sexta-feira, 27 de maio de 2022

VADE RETRO SATANÁS!

 

Antonio Nunes de Souza*

Atraído pelos modismos e os sucessos que estavam e estão estourando, Padre George Paccini, homem bem apessoado, descendência estrangeira, católico nem tanto fervoroso, mas, atendendo um pedido da sua querida mãe, em função de uma promessa, foi colocado em um seminário desde pequeno, ficando preso a religião por mais de uma dezena de anos, somente saindo após sua ordenação. Citei esse fato para que vocês saibam como ele chegou a ser padre e, que na verdade, não foi vocacional e nem seu desejo!

Então, como já disse acima, resolveu também fazer parte da galera religiosa “cantante”, pois, além de desfrutar o sucesso, ganharia uma boa grana e sairia da rotina de missas, batizados, casamentos, etc., pensava pois, nas procissões, ele já se via como um grande e famoso cantor, seguido por aquela multidão para abraça-lo e pedir autógrafos!

E, para começar a fixar seus planos, entrou para uma escola de canto (tinha alguma experiência de quando cantava nos corais gregorianos) e, ao mesmo tempo, aprender a manejar bem uma guitarra, pois, violão ele já dominava desde sua juventude. Com essa atitude, seguindo com afinco diariamente, com quatro meses já se sentia apto a começar suas apresentações, de início em sua paróquia e, posteriormente, viajar pelo Brasil, acompanhando a onda celestial e católica que estava dominando o mercado, batendo de testa com os adventistas sertanejos e mestres no canto gospel!

Em Salvador onde morava, mandou fazer umas roupas adequadas um tanto vistosas, mas, discretas ao mesmo tempo, cortou o cabelo, fazendo um penteado da moda, procurou uma produtora para lança-lo e, sentindo-se pronto, depois de ter investido suas economias com instrumentos e apetrechos necessários, começou a ensaiar sua primeira apresentação na Concha Acústica, graças aos esforços e conhecimentos da produtora, que viu nele, um bom quinhão financeiro, uma vez que o cara era bonito, voz boa, carisma e padre. Um prato cheio para alimentar o carente e carinhoso povo, que cantando e dançando, pensa que alcançarão o céu mais depressa!

Muita propaganda, outdoor, cartazes, TVs, rádios, carros volantes, faixas, internet, etc., tudo isso investido pela produtora que, astutamente, fez um contrato de 50% das rendas durante 5 anos. Padre George, na avidez do sucesso, nem se prendeu a regatear e assinou tranquilamente. Com sua inteligência e versatilidade, criou uma série de músicas com letras baseadas nas escrituras, ritmo-as para rock pesado estilo a banda Sepultura, algumas roupas exóticas para trocar durante os espetáculos e, sem mais nem menos, achava-se super preparado para enfrentar a sua nova carreira, porém, sem abandonar sua profissão de padre, pois essa lhe abriria muitas portas, principalmente entre os devotos mais fervorosos e chegados a músicas alucinantes!

Chegou o dia da sua estreia, a concha enchendo com o povo curioso e feliz de conhecer esse novo fenômeno religioso, mandado por Deus, para purificar e apascentar suas ovelhas. Vinte uma horas em ponto, como previsto, entra no palco ultra iluminado de holofotes coloridos, tendo ao fundo um imenso telão apresentando passagens da Bíblia, entra um locutor anunciando: Com vocês, temos o orgulho de apresentar, nosso Elvis celestial do Brasil, enviado por Deus: Padre GEORGE PACCINI!

Pode parecer exagero da minha parte, mas, a concha veio a baixo quando ele começou a cantar a sua composição, feita e criada para tal fim: “Madalena foi mulher de Jesus”. Em seguida entrou com “Judas se vendeu barato”, “Nossa Senhora das Loucuras”, “O Milagre dos prazeres” e foi mandando bala com seu repertório alucinante, o povo pulava, dançava e dava gritos ensurdecedores, esquecendo até da sua condição de padre, um forte coro de tietes, com os braços levantados e dizendo: Padre George, lindo, meu lindo! Ele entusiasmado, parecia endiabrado e possuído, tocava sua guitarra, deitava no chão, fazia mil e umas caras e bocas, olhando feliz o seu desejo se tornando realidade e grande sucesso. No final, teve que voltar ao palco 3 vezes, inclusive fechando o show com a música de Roberto Carlos em ritmo de pauleira: “Eu te darei o céu meu bem!”

Depois das entrevistas para a imprensa, receber autoridades no camarim, seguiu para jantar com a produção super feliz com o resultado. Em seguida foi para um hotel 5 estrelas, seguindo a recomendação da sua equipe, no sentido de dar maior status na manhã seguinte, pois, com o sucesso alcançado, fatalmente, seria procurado para apresentações em programas como Domingão do Huck, Faustão, Fátima Bernardes, Serginho Groisman, etc.

Entrou no banheiro para tomar um banho rejuvenescedor e, na saída, tomou o maior susto, pois, em sua cama estava uma fã linda que logo lhe disse: Eu me enlouqueci por você, George beija-me!

Ele completamente nu, se esqueceu da sua condição sacerdotal e, sem nem pensar, deitou na cama mandou ver com vontade e desejo contido por muitos anos! Transaram tanto, tanto, tanto que, depois adormeceram, sem ter dado tempo para nosso paroquiano pensar o que estava ou esteve fazendo! Acordou quase meio dia e olhando para o lado, viu que a mulher já tinha ido embora, e aí começou a pensar na zorra que havia acontecido, pois, sinceramente, não fazia parte de sua começada vida artística. Depois veio a saber que tudo foi armação da produção querendo que ele conhecesse o outro lado do mundo artístico. O bom que todos adoram!

Mediante esse surpreendente resultado, pediu férias e licença por 3 meses da sua paróquia, pois, apareceram contratos para várias outras apresentações e era fundamental que estivesse completamente liberado! Começou a viajar por outras capitais, apresentações em TVs, etc., mas, já safadamente, sempre pedia que fosse mandada uma dádiva para seu hotel, sendo guardados todos os segredos possíveis. George já falava calmamente que, essa transada, como dizia Cazuza: Faz parte do meu show!

E assim, hoje ele é sucesso nacional, licenciado por tempo indeterminado da sua paróquia, não deixa a batina, pois sua condição lhe abre portas pela excentricidade católica, além de conservá-lo como um “come quieto”, sem a obrigação de casar. Amanhã, devido nossa velha amizade, vou atender seu convite e vou ao seu show no Castro Alves, com o curioso título: “VADE RETRO SATANÁS!”

*Escritor – Historiador - Membro da Academia Grapiúna de Letras – AGRAL

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