Antonio Nunes de Souza*
Você quer água?
Tá com sede?
Olha, olha, olha a água mineral! Olha,
olha, olha a água mineral!
Ao ouvir a Timbalada começar a cantar e
tocar essa música, fiquei toda arrepiada e comecei a gritar, pular e cantar o
refrão, parecendo que o demônio havia se apossado de mim, já que a emoção de
ouvir qualquer banda baiana me tira do sério, me deixando completamente fora de
mim.
Aliás, essa sensação era sentida por
todos da multidão que acompanhava o bloco, vestida com lindos abadás coloridos,
sendo uns mais decotados que outros, deixando aparecer às partes mais sensuais
possíveis, que serviam para aliviar o calor e também chamar a atenção para
eventuais agarrações carnavalescas. Lógico que procurei dar uma cortada bem
profunda na blusa, para mostrar os meus volumosos e duros seios, na certeza que
essa minha parte do corpo, além de provocante, é um verdadeiro chamariz de
abraços e algumas mãos bobas. Mas, carnaval é carnaval e tudo isso faz parte
daqueles dias do ano que mais nos liberamos e esquecemos alguns conceitos e
preconceitos, nos dedicando as luxúrias e aos prazeres.
Sem que eu esperasse, senti aqueles
braços fortes em volta da minha cintura, puxando-me para o meio e, ao mesmo
tempo, como um relâmpago me tascou um beijo na boca que, mesmo sem saber de
quem se tratava, retribuí as linguadas e as esfregações, deixando para depois
saber se estava ou não fazendo um bom negócio. Pensei rápido imaginando o seguinte:
Se for um cara legal não vou largar tão cedo, mas se não for, saio de baixo e
faz de conta que foi minha caridade baiana no carnaval.
Depois de um beijo demorado, muitos
empurrões e pulos dentro e fora do ritmo, o cara se afastou um pouco e pude ver
que, embora ele não fosse essa beleza toda, agradava no geral para que
pudéssemos nos divertir pelo menos temporariamente, até aparecer coisa melhor.
Sabe como é: No começo pegamos o que aparece, depois passamos a selecionar e no
final pedimos a Deus que apareça qualquer um. O importante é não terminar a
noite no 0x0. Pois carnaval foi criado exatamente para que possamos fugir dos
comportamentos usuais e dar vazão aos nossos instintos, colocando a culpa nessa
festa sodomiana.
Não demorou muito o cara que nem seu
nome disse, falou que ia buscar uma cerveja e evaporou na multidão deixando-me
livre novamente para que eu pudesse azarar e ser azarada sem limitações. Olhei
para os lados e muitas das minhas amigas já estavam acompanhadas, brincando,
dançando e os beijos rolavam aos montes entre risos e abraços. Curiosamente,
dentro do bloco parecia uma demonstração de respiração boca/boca, só que os
participantes estavam mais vivos que nunca e só se largavam para tomar um gole
de cerveja ou capeta e voltarem aos beijos babados e molhados, animados pelo
enlouquecido batuque de Carlinhos Brawn e sua banda.
Logo passou outro cara louro de olhos
azuis, bem branquelo com as bochechas vermelhas, usando sandálias e meias
soquetes que, por ser tão desajeitado e fora do ritmo, notava-se logo que era
um gringo turista. Mas, com todos esses pormenores horríveis, o cara era um
gato pra ninguém botar defeito. Ele veio em minha direção, abriu os braços e eu
que não sou besta, agarrei em sua cintura e começamos a pular. Enquanto eu
cantava os pedaços da música que havia aprendido, ele somente dava gritos e
sorria, pois não falava merda nenhuma de português.
-Você é estrangeiro?
- Nom fala brasilêro. Eu sê americano.
-Ah! Sim, Yes. Como é o seu nome, name?
- Peter Kenneth.
-My name is Kátia. I know to speak
inglish litle.
-OK! My Love!
Dei uma risada pelo modo engraçado que
ele falou e continuamos pulando agarradinhos acompanhando o ritmo e os passos
do bloco que seguia do Farol para Ondina.
Como pintou um clima gostoso entre nós,
ficamos juntos todo percurso, sempre aproveitando para umas boas pegadas, pois
o gringo embora não soubesse dançar o axé, de sacanagem ele entendia muito bem
por ser uma linguagem internacional que todo mundo sabe fazer sem precisar de
professores.
Quando dei por mim já estávamos no fim
do percurso, a Timbalada parou e, quando olhei em volta, não vi nenhuma das
minhas amigas, estando somente eu e Peter. De momento não me preocupei, mas
quando me lembrei que tinha deixado a bolsa em casa por causa de roubos e
também não tinha a chave e o endereço anotado de onde estávamos hospedados
fiquei em pânico sem saber o que fazer. Peter não falava nada, somente sorria e
me dava cada beijo que, depois das bebidas que tomamos, me deixava
excitadíssima e querendo mais.
Procurei as meninas, mas, nada de
encontrar ninguém. Creio que cada uma seguiu sua vida e direção, já que a
independência era e é uma tônica entre nós. Nada de controles e policiamentos,
pois somos maiores e independentes, sendo nossos atos de nossa própria
responsabilidade.
Senti que Peter estava a fim de me levar
para o seu hotel e, como tinha rolado uma química legal, resolvi que iria ficar
com ele.
Quatro horas da manhã, tomamos um táxi,
chegamos ao hotel, subimos para o quarto e não deu outra: transamos até
adormecermos pelos gozos e pelo cansaço.
Na manhã seguinte, quase meio dia, mesmo
meio envergonhada, pedi a Peter um dinheiro emprestado para um táxi, explicando
para ele através de palavras e gestos a razão de não estar com a bolsa. E ele
gentilmente me deu R$ 50,00. Trocamos beijinhos e marcamos para nos encontrar
logo mais a noite.
Mas, não sei se por não conhecer a
cidade ou por falta de interesse, não encontrei mais com Peter e brinquei o
carnaval com muita alegria, sempre aparecendo rapazes que pintavam, abraçavam
beijavam, pulavam e sumiam na multidão, fazendo, de qualquer forma, que meu
carnaval fosse alegre e feliz.
Voltamos todas comentando nossas
aventuras e desventuras, rindo e nos divertindo com as estórias acontecidas.
Passados nove meses, não é que tive um
menino lindo de olhos azuis!
Coloquei o nome de Peter Brawn em
homenagem ao pai e a minha querida Timbalada.
Esse ano eu estou aqui de novo. Deixei
meu pequeno Peter com minha mãe e vou ter o maior cuidado, mas, se o diabo
atentar e eu me bater com um turista argentino e rolar uma menininha, vou botar
o nome de Daniela Sangallo da La
Passion.
Ah! Como é gostoso e maravilhoso esse
carnaval da Bahia!
Escritor-Membro da Acadamia Grapiúna de Letras-AGRAL-antoniodaagral@hotmail.com-antoniomanteiga.blogspot.com
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