Antonio Nunes de Souza*
Essa
moça, com um nome tão pouco comum, era a pessoa mais discriminada e debochada
naquele bairro suburbano, onde você, sem precisar procurar muito, encontra
pessoas bonitas, saradas e, principalmente, sapecas nas suas astúcias das
danças eróticas e sensuais, tão difundidas nessas plagas, misturadas aos
pagodes da vida. As mulheres, principalmente, são de uma sensualidade
impressionante, lindos quadris que requebram com doçuras sedutoras, que eu já
as apelidavas de Caixa Econômica, pois, eram boas na “poupança e davam prazer
fazer uma aplicação!”
Mas,
a pobre Abigail, não coitada, mas, era uma moça ainda jovem, no frescor dos
seus 22 anos, porém, feia pra cacete. Sua cara era já cheia de marcas e dobras
fortes nas laterais das bochechas, dentuça, peitos grandes e mais caídos que os
salários dos aposentados. Seus cabelos por não serem bem tratados eram um
emaranhado desgraçado que, com uma visão rápida, percebia-se que poderia ter
até piolhos. Entretanto, mesmo com essa cara amassada, todos gozando com ela,
servindo de deboche por anos a fio, por trás das suas roupas largas e
desajeitadas, estava escondido um corpo super escultural da cintura para baixo que,
suas vestes longas de evangélica, não davam chances aos curiosos. A pobre era
humilde, calada, enfrentava os apelidos e se restringia aos seus estudos e
cultos religiosos, sempre solitária e morando com sua mãe.
Um
belo dia um grupo daqueles caras mais sacanas do bairro, resolveu fazer uma
pegadinha bem cafajeste com Abigail, mandando uma série de cartas para o
programa Caldeirão do Huck, solicitando que fosse feita uma variação no tema e,
se sensibilizasse, fazendo o quadro “Lata Velha” com a pobre e feia Abigail. Foram
tantas as cartas, que Luciano na semana seguinte, depois de ver o retrato da
vítima, já entrou no auditório gritando: Loucura! Loucura! Loucura! Nosso
quadro hoje será mudado para uma apresentação especial, fazendo uma
transformação audaciosa numa pessoa, para atender ao povo de um bairro carioca
situado na periferia. Vamos receber com uma salva de Palmas: Abigail Santana da
Paixão. Escabreada ela entrou entre aplausos e risos, guiada por uma das moças,
ainda sem saber o que estava fazendo ali, pois, fora enganada pela produção.
Luciano foi objetivo e disse logo de que se tratava: Recebemos centenas de
cartas e, em vez do tradicional Lata Velha, nós vamos fazer uma grande
transformação em sua pessoa, modificando essa imagem atual. Você aprova?
-Sim!
Exclamou ela com tanta alegria que as lágrimas voaram dos seus olhos, borrando
a tosca maquiagem que ela mesma tinha feito.
-Abrimos
uma exceção e você não vai precisar fazer nada, apenas concordar, o que você já
fez, e nós começaremos a trabalhar. Certo?
-Ok!
Está combinado! Estou as suas ordens, falou ela já sendo levada pela assistente
enquanto o auditório aplaudia e gritava, tendo que esperar três meses para ver
os resultados, prazo dado pelo animador narigudo, em função de ser um processo
que exigia cirurgias diversas.
Seria
cansativo citar as peripécias que Abigail estava passando, seus sacrifícios e
sofrimentos, no sentido de transformar-se em outra pessoa, livrando-se da pecha
de bruxa. A essa altura todos da comunidade ficaram sabendo e, enquanto uma parte
sorria, outra torcia por um bom resultado.
No
dia aprazado, entra Luciano gritando o seu refrão de diversas “Loucuras”,
trazendo ao seu lado uma mulher deslumbrantemente linda e maravilhosa, que mais
parecia uma das famosas globais novelescas. Era nada mais nada menos que a nova
e sensacional Abigail!
O
auditório aplaudia de pé, todos estarrecidos com a monstruosa transformação,
vendo aquela Deusa sedutora e sensualíssima, exposta aos olhos das câmeras e do
povo brasileiro. Ela estava excitadíssima e percebia-se logo que, além do seu
corpo, sua cabeça também estava mudada, já pensando em aproveitar a vida,
deixando de lado um pouco das formalidades cristãs, que lhe proibia de alguns
bons e gostosos prazeres!
A
turma suburbana estava eufórica, mesmo aqueles que tinham iniciado a sacanagem,
achando que iriam dar apenas uma grande gozação, também entraram na jogada de
fazer uma festa de arromba, para esperar a chegada da nova e gostosa Abigail. Todos
se cotizaram, montaram um enorme bar, churrasco, salgados, hot-dogs, cervejas e
refrigerantes, além de dois conjuntos de pagode e funk para a festa rolar até o
sol raiar. Entre os homens foi feita até uma loteria apelidada de “Megail”,
para ver quem seria o primeiro a comer a pobre Abigail, tão desprezada no
passado, mas, uma tesão para o presente e futuro.
Mas,
quando o carro da TV globo chegou, embaixo do maior foguetório, parou e, para
surpresa de todos, Abigail estava abraçada com um diretor da emissora, que
subindo ao improvisado palco, pegou o microfone e foi anunciando: Queridos
amigos, em nome da nossa adorável Abigail, quero agradecer a iniciativa de
terem mandado essa linda mulher para o programa, onde tive a sorte de
conhecê-la. Assim sendo, ela já foi contratada pela emissora para trabalhar na
novela das nove, vai pousar para a revista Playboy e nós estamos namorando,
pensando em casarmos daqui a alguns meses. E, enquanto os tambores rufavam com
gritos de alegria dos seus torcedores e da criançada, os homens ficaram putos
da vida, e com suas caras amarradas cheias de decepções, pois, os tiros saíram
todos pelas culatras!
Hoje
Abigail mora em Sampa, já passou pelas camas de vários diretores e astros
televisivos, é apresentadora de um programa de TV, e casada com um industrial
milionário. Lógico que ela passou a usar um nome artístico, para que,
atualmente, ninguém se lembra daquela antiga e horrorosa mulher!
*Escritor,
Historiador, Cronista, Poeta e um dos membros fundadores da Academia Grapiúna
de Letras!
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