, entregando panfletos com
propagandas de Videntes e Adivinhos. Achei engraçado e não imaginei que o povo
das cidades grandes, ainda acreditavam nesses marreteiros e cartomantes, que
tiravam onda de “ciganos”, fazendo premonições. Aí veio a ideia de montar
também minha tenda milagrosa em um quarto da pensão, e começar a faturar, pois,
curiosamente, tinha aprendido a lidar com Tarô. E com minhas pequenas
economias, comprei uma imitação de bola de cristal, alguns apetrechos, dois
castiçais, mandei fazer meus santinhos e, eu mesmo, fui distribuir nas ruas, e
saber a média de preço cobrado pelos meus “colegas”!
Por incrível que pareça, quando voltei da rua
bastante cansado, já tinha duas mulheres me aguardando para consulta. Tomei um
tremendo susto, não imaginando que o povo fosse tão idiota! Mas...entrei no meu
quarto, que era vizinho ao que aluguei para escritório de atendimento, me vesti
decentemente e voltei rápido para atender minhas consulentes. Conversamos,
disse-lhes uma serie de bobagens que normalmente estão acontecendo com todo
mundo, ouvi “estórias”, dei conselhos, etc., enfim, saíram satisfeitas, ficaram
de me recomendar e, maravilhosamente, me pagaram 100 reais. Achei o dinheiro
mais roubado do mundo, e como é fácil enganar esse povo desiludido!
Continuei minha labuta, já contratei um menino
filho da dona da pensão para distribuir meus panfletos, e mais que depressa,
passei a atender quatro ou cinco criaturas diariamente (homens e mulheres), e
assim fazendo meu pé de meia tranquilamente! Passei a fazer economias, e,
tranquilamente, com um ano eu já estava de carro, aluguei mais um quarto
vizinho, contratei uma secretária e fui ampliando minhas atividades, já estando
até sendo Membro da Associação Paulista de Videntes e Quiromancias. O fato é
que, com alguns anos, tornei-me um homem relativamente rico, com apartamento
próprio, salas adquiridas em prédios comerciais de gabarito e uma casa nos
arredores para atendimentos, já que os subúrbios são as fontes abundantes desse
meu público alvo. Raramente vem uma madame, pois elas tem seus gurus de
prestígio na sociedade!
Resolvi contar a minha história verídica, para
mostrar que, o povo é tão inocente e tem pouca escolaridade, que a literatura
brasileira taxada como as mais vendidas no mundo, tratam abundantemente de auto/ajudas
e fantasias!
Já estou atendendo apenas dois dias na semana,
mais por pena daqueles querem ouvir tolices, que para ganhar dinheiro. Muitas
vezes até deixo de cobrar, quando percebo a condição e classe social de algumas
pessoas. Tem uma rádio que me paga muito bem para eu fazer horóscopos para eles
transmitir diariamente! Invento tudo, dou risadas e envio. Eles ficam ultra
satisfeitos, os ouvintes tornam-se meus novos clientes, e hoje tenho a
credibilidade reconhecida como: Professor José Antonio!
É dessa maneira que no Brasil, nascem Pastores e
Bispos milionários, Mitos, políticos, presidentes e ditadores golpistas! Todos
lastreados em mentiras e enganações!
*Escritor, Historiador, Cronista e Poeta!
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