Antonio Nunes de Souza*
Não
é novidade que a situação está ruim para todo mundo, excetuando os políticos e
grande empresários. Os primeiros vivem nadando em vantagens e benefícios, e os
segundos porque aproveitam para explorar a miséria alheia, aumentando seus
preços, principalmente as áreas de alimentos e medicamentos, uma vez que somos
um país de famintos e doentes!
Eu,
na minha nova profissão de corretor de imóveis, tenho passado uma tremenda
amargura, já que o povo está numa merda terrível e, consequentemente, raros são
os que tem condições de comprar imóveis, em função do bruto desemprego que
assola o país, graças a covid-19, dengue, gripes e a restruturação financeira
do governo atual, pelos rombos deixados de herança no passado!
Mas,
como Deus tem pena dos seus filhos, estava eu no escritório pensando nas contas
que já estavam se atrasando, quando entra uma senhora acompanhada de um homem.
Atendi a ambos, mandei que sentassem, e ela me apresentou o homem, que era seu
advogado, falando em seguida que desejava comprar um apartamento com três
quartos, duas suítes e garagem para dois carros, que fosse situado entre o Rio
Vermelho e a Pituba. Quase que eu me ajoelhava e beijava os pés da senhora,
pois, curiosamente, eu tinha a minha disposição exatamente o que ela acabava de
falar, parecendo até que era um sonho que eu estava tendo. Cheguei a pensar que
poderia ser uma “pegadinha” de algum colega sacana, que sabia desse meu imóvel
em disponibilidade!
Como
vendedor imobiliário não experiente, porém bastante sagaz e inteligente, disse
para ela que não seria tão fácil, porém, coincidentemente, eu tinha um que se
enquadrava exatamente no que ela desejava, mas, infelizmente já estava praticamente
vendido (grande mentira, pois, eu estava há seis meses querendo vende-lo e não
conseguia uma proposta), entretanto, estava dependendo da resposta hoje, e que
eu iria ligar para o cliente para saber a posição definitiva. Ela fez uma cara
meio triste e disse: O senhor poderia entrar em contato com essa pessoa? Se ela
desistir eu irei ver o imóvel, e saber se realmente me atende!
Lógico
senhora, vou ligar agora mesmo para o cliente. E, sorrateiramente, liguei para
um número qualquer, atenderam e eu falei: Boa tarde Dr. Adalmir, como
combinamos, estou ligando para saber a sua resposta final sobre a compra do
apartamento. O cara do outro lado não entendeu porra nenhuma, falou que eu
estava enganado e eu retruquei: Entendo isso acontece. Fica então combinado que
quando o senhor vender seu sítio no interior, voltaremos a conversar. Obrigado
e um abraço (o cara me xingou e disse que eu era maluco). Olhei para ela e
disse: A senhora está com sorte, pois, estava dependendo dele se desvencilhar
de um sítio no interior para completar a quantia necessária!
-Sendo
assim, eu gostaria de ir ver o imóvel. O senhor pode ir nos mostrar agora?
-Claro
senhora. Estou com as chaves aqui e poderemos ir até Ondina, local que se situa
o imóvel desejado!
Descemos,
entramos no carro dela, juntamente com o seu advogado Dr. Rommel Vasconcelos,
encarregado de fazer a verificação de taxas, impostos e alienações, para que a
compra fosse limpa e sem problemas futuros. Passei o endereço para seu
motorista, pelo carro e a classe da senhora, percebi logo que tratava-se de
gente da alta e, a essa altura, eu já estava contando com a gorda comissão que
receberia, as contas que pagaria e a alegria da sobra para me garantir um tempo
respirando sem desespero!
Chegamos,
subimos ao quarto andar do maravilhoso Edifício Mansão dos Orixás, abri o
apartamento, entramos e comecei a mostrar minuciosamente todos os detalhes:
Duas grandes suítes, ambas com hidro massagem, um sanitário completo, lavabo,
cozinha ampla já com todos os armários, quarto de empregada com sanitário, área
de serviço de bom tamanho. Tendo ainda uma linda e maravilhosa vista para o mar,
através das duas espaçosas varandas da enorme sala. Como complemento, o
edifício tinha piscina, salão de festas e ginásticas, além de garagem para três
carros!
Vi,
claramente, que a senhora ficou fascinado e encantada com o apartamento, chamou
seu advogado ao quarto e conversaram a sós, que acredito que foi confrontando
as opiniões!
Ao
voltar ela disse que gostou, e gostaria de saber o preço mínimo para pagamento
a vista!
O
meu cliente me deu o preço de um milhão e duzentos reais, podendo até diminuir
para um milhão e cem, ou um milhão caso fosse a vista, sem muita demora.
Então... vendo nos olhos da compradora a alegria e desejo de fazer negócio, dei
o preço de um milhão e quatrocentos, mas, como era a vista, eu talvez
conseguisse uma quebra de 50 ou 100 mil. Ela nem se assustou e, tranquilamente,
disse que, se estiver tudo em ordem, pagaria um milhão e trezentos!
Eu
quase me mijo todo de tanta emoção, que até ela me olhou com estranheza. Pedi
licença aos dois e fui a um quarto para telefonar para o dono do imóvel, que
também estava agoniado para vender e não aparecia ninguém interessado!
-Boa
tarde Dr. Antonio Thadeu. Lamentavelmente, até agora não apareceu um cliente e
eu queria combinar o seguinte com o senhor: Qual o menor preço que o senhor me
dá e, se eu vender por mais, posso ficar com a diferença?
-Olhe
André Luís vamos fazer o seguinte: Se você vender por mais de um milhão e cem,
pode ser quanto for, a diferença é sua, mas, não pagarei nenhuma comissão a
mais!
-Combinado
doutor. Está fechado o acordo está aqui gravado no celular, não precisa contrato
e sei que estou tratando com um homem de bem. Vou a noite mostrar a uma pessoa
e vou ver qual será o resultado. Um abraço e tudo de bom!
Voltei
a sala e falei para eles que tinha conseguido um milhão trezentos e vinte mil
reais (já pensando em quebrar esses vinte mil, como prova de meu bom trabalho).
E
não deu outra! Ela foi radical e disse: Eu só pago um milhão e trezentos, fale
com a pessoa, pois, já olhei outros mais baratos, porém, esse foi o que mais
gostei e é o que eu imaginava!
Juro
que eu estava quase desmaiando de tanta alegria e emoção, me policiando para
não dar na pinta, imaginando que eu estava quase ganhando duzentos mil de
bandeja, graças ao aparecimento dessa senhora em meu escritório que, com
certeza, foi Deus que a mandou!
Falei
com ela que lutaria para abater essa diferença, que ela considerasse o negócio
fechado e, já que era 18 horas, na manhã do dia seguinte, estarei esperando o
Dr. Rommel e ela para apresentar toda documentação necessária, para as
pesquisas e efetivação da compra. Dei o meu cartão de visita para ela e seu
advogado, para caso necessitassem ligar para alguma pergunta complementar!
Nos
despedimos, eu falei que tomaria um táxi para voltar ao escritório, ficando
combinado para nos reunirmos as 9 horas do dia seguinte!
Voltei
e nem me incomodei com o custo do táxi, peguei minha querida moto, falei pra ela
que seus dias estavam contados, que uma novinha viria substituí-la, pensando
isso dei o maior sorriso de alegria, ainda sem acreditar a sorte que estava vislumbrando
em minha vida, e em começo de carreira!
Chegando
em casa, fui somar as contas que pagaria, renovaria meu surrado guarda-roupa,
além de algumas coisas mais que estava precisando. Sinceramente, quase não
dormi direito. Toda hora acordava e olhava o relógio para não acordar atrasado!
Levantei
as 6 horas, tomei um bom banho, vesti minha melhor roupa, e desci indo para a
padaria em frente tomar meu habitual café. Peguei a moto e segui para meu
escritório na Piedade!
Arrumei
a carteira, passei um pano nas cadeiras e no sofá, pedi ao porteiro para ir
comprar uma garrafa térmica de café, lavei as xícaras, coloquei tudo na
bandeja, ficando o ambiente preparado para a maior operação que realizaria na
vida!
O
tempo super lento, eu deixando para falar com o proprietário depois de fechar
definitivamente o negócio. Aí deu nove, nove e meia e nada de alguém aparecer.
Eu já estava suando, mesmo no ar condicionado. Até que o meu telefone tocou:
-Alô,
bom dia. Aqui é André Luís!
-Sr.
André Luís, aqui é o Dr. Rommel. Estou lhe ligando porque aconteceu uma
tragédia terrível. Sra. Maria Bernadeth Marinho Pedreira, ontem a noite, sofreu
um AVC, foi urgente para o Hospital Aliança e, lamentavelmente, faleceu na
madrugada. Sendo assim, a família mandou lhe avisar que não mais se interessam
pela compra, pois, o imóvel era para ela e com sua morte, não tem mais sentido.
Muito obrigado e boas vendas para o senhor!
-Obrigado
doutor! Apresente as minhas condolências à família!
Dizer
que fiquei puto da vida é pouquíssimo. Meus planos e projetos só duraram uma
noite, e ainda muito mal dormida. E tenho certeza absoluta, que o aparecimento
dessa senhora no meu escritório foi obra do Satanás para me sacanear. Pois,
Deus não faria uma pegadinha dessa, com um pobre corretor em início de carreira!
Isso
serve de lição para todos que, todo e qualquer negócio, só está realizando,
quando os papeis estão assinados. “Nunca conte com o ovo no cu da galinha”,
para não se decepcionar como eu!
*Escritor,
Historiador, Cronista, Poeta e um dos membros fundadores da Academia Grapiúna
de Letras!
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