Antonio Nunes de Souza*
Dos
nossos valores aparentes, inegavelmente, o que mais impressiona e abre portas
é, seguramente, a beleza física!
Algum
feio sacana, com certeza, deve ter sido o inventor ou criador do popular chavão
que diz:” O que vale é a beleza interior!” Esse palavreado é uma grande balela,
pois, quem gosta de beleza interior é aparelho de Raio X. Praticamente em todas
circunstâncias, com raríssimas e honrosas exceções, a aparência abre todas as
portas para os caminhos da vida, dá andamento a caminhadas longas e férteis,
que dependendo dos esforços que cada um se dedicar para a sustentação ao que
alcançou, e ampliar as condições nas áreas de suas atividades!
Posso
dizer isso de cátedra, pois, sou um homem ainda bonito e, desde a infância,
mesmo tendo nascido de uma família fodídíssima, mãe solteira que engravidou
numa foda eventual com um alemão, marinheiro de um navio de turistas. Ele, que
nunca conheci e ela nem sabia o nome e o chamava de Fritz, que pra nós todo
gringo é John ou Fritz, segundo ela era lindo, branquelo e de olhos azuis. E eu,
com essa mistura genética com a negritude de minha mãe, nasci belíssimo,
feições finas e bem detalhadas, cabelos lisos e negros e, para acabar de me
premiar de exotismo, dois putos olhos azuis, que impressionavam todos que olhavam
para mim. De corpo eu era e ainda sou saradíssimo, pois, sempre gostei de
esporte, e desde o início da vida, tive que dar duro em qualquer serviço,
pesado ou não, para defender o pirão de cada dia. E ainda, desde a infância,
toda vizinhança me dava merendas, comidas, já que eu era o bisqui da comunidade,
até me apelidaram de “beleza pura”, Nome duma música de Caetano lançada na
época!
Mesmo
vivendo numa merda lá no morro, consegui fazer o segundo grau, que me deu
coragem para vir morar e aventurar uma melhoria de vida na cidade, já que minha
mãe acabara de falecer, vítima de uma pneumonia, e nossa família, por incrível
que pareça, era só eu e ela, pois, nunca soube da existência de algum parente.
Peguei meus paninhos de bunda, desci o morro, prometendo nunca mais voltar, nem
como turista!
Como
é natural e normal, começa-se a trabalhar na parte urbana como flanelinha,
lavador de carro, limpador de para-brisa e outras merdas mais, que de moeda em
moeda vai dando para garantir não morrer de fome. A dormida sempre se ajeita
num quartinho miserável e coletivo, ou mesmo embaixo das marquises, retratando
a triste marginalização dos excluídos!
Juntando
uma merreca comprei, umas quatro caixas de chocolates e Drops pra vender nos
semáforos. E foi quando a minha “beleza” começou a me ajudar, pois, sagazmente,
eu me penteava, colocava minha melhor roupinha comprada no Brechó, um óculos
escuro não só pelo sol, mas, como também para dar o golpe de misericórdia na
hora da venda, surpreendendo os compradores, principalmente as compradoras. E
dava certíssimo, pois, eu colocava a cara na janela (não existia tantos
assaltos nem armas, já que Bolsonaro foi quem implantou na sua gestão. Antes
dele podíamos sair tranquilo), oferecia minha mercadoria e quando me olhavam já
achavam uma figura bonita e curiosíssima, aí, espertamente, eu tirava os óculos
e dizia com a cara mais sensual possível: É para me ajudar senhora! Lógico que
a pessoa se assustava com minhas lindas meninas dos olhos como dois pedacinhos
do céu. E sem parar de olhar aquele rosto, totalmente fora dos padrões,
compravam imediatamente, inclusive com um sorriso de quem viu algo
inacreditável. Em muitos casos eu percebia que seguiam olhando pelo retrovisor.
O fato é que passei a vender outras coisas, me vestir melhor, até que um dia,
um cara que eu tinha vendido uma vez, encostou o carro e perguntou se podia
tirar uma foto minha. Eu achei ele um pouco “aviadado”, apenas brincando disse:
se me comprar algo, pode tirar a vontade!
Ele
então disse: Vou ficar com as sombrinhas que você tem em mãos para lhe
recompensar!
Fiquei
numa alegria da porra, pois tinham dez e estava um sol retado, eu aproveitaria
para ir a praia me refrescar. Ele tirou várias fotos,
fiquei desconfiado que ele queria alguma sacanagem comigo, fechei a cara,
porém, quando ele tirou a carteira e me deu a grana, não pude deixar de dar um
belo sorriso com minha dentadura, que mais parece um teclado de marfim de um
piano de cauda!
Fui
fazer o que imaginei, curti minha praia, não me bronzeei porque é impossível,
já que sou negro tonalidade máxima, mas, com o sol e o salitre, minha pele fica
finíssima e aveludada, parecendo que meu corpo é igual a uma nêspera, tudo isso
graças a esse bendito alemão e a minha mãe (que me perdoe), que era chegada a
algumas sacanagens avulsas por prazer e outras financeiramente!
Dia
seguinte, no meu ponto, já conhecido como o ponto de “Beleza Pura”, como passei
a ser chamado desde criança e já estava identificado no pedaço como tal, me
aparece outra vez o mesmo cara, para o carro, eu fechei ligeiramente a cara,
pois, não é meu ramo! Porém, sem frescuras, ele, seriamente, falou: Tenho uma
proposta de trabalho para você. Se lhe interessar, entre no carro e vamos para
meu escritório conversar!
Como
o cara estava bem vestido, excelente aparência, educado, imaginei que estava
lidando com alguém confiável, que na verdade, ele é que deveria ter medo que eu
entrasse em seu carro, já que eu era um estranho urbano. Disse que iria, e
prontamente fomos!
Durante
o caminho ele me fez algumas perguntas, eu ia respondendo evasivamente, sempre
esperando até onde ele queria chegar, até que chegamos a um enorme edifício,
entramos na garagem, ele estacionou e subimos pra o décimo segundo andar!
Ao
chegar vi o grande nome da empresa na entrada: “Fashion Companny ”. Passamos pelos corredores, vários
funcionários e salas, e chegamos a sua, completamente deslumbrante, vi logo que
ele era o chefão da zorra toda, dando-me uma alegria, já imaginando um bom
emprego na limpeza ou como uma espécie de “faz tudo”, que toda empresa sempre
tem. Mas, para minha surpresa, o que ele desejava era que eu fosse manequim
exclusivo da Fashion Companny. Eu tomei um susto retado, e como sempre imaginei
que desfilar era coisa de viado, pensei em pular fora. Mas, quando ele me disse
que me dariam um curso intensivo, para que eu partisse ainda no início do
próximo mês para desfilar em Milão, na Itália, nem mais pensei bobagens, e me
vi sendo aplaudido no meio de milhares de pessoas, e nas passarelas rodeado de
tremendas mulheres. Juro que, se eu não tivesse me controlado, teria batido uma
gloriosa punheta no meu futuro patrão!
Acertadas
todas as coisas, ele ficou como meu agente, assinei contrato, mandou um dos
seus assistentes me colocar num bom hotel, me levar numa loja para comprar um
vestuário compatível com a minha nova atividade, uma moça linda para me ensinar
boas maneiras, corte de cabelo atual e da moda, unhas, massagens, exames
médicos e dentários, além de outras porras mais, que eu me senti o próprio rei
da cocada preta ao vivo, e a minha original cor!
Foi
uma correria da zorra, porém com vinte dias, pelos meus interesses e bons
professores, eu já sabia usar bem os talheres, copos, escolher algumas iguarias
nos cardápios, me vestir com combinações de cores, conversar pouco ou ficar
calado a depender da situação, além das massacrantes aulas de passarela de
quatro horas por dia. Tudo muito cansativo, porém, importantíssimo para meu
sucesso, e também da empresa, que me lançaria como algo sensacional e sem nenhum
concorrente pouco parecido. Até eu, quando me olhava no enorme espelho do quarto,
me dava vontade de “me comer”, me sentindo o próprio Narciso. As mulheres do
escritório da empresa, quando eu vou lá, chegam a suspirar e me enchem de
elogios. Antes da minha primeira viagem à Itália, eu já tinha fodido umas
quatro das mais assanhadas e gostosas, pois, nessa área, todos eram e são super
liberais!
O
importante é que fui infiltrado na moda internacional, graças a minha beleza
exótica e atípica, ainda hoje, dez anos já se passaram, transei com as mais
famosas e belas mulheres rainhas das passarelas, atrizes, socialites, estou
cheio da grana, ainda ganho muito com comerciais!
Eu
sou uma prova viva do que, inteligentemente, dizia o genial Vinicius de Moraes:
Beleza é fundamental!
Portanto,
se cuide, procure estar sempre bonito ou bonita, pois, dependendo da sua
aparência as oportunidades surgem inesperadamente, e oportunidades, somente os
idiotas que não tentam, tem medo de enfrentar e sempre morrem na merda!
*Escritor,
Historiador, Cronista, Poeta e um dos Membros fundadores da Academia Grapiúna
de Letras!
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