quarta-feira, 23 de outubro de 2019

A HISTÓRIA DO DOUTOR SABI!

Antonio Nunes de Souza*

-Boa tarde Dr. Sabi. Eu sou o jornalista José Roberto designado pela tv para entrevistá-lo, em função do senhor ter ganho o prêmio máximo da Academia Sul-americana de Psicanalistas!
-Boa tarde e muito prazer! Queira sentar-se, dê as coordenadas ao seu câmera e estou as suas ordens! 
-Geralmente as entrevistas são feitas através de perguntas e respostas, mas, o meu estilo é um tanto diferenciado e, como estou tratando com um homem qualificadíssimo e respeitado mundialmente, com o dom de oratório invejável, prefiro, se não for incômodo, ligar o microfone e a câmera e o senhor, sem interrupções, narrar a sua história desde criança!
-Será interessante dessa forma, pois, com a liberdade de falar o que desejo, certamente, contarei fatos desde minha infância até os dias atuais. Pois, sem querer ofender a capacidade jornalística de ninguém, já tive oportunidade de ser entrevistado em algumas ocasiões e, infelizmente, saí decepcionado com as tolas perguntas, comprovando o despreparo do entrevistador!
-Sou filho de família paupérrima, meu pai um lavrador analfabeto, assim como a minha mãe, ambos empregados de um velho coronel do cacau, itabunense que morava na cidade e fazia periódicas visitas a sua grande roça, produtora de 6 mil arroubas de cacau. Como você pode ver, sou negro, de descendência africana, uma vez que meus pais eram descendentes diretos de legítimos africanos. E, naquela época era comum os patrões, nas suas sabedorias, como era praxe os trabalhadores pedir aos patrões para batizar os seus filhos, eu fui batizado pelo coronel, na capela da fazenda, quando o padre vinha fazer mensalmente uma missa!
-Já com dez anos, forte e com ótima saúde, como era hábito, os patrões escolhiam sempre mocinhas e meninos seus afilhados, para dizer que iam cria-los na cidade e levavam para servirem de escravos domésticos, nos matriculando em escolas públicas a noite que, pelo cansaço do trabalho durante o dia, ficávamos quase cochilando nas salas de aula. Porém, como eu percebi que só quem tem valor nas cidades são as pessoas que sabem ler e escrever bem, fazia um esforço sobre humano e, não só estudava a noite, como também durante o dia em qualquer horinha livre, metia a cara no livro!
-Os filhos do patrão me colocaram logo o apelido da SABI. E eu, como nem sabia o que e porque, atendia por esse nome, enquanto todos davam risada. Eu até que achava engraçado, mas, nem sabia o porquê!
-Desculpe doutor a minha interferência, mas o seu nome não é Sabi?
-Claro que não! Mas, depois foi que eu fui descobrir que, por eu ser negro retinto e pequeno eles me chamavam de Sabi achando que eu era um saci com duas pernas. Assim formava uma junção da palavra “saci e de dualidade o bi”. Tenha certeza que fiquei com o maior ódio dessa discriminação e deboche que eles, sarcasticamente, procediam. Não que me sentisse inferiorizado, mas, pela maneira desprezível que era pronunciada com um sorriso de deboche nos lábios. Resultado é que todos da casa já me chamavam, até a asquerosa da minha madrinha que explorava meu trabalho infantil.
Mas, você pensa que todas essas coisas me melindravam? Nada disso, serviam de estímulos para que, com 17 anos já estar terminando meu secundário e preparando-me para enfrentar o vestibular. A essa altura já um rapaz, experiente e bem informado, fazia as funções domésticas, lavava os carros, limpava os sapatos, a piscina, lavava toda área em volta da grande casa, cuidava do jardim e da grama, além de compras e outros pequenos e grandes serviços. E isso tudo em troca de casa e comida e alguns trocados eventuais, pois eu não era empregado era um “parente” que ajudava nos serviços domésticos. Até as minhas roupas eu herdava das velhas e fora de moda dos seus dois filhos. Uns canalhas exploradores, que utilizavam esse método habitual na região!
Quando completei 18 anos fiz vestibular e passei em primeiro lugar em duas faculdades e segundo em outra, sendo bastante elogiado pela minha cor, perseverança, e ainda tive que suportar a minha madrinha se vangloriar e dizer que graças a sua bondade e cuidados que teve comigo, eu conseguir vencer essa etapa na vida.
-Vendo e sentindo isso, resolvi fazer um concurso, já que ganhei bolsa em duas das faculdades, além da federal e, pelo meu preparo e abnegação, consegui uma vaga de auditor no Estado, sendo o mais jovem dos meus colegas. Naquela época não era exigido nível universitário para trabalhar na auditoria. Imediatamente aluguei um pequeno apartamento quitinete num bairro suburbano, por ser mais barato e fui morar sozinho, mesmo levando a pecha dos meus exploradores de mal agradecido em abandonar os serviços, pois obrigariam eles pagarem, pelo menos, um salário mínimo à um substituto!
Com 23 anos terminei minha faculdade, sendo um dos mais brilhantes da turma e, por essa razão, tornei a ganhar uma nova bolsa, desta feita para fazer pós graduação e mestrado. Não pestanejei e nem de longe deixei de estudar em qualquer minuto livre, procurando sempre ser o melhor e conseguir meus objetivos. Na minha tese de mestrado apresentei um trabalho que foi publicado nos Estados Unidos, com uma admiração tão grande pela minha classe que, a Oxford University me convidou para fazer o doutorado sem nenhuma oneração de custos e ainda uma bolsa complementar de mil dólares mensais para minhas despesas com livros e alimentação!
-A essa altura, pelo hábito de viver anos sendo chamado de SABI, todos os meus trabalhos publicados em revistas especializadas, seminários, conferências, etc., eu sempre usei o meu apelido como pseudônimo. E, como meus trabalhos sempre foram marcantes e provocavam discursões elogiosas, ninguém se preocupara em saber, na verdade, como era o meu nome real. Até a mídia, quando fui lançar meu primeiro livro, com 32 anos de idade, com todos os certificados da linha profissional e curricular, bradou e escreveu em letras garrafais: Doutor SABI lançará seu livro em S. Paulo e este foi elogiado e prefaciado pelo grande filósofo e prêmio Nobel da Literatura Fernando Caldas!
-Depois disso, passei a continuar estudando, fazendo cursos em Cornnel, Cambridge, França, Suíça, Alemanha e outras partes do mundo, já publiquei 23 livros, onde cito as minhas experiências vividas, pesquisas comprovadas, desenvolvimentos mentais e espirituais, as análises e suas nuances, em fim, os segredos da mente humana!

-E, por conta de tudo isso, fui gentilmente agraciado com essa honrosa premiação!
-Sensacional a sua história doutor Sabi. Tenho certeza que servirá de estímulo para muitas pessoas, perceberem que, em vez de se melindrarem, terem coragem frente as adversidades e preconceitos, lutarem mostrando que são capazes de alcançar admiráveis posições profissionais!
-Para finalizar eu gostaria que o senhor dissesse como é o seu verdadeiro nome para os nossos telespectadores!
-Meu nome é Adalmir Theodorico Pacheco de Farias!

*Escritor – Membro da Academia Grapiúna de Letras – AGRAL – antoniodaagral26@hotmail.com



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