*Antonio Nunes de Souza
-Oh moral! Fecha a conta e traga a saideira.
-Só tem agora cerveja sem álcool. Sabe como é, fim
de noite... não sobrou nada.
-Traga assim mesmo e mande um copo de pinga que eu
tempero aqui.
-Falou, Brother!
Enquanto o improvisado garçom da barraca foi buscar
a bebida, mesmo cheio do pau e mamado, comecei a pensar o que diria em casa
depois de ter saído no sábado para comprar pão e chegar na quarta-feira,
chapado, com olheiras e sem o pacote de pão que esqueci no primeiro bar que
parei. Precisava arranjar uma desculpa que convencesse a patroa e não
estragasse nosso casamento de cinco anos.
-Pronto aqui, gente boa! Geladinha como cu de foca.
Falou o garçom dando uma risadinha, não sabendo o drama que passava em minha
cabeça.
Depois da mistura, tomei de uma só talagada o resto
da pinga, pensando em colocar o juízo no lugar e me dar inspiração para
enfrentar um barraco, que somente Marlene sabia armar.
A bem da verdade ela sabia que eu gostava de
carnaval e, sendo evangélica, durante os anos de casado eu segurei a barra
ficando em casa e prometi que deixaria em definitivo a folia momesca. Mas, esse
ano. Pó! Esse ano não consegui me controlar.
Até que não foi nada programado, saí tranqüilamente
e, por azar dela, passou um trio bem na porta da padaria tocando: Atrás do trio
elétrico, só não vai quem já morreu... Sacanagem, mas parecia que os caras
estavam gozando com minha cara. Não agüentei e disse: Trás uma cerveja bem
gelada!
E a loura gelada foi o ponta pé inicial. Depois de
mais 3 ou 4, deixei o pacote de pão no balcão e saí batido para o meio da
folia. Por sorte estava de bermuda e camiseta, traje bastante adequado para
encarar a esfregação no meio da multidão. Fim de mês tinha recebido o salário
no dia anterior, cheque e cartão no bolso, não faltava mais nada para eu me dar
bem. Mulher tem para escolher, basta chamar para beber alguma coisa que elas
vêm doidinhas, pois saem limpa exatamente a procura de um otário para
banca-las. Eu não me incomodo de bancar, mas, dou o líquido e quero a carne
depois. Também não tem problema não, elas estão dando até sem você pedir. Tão
tudo doidas e esqueceram os pudores.
Paguei a conta e fui para o hotelzinho que fiquei
durante os 3 dias e, chegando no quarto, tirei um cochilo e acordei de estalo
com uma idéia genial na cabeça: Vou fazer uma carta para Marlene e tenho
certeza que, com sua crença, ela acreditará piamente, pois, embora barraqueira
entre quatro paredes, ela é super discreta e nunca comenta nada da nossa vida
com ninguém. E com a média que tenho, vou me safar numa boa.
Pedi uma caneta e folhas de papel ao recepcionista e
comecei a escrever:
Querida Marlene,
Ninguém mais do que você sabe como somos sujeitos as
tentações demoníacas. E foi o que aconteceu comigo! Estava na padaria comprando
pão para o nosso café, quando apareceu um sujeito com uma aparência estranha,
usando cavanhaque, cara triangular, os dentes caninos pronunciados e me convidou
para beber um copo de cerveja. Ele foi tão gentil que não pude recusar, embora
o achando uma pessoa esquisita. E, conversa vai conversa vem, ele sempre
enchendo o meu copo e eu distraído bebendo, até que ele me chamou para olhar de
perto o carnaval. E eu, parecendo que estava enfeitiçado, terminei seguindo
ele, bebendo, brincando, dançando e me envolvi durante esses 4 dias e só agora
que acordei aqui nesse hotel, sozinho e sem saber nem o que fiz durante esses
dias.
Peço-lhe que me perdoe, pois foi obra do demônio
fazer eu cometer tamanha loucura com você que é a mulher que amo no fundo do
coração.
Peço-lhe que leia essa carta de um homem
arrependido, reflita com calma e mande uma resposta dizendo que compreende que
Satanás procura os bons para fazer seus estragos.
O endereço do hotel é Av. das Nações, 123 e estou no
quarto 56. Seja rápida, pois estou louco para lhe ver.
Um beijo com amor,
Juvenal
Pedi ao porteiro do hotel para levar a cartinha e
fui dormir esperando a resposta, pois, a depender do resultado, já que ela é
muito crente em Deus, me sairia muito bem.
-Seu Juvenal, seu Juvenal! Acordei com as batidas no
quarto e o porteiro gritando meu nome. Olhei para o relógio e já tinha se
passado 4 horas que eu estava dormindo.
Levantei, abri a porta e o porteiro me entregou uma
carta dizendo: Ela não estava em casa, mas a empregada disse que ela tinha
telefonado dizendo onde estava e eu fui lá levar e esperei ela escrever a
resposta. Agradeci, fechei a porta e me
sentei para ler:
Juvenal meu grande amor,
Como estou feliz por você ter aparecido vivo e com
saúde. E como imagino o seu sofrimento agora, por ter sido envolvido pelas
maldades do Satanás. Por mais que estejamos apegados a Deus, o tinhoso sempre
entra em nossa vida para nos levar ao pecado.
Imagine
você que, assim que você não voltou para casa até as 22:00 hs., resolvi ir
procura-lo imaginando que poderia ter acontecido um acidente. E, no meio da
multidão, encontrei um homem também estranho que logo se prontificou a
ajudar-me a procura-lo. Eu estava muito nervosa e terminei aceitando tomar um
capeta que ele ofereceu. Imagine meu amor, logo essa bebida ele foi me dar.
Mas, do jeito que estava, nem ligava para nada, pois o importante era encontrar
você. Naquele empurra empurra, ele colocou os braços em volta da minha cintura
para me equilibrar e, a cada barraca, parava para comprar mais dois capetas
para nós. Não sei o que deu em mim, mas, os 4 dias passaram que eu nem percebi,
já que não lhe encontrava e, a cada dia, nós levantávamos e íamos para a
avenida a sua procura, pedindo a Deus que você estivesse vivo. Ele me dominava
de tal forma como se fosse um hipnotismo que eu não tinha forças para recusar
nada que ele queria. E ele sempre prometia que ia encontra-lo. E por você, do
jeito que lhe amo, sou capaz de tudo.
O fato é que ele me enfeitiçou durante o carnaval e agora
eu acordei sozinha no apartamento 11 do Motel Smile. Ele sumiu e me deixou aqui
a pé e nem pagou a conta das refeições e os dias que aqui ficamos. Posso jurar
por Deus que era o demônio! Somente ele me faria ceder as suas tentações. Ainda
mais que deixou um grande cheiro de enxofre em minhas roupas e em meu corpo,
que é o seu odor característico. Meu amor, nós fomos vítimas do Tinhoso! Vamos
tomar isso como uma provação divina!
Venha me buscar urgente e traga dinheiro para pagar
a conta e, quando chegarmos em casa, tomaremos banho e iremos até a igreja
pedir ao pastor para exorcizar esse Satanás que tomou conta de nossos corpos.
Com o maior amor do mundo, sua querida,
Marlene
Acabei de ler tremendo e fiquei p... da vida. Mas, que
merda eu poderia dizer? Vou buscar aquela desgraçada, meter a língua no rabo e
nunca mais inventar mentiras colocando o diabo no meio. Só queria era saber,
quem foi esse filho da puta, que se passou pelo Satanás pra comer minha mulher?
*Escritor-Membro da Academia
Grapiúna de Letras-AGRAL-antoniodaagral26@hotmail,com-antoniomanteiga.blogspot.com
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