Antonio Nunes de Souza*
Quando abri o quarto, depois de forçar bastante a
porta, deparei com Lúcia sentada, cabeça sobre a penteadeira, respingos de
sangue no espelho e, no tapete branco, uma enorme mancha vermelha escura
decorrente do seu trágico gesto. Ainda em sua mão, segurava firmemente o revólver
causador daquele estrago. Corri desesperado colocando-a em meus braços, mas,
infelizmente, já era tarde demais. Lúcia estava morta!
Uma crise de choro apoderou-se de mim, ao tempo que
a apertava contra meu corpo, estarrecido e surpreso pela sua grotesca atitude
suicida, querendo entender o “por que” de tal gesto.
Mesmo com minha cabeça totalmente debilitada pela
cena e o fato, tentei a todo custo rememorar tudo de nossa vida, no sentido de
captar alguma coisa ou motivo que pudesse de alguma forma, leva-la a desejar
acabar com a sua linda e jovem vida.
Conhecemo-nos há dois anos trás, estudávamos na
mesma faculdade, sendo que eu fazia economia e ela enfermagem. Fomos
apresentados por um amigo comum e, logo, logo, nos identificamos e começamos a
namorar. Como era nosso último semestre, com as preocupações das provas finais,
teses, plantões, etc., nossos encontros eram restritos apenas aos fins de
semana, ocasiões que aproveitávamos bastante para conversar, ir ao teatro,
cinema, trocar informações, quebrar as tensões dos estudos e curtir nossa
alegria e felicidade. Amávamos-nos profundamente! Somente em olhar para o meu
rosto, sentia o prazer incomensurável de estar ao meu lado, sendo que essa
reação era idêntica da minha parte. Não vivíamos um para o outro, vivíamos
ambos, despojando-nos de todos os bons sentimentos, para que nos
transformássemos em uma pessoa só. Um amor raro, belo e invejável!
Como éramos do interior, eu morava em um modesto
pensionato e Lúcia dividia o apartamento com uma amiga. Ela somente dedicava-se
aos estudos, sendo provida totalmente pelos seus pais. Quanto a mim, fazia
trabalhos eventuais, principalmente pesquisas e projetos, para complementar
minha manutenção, pois meu pai não tinha condições de bancar-me na capital.
Além do meu sacrifício, uma tia ainda me ajudava eventualmente. Minha formatura
era o esperado orgulho de toda família. Seria eu o primeiro de duas gerações a
completar o curso superior, que para eles era chamado pomposamente de doutor.
Depois de desfilar todos os meus pensamentos
procurando razões ou motivos, infelizmente, nada encontrei que, mesmo de longe,
justificasse tal gesto! Aos prantos, chamei os colegas dela vizinhos e eles se
encarregaram de ligar para a polícia. Depois de alguns dias, já feitas as
perícias e comprovadas que foi uma atitude solitária e suicida sem nenhuma
explicação, ficamos todos na obscuridade de uma justificativa, uma vez que não
foi deixado nenhuma carta ou bilhete e o revolver foi comprado por ela mesma em
uma loja da cidade.
Hoje, dez anos depois, não consegui esquecê-la
completamente e, sinceramente, vivo intrigado como uma pessoa amando e sendo
amada por todos, realizando-se profissionalmente, inteligente, educada e feliz,
comete tal loucura. Só posso dizer que são fatos inexplicáveis dessa Vida Louca
que vivemos!
Quando nessas situações ouço alguém dizer: “Deus
sabe o que faz!”, não ouso duvidar, mas...
*Escritor (Blog Vida Louca –
antoniomanteiga.blogspot.com – antoniodaagral26@hotmail.com)
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