Antonio Nunes de Souza*
Finalmente
realizei o meu sonho, depois de andar de bicicleta por mais de dez anos,
economizando transporte coletivo, deixando de tomar umas biritas e sem ir aos
forrós e pagodes, comprei meu primeiro carro!
Sem querer
exagerar, não consegui dormir durante toda noite pensando na minha caranga e,
ao mesmo tempo, quase que de meia em meia hora, ia olhar pela greta da janela
se o carro realmente estava na porta. Sabe como é hoje em dia, não podemos
facilitar com os ladrões. E isso me deixava intranquilo!
Era um
Chevette vermelho, ano 1997, chaparia precisando de alguns retoques (o primo da
minha mulher é chapista e já tinha prometido consertar), parte elétrica toda em
cima, somente o farol esquerdo que não estava acendendo, e o arranque algumas
vezes falhava e precisava de um tombinho para pegar. Quanto aos pneus, os
dianteiros estavam meia vida, os traseiros semi-carecas. O socorro, por azar,
foi roubado juntamente com o macaco e a chave de rodas. A pintura geral estava
meio fosca, porém, me programei para dar uma lavagem em regra e o maior grau
com uma pasta apropriada. Mas, em compensação, o triângulo é novinho em folha. Fora
essas bobagens ele está uma jóia. O dono da loja, seu Jorge Bombinha me deu
todas as garantias, que eu estava fazendo um bom negócio!
Acordei na
manhã do sábado, depois de ter apenas dado algumas cochiladas, e as 6:30 horas
já estava com o balde e a flanela na mão, preparando-me para uma lavagem geral.
Meus três filhos, que também estavam elétricos, corriam em volta de mim,
olhando com orgulho aquela enorme máquina, que representava nossa melhoria de
status perante a vizinhança! Não via a hora do pessoal acordar, e ver meu carro
lavadinho e estacionado no terreno baldio em frente da casa, pois sabia que
todos viriam perguntar se era realmente meu, e quanto tinha custado. Claro que
eu ia aumentar um pouco o preço que paguei, para valorizar meu precioso
patrimônio. Suado pra cacete, terminei a lavagem, fui tomar um banho com os
meninos e, imediatamente, peguei a patroa para darmos nosso primeiro passeio
pela cidade!
Mas, bastou
sair do bairro Jaçanã, quando entramos na Av. Manoel Chaves tinha um grupo de
policiais fazendo uma blitz. Mandaram que eu encostasse e apresentasse minha
habilitação e os documentos do carro. Eu, tranquilamente, peguei tudo e
entreguei ao guarda. Aí começou toda merda: O IPVA tinha quatro anos de
vencido, minha habilitação dizia que eu só podia dirigir usando óculos e eu
estava sem, e o extintor de incêndio estava vazio. Problemas bastante para que
o guarda dissesse que eu seria multado, o carro apreendido e, sendo fim de
semana, que eu poderia ir na segunda-feira ao DETRAN para regularizar minha
situação e a do carro!
Mesmo
tentando sensibilizar os guardas nada consegui, e comprovei mais uma vez, que
pobre não ajuda pobre nessas horas, pois, se fosse um rico ele nem mandaria
parar o carro, quanto mais ter a ousadia de prender e multar. Imagine você que
eu ainda sou preto para completar a desgraça. Nessas horas eu nem quero que
filho da puta nenhum se refira a mim como “afro-descendente”. Sou negão,
suburbano, pobre e excluído, vivendo debaixo de um preconceito que tentam cinicamente
disfarçar!
Peguei a
família e voltamos para casa de ônibus, tristes imaginando a vergonha que
passaríamos com a vizinhança.
Infelizmente,
esse foi meu sonho que virou pesadelo. Mas, estou com esperanças, que esse novo
governo melhore a vida dos excluídos do nosso país!
*Escritor,
historiador, Cronista e Poeta!
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