segunda-feira, 17 de junho de 2024

EU NASCI DE NOVO! (Clique e leia)

Antonio Nunes de Souza*

Evidentemente, não trata-se de minha ressurreição, pois, tem mais ou menos dois mil anos e, infelizmente, somente Jesus Cristo teve esse privilégio, sendo que tem esse mesmo tempo de anos, cheios de dúvidas e controvérsias, com relação a realização desse ato surreal e único na história do mundo, já que durante esse longo período, tem nascido e morrido tantas pessoas maravilhosas, boas, solidárias, que viveram e morreram servindo a humanidade, milhares foram denominados de “santos” e, nenhum deles, teve esse especial direito de retornar, para nos contar o que realmente acontece depois da morte. Temos que nos conformar com as bem manipuladas palavras dos autos credenciados “Ministros de Deus”!

Meu caso foi bem diferente, regado a sacanagem, nada tendo de religiosidade e, principalmente, por essa não tão nobre razão, fui agraciado a condição de nascer novamente, e como aconteceu tal desesperador fato!

Sou jovem, apenas vinte seis anos, nada tenho de especial, apenas um “rapaz latino americano” como diz a canção do saudoso Belquior. Formado em filosofia e vivo minha vida lecionando em alguns colégios e a única universidade existente em minha cidade do interior, tendo um rendimento mensal legal, que dá para manter meu carrinho, apartamento, com uma vida sadia e tranquila dentro dos moldes de classe média baixa, como é a vida de todos os professores no Brasil.

Aconteceu que uma moça, aluna da universidade, começou a me “azarar” constantemente não só nas minhas aulas, como também, durante as vezes que nos encontrávamos no parque do estacionamento, sempre que eu chegava, seu carro estava estacionado perto do meu, ela vinha sempre me cumprimentar e, sem o menor pudor ou vergonha, se insinuava terrivelmente, demonstrando que estava a fim de ter algo comigo. Porém, como primo respeitar muito meu ambiente de trabalho, nunca misturando as coisas, fazia-me de inocente, como se não estivesse percebendo.

Porém, ela insistia tanto, que um dia resolvi aceitar um convite dela para tomar um chope, Ficamos de nos encontrar num barzinho discreto, nos sentamos, conversamos, bastante, tomamos nosso chope e já nos levantamos para ir para nossas casa, como bons amigos, além da relação aluna/professor. Mas, na volta em meu carro, fiquei rememorando toda história, que terminou nesse furtivo encontro, que tratava-se de uma moça legal, bonita e filha do delegado de polícia local, que era considerado um homem violento e temperamental.

Embora com suas raízes familiares brabas, e minha condição de ser seu professor, voltei a aceitar outros seus convites para as saídas escondidas, que eram agradáveis e gostosas em função dos perigos, segredos e mistérios. Como não poderia deixar de acontecer, começamos a frequentar um motel, nos relacionando sexualmente, duas ou três vezes na semana. Porém, com o passar de uns três meses nessa aventura louca, começamos a relaxar um pouco, deixando algumas pessoas, inevitavelmente nos ver juntos. E esse foi o nosso grande erro.

Alguém contou para o delegado Valdir, sobre nosso romance, o delegado colocou um policial para me seguir, e num sábado que combinamos uma noitada deliciosa, já que era dia do meu aniversário. Reservei o melhor apartamento, mandei colocar flores, um balde com champanhe francesa e um jantar especial, que seria a nossa primeira festa comemorativa, desse louco amor fora dos contextos sociais. E quando estávamos no maior romance das gostosas preliminares, só ouvimos a porta sendo arrombada e entra o delegado Valdir, já com a arma na mão, encostou em minha cabeça e, perversamente, puxou o gatilho por duas vezes, que assombrado, apenas ouvi o ruído de track, track, sinalizando que o revólver tinha falhado. Mesmo nu e apavorado, peguei rapidamente minha roupa que estava encima da cadeira, e saí correndo para o box do carro, entrei e saí em disparada, batendo na corrente da saída, que quebrou-se. E fugi daquela situação mais que constrangedora. E antes que o escândalo fosse a tona, fiz uma carta de demissão, enviei para a faculdade, fiz o mesmo com os dois colégios e, arrumei uma mala, seguindo para uma cidade vizinha, para recomeçar minha nova vida, já que tinha acabado de sofrer uma tentativa de homicídio, exatamente na data em que nasci e, graças a minha sorte as balas estarem gastas e validades vencidas, posso dizer que, literalmente, nasci outra vez!

Passados uns meses, eu louco de saudades de minha querida Stela, porém, com muito medo do seu valente pai, não tive coragem de procura-la. Mas, inesperadamente, um dia ela apareceu me surpreendendo, porém, tinha ocorrido a morte do seu pai, então ela resolveu me procurar, já que sua mãe acatava completamente nossa provável união. Fiquei bastante alegre em revê-la, e mais ainda quando ela contou-me que seu pai, no leito da morte, contou-lhe que seu revólver estava sem balas de propósito, pois, sua intensão era realmente me assustar, mas, que me denunciaria na faculdade. Porém, como eu saí da cidade, ele resolveu ficar calado para evitar um escândalo envolvendo sua única filha!

Dei boas gargalhadas. Falei que quase me mijava todo e, mais uma vez, vi que ninguém consegue morrer e voltar a ter outra vida, nem por sacanagem, como foi o meu caso, quanto mais que se vai para um paraíso!

*Escritor, Historiador, Cronista, Poeta e um dos membros criadores da Academia Grapiúna de Letras!


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