Antonio Nunes de Souza*
Eu, menino criado no interior nos idos de antanho, fazendo todas as coisas hoje condenáveis, consegui, magicamente, sobreviver meus oitenta anos com uma saúde invejável, somente tornando-me um homem cheio de dúvidas com relação ao “modus vivendi” do nosso dito mundo atual!
Uma das que mais me deixa pasmo e confuso é que eu seja um erro genético, conseguido através de um espermatozoide fora do padrão que, com autodefesas miraculosas, enfrentou e enfrenta as maiores adversidades, continuando impecavelmente saudável!
Somente para ilustrar claramente o meu relato de confuso ser humano, se faz mister que cite alguns comportamentos considerados estranhos e absurdos na atualidade, que eu, grotescamente, fazia e continuo fazendo, sem ter a desdita de ser acometido das ferozes doenças da nossa moderna e conceituada atualidade!
Já quando engatinhava no quintal da nossa casa, contava a minha tia, que com muito amor me criou, que minha distração favorita era comer terra. E, por essa razão, ela era obrigada a me policiar constantemente, porém, esse meu lanchinho eu não dispensava nunca as escondidas. Talvez por isso nunca tive lombrigas. Provavelmente, elas não gostavam de arenito. Ao decorrer dos anos passei a ser um moleque forte, robusto que, mesmo com uma educação rígida, sempre vivia solto pelas ruas jogando bola pelas calçadas, e adorava ir para as feiras livres. E, como era um garoto bonitinho, simpático e sobrinho da dona de uma boa loja na cidade, onde os feirantes eram fregueses e me conheciam, ficava olhando as montanhas de frutas no chão com o olhar de desejo e pidão e, facilmente, era agraciado pelo vendedor com alguma já meio passada, que ele descartava. Sem pestanejar, imunda mesmo como ela estava, metia na boca e saia comendo, ou chupando na maior alegria e satisfação. Quando muito, antes de degustar, esfregava na calça na parte da bunda, imunda por sentar-me sempre no chão, considerando que o alimento estava altamente higienizado e apto para consumo. Minha mistura de comestíveis durantes as feiras no cotidiano, era algo maravilhoso e elogiado por todos, como um menino criado com cuidados e atenções especiais!
Não tinha geladeira em minha casa, fui conhecer tal máquina polar, quando eu tinha 12 anos. Quase morro de tanto fazer um negócio que chamavam de “abafa banca” (nunca soube a razão). Não passava de um picolé feito na fôrma de gelo comum. Eu apanhava qualquer coisa e fazia o tal do abafa. Até de farinha com açúcar, ou resto de feijão fradinho amassado com o garfo, que era o nosso liquidificador. Antes desse mágico equipamento chegar em nosso lar, bebíamos água armazenada em um grande pote de barro, cheio direto da torneira, ou da cisterna, que retirávamos através de um caneco de alumínio sempre amarrado por um barbante e colocávamos o líquido no copo. Mas, eu quando não tinha ninguém olhando, bebia era direto no caneco, e o resto devolvia para o pote. Para o almoço colocávamos duas moringas na janela e na sombra, para nos deliciarmos durante a refeição que, normalmente, era um feijão de mocotó de boi, sarapatel, maniçoba, viúva de carneiro, rabada e, curiosamente, muito bacalhau que, naquela época, era considerada comida de pobre, em virtude das milhares de barricas que vinham da Noruega, através dos navios cargueiros. Imaginem vocês que era uma ofensa de desdém dizer: “Aquele é um pobre coitado comedor de bacalhau com farinha!” Com essas comilanças todas, nunca ouvi falar em colesterol. Quanto mais comíamos gorduras éramos tidos como sabedores em se cuidar e ficar cheio de “sustâncias”, como diziam nossos parentes, com o maior orgulho!
Para ser sincero, bebi pouquíssimo e raramente, mas, em compensação, fumei durante 60 anos de minha vida!
Estou vivíssimo, boa saúde, ótima memória, já escrevi 12 livros, continuo escrevendo, fui casado 49 anos com a mesma mulher, que é minha amicíssima, com certeza, provavelmente viverei mais uma penca de anos!
“Eu devo ser a tal da “exceção da regra!”
Escritor – Historiador - Membro da Academia Grapiúna de Letras - AGRAL – antoniodasagral@hotmail.com-
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