Antonio Nunes de Souza*
Querida Margarida,
Ainda não descansei da noite de ontem, mas, preocupada com você, estou
escrevendo para saber se você chegou bem e se já tomou os cuidados necessários
para voltar à normalidade.
Como você saiu daqui completamente fora de si e desbundada com o
carnaval, achei por bem relatar os fatos que ocorrem, no sentido de você saber
com mais precisão, como foi o seu carnaval baiano.
Tentei ligar para o seu celular, mas depois me lembrei que logo na
quinta-feira no Campo Grande, quando passou o primeiro trio você partiu atrás
feito uma louca e, quando voltou, já estava sem ele e nem sabia como foi. Sua
boca com o batom todo borrado e disse sorridente que recebeu uma cacetada de
beijos. Eu falei para você ter cuidados, porém, do jeito que você estava tão
eletrizada, parecia que era uma homenagem de S. Paulo aos 60 anos dos trios.
Paramos para tomar umas cervejinhas para refrescar o calor retado que fazia,
e você nem me disse que não agüenta beber, pois, quando levantamos na barraca,
você saiu em disparada para um outro trio que estava despontando, que não deu
nem tempo de lhe acompanhar. Fiquei lhe esperando no mesmo lugar, bastante
aflita, já que você não conhece bem Salvador e estava vindo pela primeira vez
ao carnaval. Depois de duas horas, graças a Deus você apareceu e estava
abraçada com dois caras, faltando dois botões na blusa, o fecho da bermuda
aberto e notava-se, claramente, que já estava sem calcinha. Assustada, falei:
- Onde você estava Margô? E você, aos gritos respondeu:
-No maior carnaval do mundo, minha querida!
Notei logo que você já estava pra lá de Bagdá e seria melhor voltarmos
para casa. Dei um jeito de mandar, gentilmente, os caras embora (que não
largavam sua cintura) e, meio constrangidos, deram mais alguns beijos e se
picaram para o meio da multidão.
No caminho de casa, depois de você repetir mais de mil vezes que o
carnaval baiano é uma coisa maravilhosa, caiu no sono e só acordou na hora que
chegamos e eu lhe chamei. Fui tomar um banho e, quando voltei, você estava
roncando no maior sono, preferi deixar você relaxar de roupa e tudo. Curiosa, dei
uma olhadinha pelo zíper e constatei que a calcinha tinha ido para o brejo e
tinham comido minha amiga na primeira noite.
Pela manhã você pediu que fossemos a praia para pegar uma “corzinha”,
pois estava muito branquela. Mas, calada vi duas manchas roxas no pescoço que se
percebia visivelmente que eram de “chupões”, recebidos na noite anterior, na
sua pré-estréia carnavalesca. Logicamente, você evitou falar do assunto.
Aproveitei para reforçar os meus conselhos de cuidados, porém você não
estava nem aí. Disse apenas que eu ficasse tranqüila que estava numa boa,
bastante alegre e feliz, querendo curtir tudo que o carnaval podia oferecer.
No fim da tarde fomos ver a saída dos Filhos de Gandi e, quando você viu
aquele mar de turbantes brancos, enlouqueceu completamente e entrou no meio
dançando meio sem jeito o ritmo do afroxé e sumiu na multidão. Eu fiquei
quieta, pois não sou muito chegada a entrar no bolo.
Margô, minha filha, eu fiquei de boca aberta quando você voltou trazendo
enfiados no pescoço e nos braços, trezentos e cinqüenta e quatro colares, uma
vez que os Filhos de Gandi trocam um colar por um beijo. Você estava com a boca
inchada, não tinha mais batom e os lábios pareciam de um peixe badejo de tão
grossos que estavam. Mas, seus olhos brilhavam mais que um punhado de lantejoulas.
Sinceramente, disse para mim mesma: Estou fodida ter que cuidar dessa amiga!
Até terça-feira muita merda vai acontecer!!!
Paramos para fazer um lanche e seguimos caminhando pela avenida em
direção ao farol da barra para ver de perto o circuito barra/ondina. Andando lentamente
para não chegarmos cansadas e também ir apreciando a cidade, principalmente o
Campo Grande que é o point do carnaval. Chegamos lá as 19:30 h. e nos deparamos
com uma aglomeração indescritível, que mal dava para se caminhar espremidos no
meio do povo. Uma puta esfregação com cheio de mijo, suor, bebidas e cigarro. Fora
a leve lama no chão em função das eventuais chuvas e o lixo atirado pelos mal
educados foliões. Mas, para você Margô, era tudo uma maravilha as novas
sensações de liberdade e libertinagem.
Por conhecidencia, naquela hora ia saindo o trio do bloco Parangolé com
o cantor Léo Santana mandando ver a sensação do carnaval: Rebolation. Aí
mulher, você acabou de perder o juízo! Pegou na barraca ao nosso lado um
“capeta duplo” e entrou no meio da pipoca atrás do bloco e, em fração de
segundos, havia sumido completamente. E não é que a merda da música nos excita
muito? Olhava de longe e via milhares de bundas requebrando e os homens fazendo
“terra” atrás, percebendo-se os volumes nas suas bermudas e shorts, completando
a sacanagem que todos ali desejavam.
Desta feita esperei por horas e você Margô não voltava nunca. Quando já
estava desiludida sem saber o que fazer, meu celular tocou e, quando atendi,
era você de um orelhão dizendo que estava em ondina, deu umas referencias do
lugar e me pediu que fosse ao seu encontro. E assim fiz, pegando um táxi para
mais ligeiro chegar.
Quando consegui localizar você, tomei um puta susto! Estavas sentada no
colo de um negão de uns dois metros, cabelo rastafari, sem camisa, ombros da
largura de um guarda roupa de casal e os braços pareciam dois pedaços de
trilhos de grossos e fortes que eram. Imaginei logo: Se esse negão comeu Margô
ela vai ficar seis meses sem poder mijar direito! E se botou no furico da
coitada, vai ter que sentar de lado por um bom tempo!
Notei logo que você estava completamente bêbeda e tratei de lhe retirar
de onde estavas e, explicando para o cara, peguei-a abraçando pelo meio, seguindo
a procura de um táxi para ir para casa. E lá chegando, lhe dei um banho frio e
a coloquei na cama, já que você apenas balbuciava: Que carnaval maravilhoso!
Fui dormir preocupada pra caralho, pensando uma maneira de fazer você
voltar o mais breve possível para Sampa, pois, infelizmente, não teria
condições de acompanhar suas loucas aventuras.
No sábado quando você acordou estava toda quebrada, andando com a bunda
meia torta para o lado esquerdo e disse que foi de tanto mexer no rebolation.
Mas, eu acho que foram as estocadas do negão!
Então, para ver se lhe acalmaria um pouco, falei que estava com um mal
estar e não sairia, preferindo descansar para o domingo.
-Nada disso minha amiga! Você fica descansando que eu me viro sozinha.
Pode ficar tranqüila que não haverá problema. E assim foi! Pois, de propósito,
fiquei em casa enquanto você se arrumou e partiu para o circuito barra/ondina
que, segundo você, era o verdadeiro paraíso. Eu resolvi ficar na minha, já que você
não era uma criança (30 anos e psicóloga) e dona das suas atitudes. Falei que
colocasse no bolso o meu endereço e telefone para em caso de alguma
necessidade, seria fácil voltar para casa ou avisar sem problemas.
Almoçamos, dormimos mais durante à tarde para aliviar o seu cansaço e o
meu desespero de preocupações. Ao anoitecer, tomamos um bom banho e você nem
quis comer nada. Arrumou-se toda e disse que ia para o farol e depois seguir o
circuito completo. Que brincaria numa boa e no fim da noite tomaria um táxi,
voltando sem problemas.
-Ok! Se divirta e tenha cuidado. Qualquer coisa me ligue que não sairei
de casa hoje! Tchau!!!
Margô minha filha, você me deixou doida! Hoje é quarta-feira e você não
apareceu aqui e nem deu a mínima notícia. Já fui a diversos hospitais, a
polícia e não obtive nenhuma pista do seu sumiço. Não tenho a mínima idéia do
que possa ter acontecido, então resolvi fazer esse e-mail para você, esperando
que já estejas em S. Paulo e possa me dizer algo para me tranqüilizar.
Nesse momento que estou escrevendo, toca meu telefone e sabe quem era? A
filha da puta da Margô, dizendo que estava em Arembepe e que tinha ido com uns
caras legais que eram maravilhosos na dança do lobo: Vou te comer, vou te
comer, vou te comer (uma delícia) e voltaria para Salvador amanhã
(quinta-feira).
Essa notícia me deu um alivio retado, não vou nem mais mandar esse
e-mail para ela e, juro por Deus, que jamais hospedarei filha da puta nenhuma
em meu apartamento durante o carnaval! Essa sacana fodeu com toda Bahia e com o
meu carnaval!
*Escritor-Membro da Academia Grapiúna de
Letras-AGRAL-antoniodaagral26@hotmail.com-antoniomanteiga.blogspot.com
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