sexta-feira, 16 de julho de 2010

Confissões de um espermatozóide!

Confissões de um espermatozóide!
*Antonio Nunes de Souza

Decidi contar minha história para desabafar e dizer a todos que também temos os nossos dissabores na trajetória da vida.
Nasci, como todos os espermatozóides, proveniente da excitação dos homens, tendo como morada o saco escrotal, onde vivo tranqüilamente brincando com meus irmãos, aguardando a oportunidade de ser expelido para cumprir a missão determinada por Deus, de atingir o óvulo, me desenvolver, transformar-me em um feto e dar continuidade na perpetuação da espécie humana.
Lendo-se essa nossa diretriz de vida, parece que além de ser uma maravilha, trata-se de algo tranqüilo e sem nenhum problema. Mas, nós que passamos por diversas etapas, enfrentamos situações bastante desagradáveis e constrangedoras e, muitas vezes, perigosas e suicidas.
Para ilustrar melhor os dissabores que passei, contarei algumas passagens de sofrimento que suei frio e escapei por milagre:
Certa feita estava eu nadando e brincando com a turma, no velho e murcho saco que é minha moradia, quando sentimos sua transformação. Começou a ficar menor, mais redondinho, veias e artérias pronunciadas, que para nós era um aviso que haveria uma relação sexual e nós deveríamos nos preparar para sermos expelidos a caminho da procriação. Nos enfileiramos todos, fizemos aquecimento e abrimos o maior sorriso, cada um na esperança de ser o mais rápido e alcançar o objetivo de se transformar em um novo ser humano.
Logo em seguida começaram as sacudidelas, aquele vai-vem incessante, nos desequilibrando e embolando a ordem de saída já estabelecida, deixando-me lá na retaguarda. Quando começamos a sentir maior rapidez nos movimentos e iniciar a tremedeira peculiar, colocamos as cabeças pra frente e os rabinhos pra trás e, como um tiro, saímos todos voando rumo ao além, já que se tratava de uma masturbação.
Eu, como na desarrumação inicial fiquei para trás, escapei por um triz me segurando em um vaso sanguíneo! Mas, muitos dos meus melhores amigos, morreram afogados descendo pelo ralo do banheiro, sem nem mesmo entender o que havia acontecido. Alguns ainda ficaram presos na mão, mas o cara sacudiu e foram voar na parede do banheiro, escorrendo entre o limo e as lágrimas de tristeza, rumo a uma morte nada gloriosa.
Depois dessa experiência nova para mim, pois existe uma reciclagem constante na população escrotal, já que cada vez que acontece excitação, começa uma produção em massa, e sempre aparecem os afobados tirados a Gustavo Borges, que querem ser os primeiros a sair e a chegar. Eu, já experto, passei a ficar na última fila para evitar os acidentes de percursos que somos passivos. Ontem mesmo, voltamos a sentir os sintomas peculiares de uma relação sexual e a preparação foi rápida e imediata. Eu me arrumei no fundo, mas, com as sacudidelas, fui jogado para o meio. Aí, o homem tremeu forte e mandou ver! Saiu todo mundo na maior disparada, mas quando eu cheguei ao meio do caminho, senti um mau cheiro danado, finquei o rabinho na lateral e comecei a nadar contra aquela gosmenta correnteza, conseguindo voltar para o meu lar. Porém, infelizmente, milhares de amigos meus morreram atolados na merda. Tratava-se de uma relação anal, tão apreciada ultimamente para sentir prazer e, ao mesmo tempo, fazerem o nosso holocausto fecal.
Por essas razões e outras que não citarei agora, confesso que nossa vida não é tão boa como pensam muitos. E, mesmo daqui de dentro, ouço falarem que a vida é um saco e, saco por saco, prefiro continuar aqui, ficando sempre nas últimas filas, porém, bastante preocupado de me pegarem dormindo e eu terminar morrendo numa mancha de lençol em decorrência de uma polução noturna.

*Escritor (Vida Louca – ansouza_ba@hotmail.com).

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