Antonio Nunes de Souza*
Decidi contar minha história para desabafar e dizer a
todos que também temos os nossos dissabores na trajetória da vida.
Nasci, como todos os espermatozoides, proveniente da
excitação dos homens, tendo como morada o saco escrotal onde vivo
tranqüilamente brincando com meus irmãos, aguardando a oportunidade de ser
expelido para cumprir a missão determinada por Deus de atingir o ovário, me
desenvolver, transformar-me em um feto e dar continuidade a perpetuação da
espécie humana.
Lendo-se essa nossa diretriz de vida, parece que
além de ser uma maravilha, trata-se de algo tranquilo e sem nenhum problema.
Mas, nós passamos por diversas etapas, enfrentamos situações bastante
desagradáveis e constrangedoras e, muitas vezes, perigosas e suicidas.
Para ilustrar melhor os dissabores que passei,
contarei algumas passagens de sofrimento que suei frio e escapei por milagre:
Certa feita estava nadando e brincando com a turma
no velho e murcho saco que é nossa moradia, quando sentimos sua transformação.
Começou a ficar menor, mais redondinho, veias e artérias pronunciadas, que para
nós era um aviso que haveria uma relação sexual e nós deveríamos nos preparar
para sermos expelidos a caminho da procriação. Nos enfileiramos, fizemos
aquecimento e abrimos o maior sorriso, cada um na esperança de ser o mais
rápido e alcançar o objetivo de se transformar num novo ser humano.
Logo em seguida começaram as sacudidelas, aquele
vai-vem incessante, nos desequilibrando e embolando a ordem de saída já
estabelecida, deixando-me lá na retaguarda. Quando começamos a sentir maior
rapidez nos movimentos e iniciar a tremedeira peculiar, colocamos as cabeças
pra frente e os rabinhos pra trás e, como um tiro, saímos todos voando rumo ao
além, já que se tratava de uma masturbação.
Eu, como na desarrumação inicial fiquei para trás,
escapei por um triz me segurando em um vaso sanguíneo! Mas, muitos dos meus melhores
amigos, morreram afogados descendo pelo ralo do banheiro, sem nem mesmo
entender o que havia acontecido. Alguns ainda ficaram presos na mão, mas o cara
sacudiu e foram voar na parede do banheiro, escorrendo entre o limo e as
lágrimas de tristeza, rumo a uma morte nada gloriosa.
Depois dessa experiência nova para mim, pois existe
uma reciclagem constante na população escrotal, já que cada vez que acontece
excitação, começa uma produção em massa, e sempre aparecem os afobados tirados
a Gustavo Borges ou César Ciello, que querem ser os primeiros a sair e a
chegar. Eu, já experto, passei a ficar na última fila para evitar os acidentes
de percursos que somos passivos. Ontem mesmo, voltamos a sentir os sintomas
peculiares de uma relação sexual e a preparação foi rápida e imediata. Eu me
arrumei no fundo, mas, com as sacudidelas, fui jogado para o meio. Aí, o homem
tremeu forte e mandou ver! Saiu todo mundo na maior disparada, mas quando eu
cheguei ao meio do caminho, senti um mau cheiro danado, finquei o rabinho na
lateral e comecei a nadar contra aquela gosmenta correnteza, conseguindo voltar
para o meu lar. Porém, infelizmente, milhares de amigos meus morreram atolados
na merda. Tratava-se de uma relação anal, tão apreciada ultimamente para sentir
prazer e, ao mesmo tempo, fazerem o nosso holocausto fecal.
Por essas razões e outras, que não citarei agora,
confesso que nossa vida não é tão boa como pensam muitos. E, mesmo daqui de
dentro, ouço falarem que a vida é um saco e, saco por saco, prefiro continuar
aqui, ficando sempre nas últimas filas, porém, bastante preocupado de me
pegarem dormindo e eu terminar morrendo numa mancha de lençol em decorrência de
uma polução noturna proveniente de um sonho.
*Escritor -Membro da Academia
Grapiúna de
Letras-AGRAL-antoniodaagral26@hotmail.com-antoniomanteiga.blogspot.com
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