Antonio Nunes de Souza*
Depois da separação matrimonial, cuja razão principal foi sua dedicação diária ao vício do álcool, deixou a mulher e os filhos na casa e foi morar juntamente com seu melhor amigo, Duque, numa casinha do subúrbio. Lá ele teria a liberdade de tomar seus porres, e não estaria susceptível as reclamações e censuras constantes da esposa, passando ainda pelo constrangimento dos olhares condenatórios dos filhos!
Artur não tinha emprego fixo. Vivia, desde jovem, fazendo trabalhos gerais de pintura, eletricista, encanador, pedreiro e outras coisas mais e, com o decorrer do tempo, passou a ser um “faz tudo” na pequena cidade que morava, sendo sempre requisitado, quando não estava bêbado, pois, por incrível que pareça, sempre executava os serviços deixando seus clientes satisfeitos. O difícil era encontrá-lo em condições normais depois das 16 horas. Uma vez que, começava a tomar suas biritas logo pela manhã e, no meio da tarde, seu estado deixava de ser confiável, já que a partir dessa hora seguia direto para o bar do velho Carmelo e de lá só saía quando fechava, indo cambaleante para casa onde sempre estava, já dormindo, seu estimado e pacato amigo Duque.
Certo dia, infelizmente, aconteceu a seguinte tragédia:
Sendo dia do seu aniversário, revoltado com a dissolução da sua família e o desprezo dado pela esposa, resolveu não trabalhar e “bebemorar” com mais intensidade, procurando afogar todas as mágoas e esquecer o tempo bom que tinha na sua casa, chegava chapado, a mulher lhe dava um banho morno e ainda preparava um bom prato de comida. E, em algumas vezes, também lhe enchia de carinhos e amores.
Calado, sentou-se num tamborete no fundo do bar e mandou descer uma garrafa de cana, um pratinho de torresmos e começou a tomar suas talagadas sem dó nem piedade, procurando acelerar ao máximo os efeitos, para que fossem logo apagadas da sua memória as doces lembranças do passado.
Depois de algumas garrafas, mesmo com a resistência criada pelo hábito, Artur já estava pra lá de Bagdá e mal conseguia balbuciar algumas palavras. Levantou-se, falou com Carmelo que depois acertava a conta e saiu em direção a sua casa, tão cambaleante como um cego sem bengala!
Ao entrar deparou-se logo com seu amigo Duque, que dormia no sofá da sala. Passou indo direto para a cozinha em busca de algo para comer. Mas, ao olhar as panelas, viu que nada tinha e nem tão pouco dentro da enferrujada geladeira. Irritado e cheio de desgosto, pegou uma faca tipo peixeira, partiu para sala e, sem piedade, deferiu vários golpes no peito do seu grande amigo Duque, que nem teve tempo de esboçar alguma reação. Cortou algumas partes das carnes que ela achava que eram as mais macias e, espetadas na própria faca, acendeu uma boca do fogão e começou a assá-las.
Procedendo como se nada de anormal estivesse acontecendo, colocou as carnes em um prato, adicionou farinha, sal e pimenta e comeu até se fartar. Depois de um bom arroto, sem nem mesmo tirar a roupa do corpo, ou lavar as mãos ainda respingadas de sangue, deitou em sua cama e adormeceu tranqüilamente.
Pobre do seu querido amigo Duque! Era um velho gato que lhe fazia companhia há vários anos, e foi traído e assassinado sem dó nem piedade no meio de uma noite de aniversário!
*Escritor–Membro da Academia Grapiúna de Letras-AGRAL-antoniodaagra26@hotmail.com–antoniomanteiga.blogspot.com
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