quarta-feira, 16 de outubro de 2019

RECAÍDA DO FOLIÃO!

                                                                          *Antonio Nunes de Souza

-Oh moral! Fecha a conta e traga a saideira.
-Só tem agora cerveja sem álcool. Sabe como é, fim de noite... não sobrou nada.
-Traga assim mesmo e mande um copo de pinga que eu tempero aqui.
-Falou, Brother!
Enquanto o improvisado garçom da barraca foi buscar a bebida, mesmo cheio do pau e mamado, comecei a pensar o que diria em casa depois de ter saído no sábado para comprar pão e chegar na quarta-feira, chapado, com olheiras e sem o pacote de pão que esqueci no primeiro bar que parei. Precisava arranjar uma desculpa que convencesse a patroa e não estragasse nosso casamento de cinco anos.
-Pronto aqui, gente boa! Geladinha como cu de foca. Falou o garçom dando uma risadinha, não sabendo o drama que passava em minha cabeça.
Depois da mistura, tomei de uma só talagada o resto da pinga, pensando em colocar o juízo no lugar e me dar inspiração para enfrentar um barraco, que somente Marlene sabia armar.
A bem da verdade ela sabia que eu gostava de carnaval e, sendo evangélica, durante os anos de casado eu segurei a barra ficando em casa e prometi que deixaria em definitivo a folia momesca. Mas, esse ano. Pó! Esse ano não consegui me controlar.
Até que não foi nada programado, saí tranqüilamente e, por azar dela, passou um trio bem na porta da padaria tocando: Atrás do trio elétrico, só não vai quem já morreu... Sacanagem, mas parecia que os caras estavam gozando com minha cara. Não agüentei e disse: Trás uma cerveja bem gelada!
E a loura gelada foi o ponta pé inicial. Depois de mais 3 ou 4, deixei o pacote de pão no balcão e saí batido para o meio da folia. Por sorte estava de bermuda e camiseta, traje bastante adequado para encarar a esfregação no meio da multidão. Fim de mês tinha recebido o salário no dia anterior, cheque e cartão no bolso, não faltava mais nada para eu me dar bem. Mulher tem para escolher, basta chamar para beber alguma coisa que elas vêm doidinhas, pois saem limpa exatamente a procura de um otário para banca-las. Eu não me incomodo de bancar, mas, dou o líquido e quero a carne depois. Também não tem problema não, elas estão dando até sem você pedir. Tão tudo doidas e esqueceram os pudores.
Paguei a conta e fui para o hotelzinho que fiquei durante os 3 dias e, chegando no quarto, tirei um cochilo e acordei de estalo com uma idéia genial na cabeça: Vou fazer uma carta para Marlene e tenho certeza que, com sua crença, ela acreditará piamente, pois, embora barraqueira entre quatro paredes, ela é super discreta e nunca comenta nada da nossa vida com ninguém. E com a média que tenho, vou me safar numa boa.
Pedi uma caneta e folhas de papel ao recepcionista e comecei a escrever:
Querida Marlene,
Ninguém mais do que você sabe como somos sujeitos as tentações demoníacas. E foi o que aconteceu comigo! Estava na padaria comprando pão para o nosso café, quando apareceu um sujeito com uma aparência estranha, usando cavanhaque, cara triangular, os dentes caninos pronunciados e me convidou para beber um copo de cerveja. Ele foi tão gentil que não pude recusar, embora o achando uma pessoa esquisita. E, conversa vai conversa vem, ele sempre enchendo o meu copo e eu distraído bebendo, até que ele me chamou para olhar de perto o carnaval. E eu, parecendo que estava enfeitiçado, terminei seguindo ele, bebendo, brincando, dançando e me envolvi durante esses 4 dias e só agora que acordei aqui nesse hotel, sozinho e sem saber nem o que fiz durante esses dias.
Peço-lhe que me perdoe, pois foi obra do demônio fazer eu cometer tamanha loucura com você que é a mulher que amo no fundo do coração.
Peço-lhe que leia essa carta de um homem arrependido, reflita com calma e mande uma resposta dizendo que compreende que Satanás procura os bons para fazer seus estragos.
O endereço do hotel é Av. das Nações, 123 e estou no quarto 56. Seja rápida, pois estou louco para lhe ver.
Um beijo com amor,
                                     Juvenal
Pedi ao porteiro do hotel para levar a cartinha e fui dormir esperando a resposta, pois, a depender do resultado, já que ela é muito crente em Deus, me sairia muito bem.
-Seu Juvenal, seu Juvenal! Acordei com as batidas no quarto e o porteiro gritando meu nome. Olhei para o relógio e já tinha se passado 4 horas que eu estava dormindo.
Levantei, abri a porta e o porteiro me entregou uma carta dizendo: Ela não estava em casa, mas a empregada disse que ela tinha telefonado dizendo onde estava e eu fui lá levar e esperei ela escrever a resposta.  Agradeci, fechei a porta e me sentei para ler:
Juvenal meu grande amor,
Como estou feliz por você ter aparecido vivo e com saúde. E como imagino o seu sofrimento agora, por ter sido envolvido pelas maldades do Satanás. Por mais que estejamos apegados a Deus, o tinhoso sempre entra em nossa vida para nos levar ao pecado.
Imagine você que, assim que você não voltou para casa até as 22:00 hs., resolvi ir procura-lo imaginando que poderia ter acontecido um acidente. E, no meio da multidão, encontrei um homem também estranho que logo se prontificou a ajudar-me a procura-lo. Eu estava muito nervosa e terminei aceitando tomar um capeta que ele ofereceu. Imagine meu amor, logo essa bebida ele foi me dar. Mas, do jeito que estava, nem ligava para nada, pois o importante era encontrar você. Naquele empurra empurra, ele colocou os braços em volta da minha cintura para me equilibrar e, a cada barraca, parava para comprar mais dois capetas para nós. Não sei o que deu em mim, mas, os 4 dias passaram que eu nem percebi, já que não lhe encontrava e, a cada dia, nós levantávamos e íamos para a avenida a sua procura, pedindo a Deus que você estivesse vivo. Ele me dominava de tal forma como se fosse um hipnotismo que eu não tinha forças para recusar nada que ele queria. E ele sempre prometia que ia encontra-lo. E por você, do jeito que lhe amo, sou capaz de tudo.
O fato é que ele me enfeitiçou durante o carnaval e agora eu acordei sozinha no apartamento 11 do Motel Smile. Ele sumiu e me deixou aqui a pé e nem pagou a conta das refeições e os dias que aqui ficamos. Posso jurar por Deus que era o demônio! Somente ele me faria ceder as suas tentações. Ainda mais que deixou um grande cheiro de enxofre em minhas roupas e em meu corpo, que é o seu odor característico. Meu amor, nós fomos vítimas do Tinhoso! Vamos tomar isso como uma provação divina!
Venha me buscar urgente e traga dinheiro para pagar a conta e, quando chegarmos em casa, tomaremos banho e iremos até a igreja pedir ao pastor para exorcizar esse Satanás que tomou conta de nossos corpos.
Com o maior amor do mundo, sua querida,
                                                                   Marlene
Acabei de ler tremendo e fiquei p... da vida. Mas, que merda eu poderia dizer? Vou buscar aquela desgraçada, meter a língua no rabo e nunca mais inventar mentiras colocando o diabo no meio. Só queria era saber, quem foi esse filho da puta, que se passou pelo Satanás pra comer minha mulher?

*Escritor-Membro da Academia Grapiúna de Letras-AGRAL-antoniodaagral26@hotmail,com-antoniomanteiga.blogspot.com    
                                  

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