Antonio Nunes de Souza*
Era um namoro sério. Ela garota de família, estudante de pedagogia, sempre freqüentou colégios de freiras onde seguia um rígido regime de fiscalizações que, para namorar, era a coisa mais difícil do mundo. E, para começar, aquele inesperado namoro, foi um Deus nos acuda!
Não pense que foi uma iniciativa só dela. Houve também uma forte mão da sua mãe que, vislumbrando um interesse pelo partidão que representava o rapaz, procurou aproximá-los e sempre o elogiava para todos os familiares, como um moço distinto e que daria um bom marido. Já o pai, homem duro e de formação machista a toda prova, sempre batia no peito e dizia que filha dele só seria beijada na boca depois de casada. Fato que ele encarava com a maior seriedade e tinha certeza que assim seria.
Cidade pequena do interior, logicamente todos se conheciam e, dificilmente podia-se fazer algo que logo não fosse de domínio público. E não deu outra!
Certo dia apareceu o boato que havia sido visto um lobisomem pulando o muro da casa do sr. João Pereira. Isso exatamente depois da meia noite, horário preferido por essa estranha criatura. Comentam todos a boca pequena, pois assim como poderia ser um monstro, também poderia tratar-se de algum amante misterioso. Isso em Mutuípe, cidade pequena e provinciana, por ser minha terra eu sei que a vida dos outros é um dos pratos favoritos dos moradores.
Mas, mesmo com as precauções, o passa/repassa: Eu vou lhe dizer, mas não conte pra ninguém não, a coisa acabou caindo no ouvido de João Pereira, que a princípio deu risadas, mas sem deixar transparecer, achou estranho o surgimento daquela conversa e resolveu dar maior atenção ao fato, já que era personagem principal da história.
Passados vários dias, sempre matutando que atitude tomar, resolveu ficar na espreita durante algumas noites para certificar-se quanto de verdade existia naquela conversa. E claro que nada falou para a família.
Um, dois, três dias e nada de anormal aconteceu. Aí ele pensou e resolveu que o quarto seria o último. Em principio achou que poderia ser algum vagabundo namorando a empregada ou, em último caso, o Salomão, namorado da filha, que estava tendo encontros noturnos com sua santa e ingênua filha.
Se for esse canalha ele vai pagar caro pela petulância! Exclamou João Pereira, porem achando no íntimo que seria um exagero e pecado pensar isso da sua bonequinha inocente.
No quarto e programado último dia para finalizar a vigilância, já convicto de que passava de mais um comum boato da cidade, a meia noite e dez ele viu de longe um homem com um capotão colonial com as golas escondendo o rosto e um chapelão de feltro enfiado na cabeça. Ficou observando sem bater os olhos e quase não respirava com medo de fazer algum barulho. A estranha figura olhou para um lado e para o outro e, como um felino, pulou o muro da sua casa e atravessou correndo pelo quintal, onde na penumbra uma silhueta feminina o esperava de braços abertos.
João Pereira pasmo com a cena que via, ficou tremendo de raiva, porém quieto, esperando para confirmar o que iria acontecer. Ali mesmo na varanda, o casal deitou-se e aos beijos e abraços, começaram com o vai/vem que todos já sabem.
João Pereira, roxo de raiva e ódio, sacou o revólver e gritou de longe: Canalha, você vai morrer agora!
O susto e a rapidez com que a mulher saiu debaixo e desapareceu na escuridão, mais pareceu uma mágica circense. Mas, Salomão que era o tal lobisomem, de tão tremulo não conseguiu sair do chão, ficando deitado de bunda pra cima. Segundos depois, ao refazer-se, conseguiu dizer com a voz trêmula: Não me mate pelo amor de Deus!
João, já em pé ao seu lado, revólver engatilhado, espumava mais que cachorro doido, olhando aquela patética e desagradável cena, num segundo de luz, pensou que seria melhor abafar o escândalo e contornar a situação discretamente, gritou para Salomão: Tudo bem seu cachorro, eu não vou matá-lo, porém você vai ter que casar com ela imediatamente.
Não será possível seu João, disse Salomão gaguejando.
Como? Você prefere morrer a casar com ela?
Eu até casaria, seu João, mas a lei não permite.
Nada disso seu verme! Amanhã darei entrada nos papeis e será realizado o matrimônio.
Infelizmente ela já é casada, seu João.
O que é que você está dizendo?
É que eu estava com a sua mulher, seu João.
Ouviram-se três estampidos e João Pereira saiu correndo para dentro de casa gritando: Mulher, desgraçada, prepare-se para ir parar nos quintos dos infernos!
*Escritor (Vida Louca – ansouza_ba@hotmail.com – antoniomanteiga.blogspot.com)
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