terça-feira, 20 de julho de 2021

COMO CONHECI VOCÊ!

 

 

Antonio Nunes de Souza*

Era um começo de noite. Como todos os dias nesse horário, a transparência dos raios solares deixa uma imagem bonita no céu, avermelhando o horizonte preste a escurecer!

Mais um dia, onde a esperança é o elixir do ânimo, deixando a expectativa suprir e dar forças para aguardar a oportunidade certa para algo de bom acontecer. O desejo que despontava em meu peito era totalmente impossível, apenas uma utópica pretensão. Não estava procurando ninguém naquele lugar, principalmente, naquele dia e momento. Meus pensamentos estavam voltados para uma outra mulher que jamais poderia estar ali, que por ser negra, todas que passavam em minha frente com algumas das suas características, chamavam minha atenção, procurando nelas a imagem fixada em minha conturbada mente, cheia de saudades e desejos. Todas eram semelhantes, mas nenhuma era igual a que estava gravada em meus pensamentos. Tola era minha pretensão de encontrar, naquela cidade e naquele local, a pessoa que realmente me interessaria ver!

Sentado numa mesa de bar na praça da Purificação, tomava uma cerveja com amigos, sorrindo e alegre como sempre, jamais deixando transparecer como me sentia só naquela multidão. Digo multidão, pois, minutos depois aconteceria um espetáculo musical com um famoso artista da terra, por sinal, meu amigo de infância, e povo estava frenético e ansioso para vê-lo!

Meus olhos, mesmo com a consciência negativa da mente, não paravam de vasculhar procurando algo que, seguramente, não veria. Até que, como uma miragem naquele paradoxal deserto de fartura e milhares de pessoas, surge uma mulher negra, linda, com uma roupa colorida, como a luz que brilhava em sua aura recheada de trancinhas. Aproximou-me da mesa em que eu estava e, sorridente, dirigiu-se a um dos meus amigos, abraçando-o e beijando-o com um carinho todo especial como ela própria. Para mim foi um impacto muito grande, pois, mesmo procurando ver somente outra pessoa, aquela mulher apagou repentinamente todos os meus desejos anteriores, fazendo despertar uma sensação gostosa de simpatia e afinidade, que poucas vezes sentimos de imediato. Não digo que foi amor a primeira vista, pois não acredito nesse sentimento puramente abstrato. Mas foi algo bastante forte, que fez com que eu jamais a esquecesse, mesmo passando vários meses. Isso aconteceu em janeiro.

Depois de cumprimentar nosso amigo comum, sem ao menos dar uma boa noite aos demais, despediu-se com o seu sorriso bonito e provocante, deixando claro que a minha presença passou completamente despercebida, mesmo estando eu, todo tempo, com os olhos pregados e sem pestanejar, admirando sua beleza! Fiquei sentido, uma vez que, todos nós gostamos e nos sentimos bem quando somos notados. Principalmente quando estamos notando!

Logo que ela retirou-se perguntei ao meu amigo: Quem é essa mulher linda e charmosa?

-É a namorada do meu irmão! Não é linda?

-Claro que é! Fez eu me lembrar e, ao mesmo tempo, esquecer da minha pretinha!

Não posso negar que fiquei todo tempo procurando vê-la novamente, mas foi em vão. O espetáculo começou e era uma loucura total. A praça repleta e seria impossível um novo encontro casual, embora aquela altura já não seria casual, pois eu estava com os olhos como binóculos, focando por todos os ângulos, tentando visualizar aquela mulher que fez, inadvertidamente, bater e despertar algo diferente dentro e fora de mim. Mas, com todo respeito que me é peculiar, saberia guardar a distância devida em respeito ao seu namorado, que por sinal é meu amigo/irmão. Só queria rever aquela figura negra e linda como uma Princesa Banta, para ao menos lhe dizer como era linda. Seria uma simples tolice, pois, esse adjetivo ela deve ouvir a toda hora nos lugares que passa. Mas, infelizmente, mesmo tendo ela junto a mim por alguns instantes, por estar hipnotizado com sua aparição repentina, fiquei tão pasmo que nem a boca abriu.

Durante minha viagem de volta, o pensamento estava dividido entre minha pretinha e a pretinha dos outros que acabara de ver (não digo conhecer, pois nem tive a oportunidade de ser apresentado). Como eram diferentes. Ambas belas, porém essa tinha algo estranho que, embora não tenha provocado minha libido, provocou todo meu corpo e minha alma. A libido seria apenas um detalhe posterior que, com certeza, seria resolvido com um modesto aperto mão!

Passaram-se meses e a figura daquela mulher estava fixada em minha mente, com a nitidez de uma fotografia digital. Minha pretinha foi perdendo o encanto aos poucos, não por causa da “aparição”, e sim pela falta de sustentação para um relacionamento mais duradouro. Gosto de pessoas que me acrescentem algo mais que não seja apenas carícias e sexo!

Isso é muito importante diariamente, mas, nos intervalos dos bons diálogos. Assim sendo, tudo foi terminando gradativamente, até findar totalmente, deixando uma saudade um tanto dolorosa, pois, tudo poderia ser melhor, caso houvesse uma melhor compreensão da parte dela e uma maior paciência da minha!

Oito meses depois, como faço todos os anos, volto a Santo Amaro para festejar um aniversário de alguém que me era muito importante. Essas idas esporádicas a minha terra querida, me deixam numa euforia indescritível. Rever velhos amigos, andar na minha cidade que, por ter parado no tempo, me faz voltar à infância e a puberdade num piscar de olhos, fazendo brotar em mim a vitalidade perdida pelo decorrer do nosso carrasco maior: O tempo. Esse que nos devora sorrateiramente, deixando marcas e muitas saudades!

Depois de uma alvorada ao raiar do dia, acompanhado de um vigoroso e farto café da manhã, fui fazer algumas visitas e depois descansar no hotel para as 17:00 horas ir a missa e depois enfrentar os festejos noturnos na casa da aniversariante!

Após a missa de graças (linda e cheia de cantorias), seguimos direto para a comemoração festiva e popular do aniversário. Centenas de pessoas se agrupavam em mesas e cadeiras, forradas com panos alvos e brancos como meus cabelos. Minutos depois de estar sentado, juntamente com alguns amigos, aparece meu amigo/irmão, namorado da princesa de ébano, que me abraçou e beijou com o carinho que só as pessoas que se gostam realmente fazem. Começamos a conversar e logo ele perguntou da minha pretinha e eu, depois de falar do término do romance, imediatamente perguntei da pretinha dele.

-Ela está ali. Venha comigo, mas, nada de bandeiras, pois a coisa ainda está muito complicada. Vamos lá que eu vou lhe apresentar, uma vez que você me disse que apenas a viu há tempos e muito rapidamente!

Saímos lépidos e, ao chegar, vi minha linda negra com um vestido branco que mais ainda realçava sua beleza. Eu não sabia se era um anjo nas trevas ou as trevas vestidas de anjo. Adorei o impacto desse encontro. Vi que ela realmente dava razões para eu não tê-la esquecido nunca. Reativei todas as lembranças e trocamos um sorriso que também, jamais esquecerei. Após a apresentação simples e singela para eles, mas para mim muito significativa, voltamos a nossa mesa, aonde ela, após alguns minutos veio se aconchegar, para o deleito de todos nós!

Conversamos, rimos, dançamos, sambamos, trocamos confidencias, parecíamos que éramos amigos há anos. Nossa identificação foi imediata e perfeita. Ela gostava de ser agradada e essa é coisa que mais sei fazer. Varamos noite adentro numa atmosfera de muita alegria, obviamente guardando e refreando qualquer ímpeto que pudesse ser taxado de pecaminoso. Tudo rolava numa respeitabilidade, que somente eu sou capaz de ter!

No final da festa, nos despedimos com o carinho de bons amigos, prometemos nos corresponder e nos rever quando fosse possível, rasgamos sedas e seguimos levando e deixando saudades!

Hoje, passados 39 dias desse último encontro, não deixei um só dia de pensar nela como uma pessoa especial que entrou em minha vida e, provavelmente, não sairá. Gosto dela como se minha fosse, porém, cultivo ela como seu dono merece!

Ela mora na Liberdade e, merecidamente, é a Rainha Negra do Ilê Ayê!

 

Antonio Nunes de Souza – Fato real ocorrido em 25/10/2005

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