Antonio
Nunes de Souza*
Com
a aproximação dos festejos natalinos, jamais poderia me esquecer de Zeca
Barbudo que, por cultivar carinhosamente uma bonita barba branca, ganhou esse
apelido há bastante tempo. E, em função disso, sempre fazia o papel de Papai
Noel nas festas da sua família como também em alguns eventos das escolas dos
seus filhos. Lógico que tudo isso era uma graça para ele, pois não tinha
nenhuma remuneração, mas, via-se em seu rosto, mesmo maquiado, o brilho da sua
satisfação. Era um Papai Noel de mão cheia e dava seu recado com amor, beleza e
educação. Por esses motivos, evidentemente, era amado pela criançada e suas
mães corujas que acompanhavam suas lindas crias!
Os
anos foram passando, sua fama crescendo na cidade e um dia, inesperadamente,
recebeu uma carta de um grande Shopping Center, solicitando sua presença para
uma reunião, no sentido de tratar de assuntos do seu interesse. Obviamente,
ficou curioso, porém imaginou que poderia ser uma boa proposta de emprego já
que tinha como profissão a área da economia e administração de empresas e,
ainda com cinqüenta e nove anos, já estava aposentado, procurando algo para
fazer no sentido de ampliar seus rendimentos.
No
dia marcado, colocou seu blazer favorito e, sem pestanejar, saiu de casa em
direção a empresa, já pensando que voltaria a ter a sua sala e retornar ao
trabalho que tanto lhe agradava. Entretanto, chegando lá foi bem recebido pelo
diretor de recursos humanos, acompanhado do responsável pela agência de
publicidade, sentaram-se e, sem delongas, foram logo dizendo: Você é exatamente
o homem que estamos precisando muito nesse momento! Não precisa dizer que essas
palavras encheram seu ego de confiança e alegria, dizendo pra si mesmo: Oba! Já
estou empregado!
-Poderiam
me explicar com mais clareza de que se trata?
-Fizemos
um estudo, pesquisamos sua pessoa, comportamento e chegamos a conclusão que o
senhor poderá ser o símbolo do nosso Natal, representando a figura de Papai
Noel.
-Senhores,
embora já tenha feito esse bonito papel dezenas de vezes para a família e
eventos de amigos, não levo isso à sério como uma profissão complementar que
possa ser usada comercialmente.
-Pois,
a partir desse momento, passe a encarar essa nossa proposta como algo especial,
uma vez que estamos dispostos a lhe remunerar com R$20.000,00 pelo seu trabalho
de apenas 6 horas diárias durante os meses de novembro e dezembro. Com
refeições e lanches, além de um carro para buscá-lo e levá-lo para casa
diariamente. Apenas não terá folgas, pois nossas lojas abrem todos os dias.
Em
princípio, achando que seria apenas um bico sem maiores significações, até riu
intimamente, contudo, pela nota que iria receber para fazer algo que lhe
deixava feliz, acabou aceitando, sem mesmo comunicar a sua família. Imaginando
como seria engraçado contar para a mulher, filhos e seus melhores amigos. Assim
sendo, ficou tudo combinado, assinaram contrato e já marcaram para ele tomar
instruções sobre o comportamento que teria que exercer durante o trabalho.
Voltou
para casa, sorrindo sozinho em função da proposta inesperada, para fazer algo
que, certamente, além de fazer a felicidade da criançada, também o deixaria com
o espírito elevado perante Deus. Achou que receberia uma gozação emérita de
todos, mas, ao contrário disso, foi agraciado com carinho e estímulos de todos
que, orgulhosos, ficaram loucos para vê-lo em ação.
No
seu primeiro dia, logicamente um pouco nervoso por ter que enfrentar milhares
de pessoas diariamente, estar sempre sorridente e abraçar as centenas de
crianças que o rodearia. Porém, seguiu em frente, dirigiu-se ao departamento de
maquiagem para ampliar a barriga quase inexistente, além de colocar suas
bochechas avermelhadas como são representadas a de S. Nicolau. Seguiu para sua
cadeira de espaldar alto e toda trabalhada, bastante acolchoada, braços
confortáveis, banco para descansar os pés, etc. Um conforto digno do rei da
festa. Sentou-se relembrando as recomendações do diretor de marketing e,
silenciosamente, fez uma oração, pedindo a Deus que tudo funcionasse a
contento.
Na
proporção que o shopping ia enchendo, maior era o número de crianças, suas
devotas mães os colocavam em seu colo para tirar fotos, cochicharem seu pedidos
de presentes, dar beijos e abraços, enfim, curtirem aquele momento de sonho e
afetividade que as criançadas dedicam ao seu maior doador de presentes na
infância. Ouvia tudo com carinho, minimizando com cuidados os pedidos mais
absurdos, prometendo que tentará cumprir, etc.
No
fim do seu expediente, bastante elogiado pelo pessoal da empresa e os lojistas
esperançosos por boas vendas, se desfez de suas vestes, indo para casa no
veículo fornecido pela diretoria. Lá chegando foi recebido com beijos, abraços
e um jantar especial comemorativo pela sua nova e maravilhosa função
profissional. Porém, ao deitar-se, resolveu passar um filme dos seus contatos
com as crianças e, com sua memória privilegiada, passou a lembrar de alguns
pedidos carregados de inocência e amor, onde a maior preocupação era com a
segurança de seus pais e irmãos, implorando que os protegessem dos ladrões,
assassinos, motoristas bêbados, policiais perversos e incompetentes, balas
perdidas e outros perigos maiores e menores que, pelas suas idades, me deixaram
bastante estarrecido, mas, lembrei-me que, com as informações diariamente e
constantemente das TVs, essas crianças já estavam super familiarizadas com
essas barbaridades das nossas loucas vidas cotidianas. Alguns, por incrível que
possa parecer, pediram para que eu não deixasse nem seu pai nem sua mãe os
matassem! No meio da multidão você, logicamente, promete quase tudo,
principalmente esses pedidos esdrúxulos, mas, naquele momento que você tem de
paz para raciocinar, começa a sentir como a selvageria está tomando conta dessa
nova geração que, logicamente, serão os futuros dirigentes da nação. Esse
detalhe foi marcante e deixou-lhe pensativo e aflito por longo tempo, até que o
cansaço o levou para os braços de Morfeu!
Na
manhã seguinte, ainda inculcado com aqueles pensamentos nada agradáveis, fez
algumas coisas em casa e, as 14:00 horas o carro chegou para levá-lo.
Preparou-se e seguiu para seu especial lugar, onde já havia uma grande formação
de aconchegantes mães e crianças para a rotina normal do contato pessoal com o
velhinho presenteador. Seguiu normalmente com suas atividades, que se tornam
uma rotina diária, mas, existe uma mudança constante nos pedidos,
principalmente os mais absurdos e inviáveis de serem cumpridos, somente se for
uma dádiva divina, pois, a capacidade humana sem estar aliada a uma boa
solidariedade, dificilmente poderá dar resultados alentadores e respeitáveis na
nossa vivência cotidiana. Existem duas vertentes de comportamentos: a boa e a
ruim!, Porém, por uma burrice descomunal, o homem apóia a segunda, sem atinar
que agindo assim está criando cobras para serem picados no futuro. São uns
tolos travestidos de sabidos!
Esses
pensamentos todos passaram e continuam passando pela cabeça do nosso querido
Zeca Barbudo, deixando-o triste, ressentido dentro de uma depressão, uma vez
que não consegue se convencer que estamos vivenciando um sistema estúpido de
individualismo e egoísmo. Tornou a voltar para casa no horário normal,
carregado de alegrias e, em seu saco mental, não deixou de gravar as lamúrias e
os pedidos terríveis feitos pelas crianças, esperançosas da sua competência em
realizar seus desejos afetivos e materiais. Nada comentava a esse respeito com
os familiares, guardando dentro de si todas as mágoas que o atormentavam.
Alguns
dias depois, já costumado e com desenvoltura no trabalho, ao cair da tarde,
ladrões tentaram roubar uma joalheria e, com o aparecimento da polícia, começou
um bruto tiroteio no ambiente, muitas correrias e Zeca Barbudo naquele momento
estava com duas crianças no colo e para protegê-las, se levantou correndo
exatamente para a saída, onde, infelizmente, estava centralizada a artilharia.
Nesse instante, não sabendo de onde, recebeu um certeiro tiro no tórax,
deitou-se sobre as crianças para protegê-las e desmaiou. A confusão acabou,
chamaram o SAMU para atendê-lo e algumas outras pessoas com ferimentos leves em
função das correrias. Quando o colocaram na maca, completamente imóvel e mudo,
Zeca ouviu de uma criança aflita que gritou bem alto: Papai Noel não morra antes
do Natal para você me dar meu presente! Ele, fazendo uma força que somente Deus
poderia lhe dar naquele momento, abriu os olhos, disse que sim e, duas lágrimas
saíram escorrendo em sua rosada face, enquanto seu corpo dava os últimos
estertores da morte!
Perdemos
todos, esse homem bom, solidário, humano, um exemplo de como deveríamos ser
todos nós. Jamais esqueceremos Zeca Barbudo que, com seu sorriso e suas vestes,
encantou e deu brilho a centenas de festas natalinas e, por uma razão que
jamais tive explicação plausível, foi levado num dos momentos mais felizes de
sua gloriosa vida.
Reconheço
a minha dúvida de fé, mas jamais me conformarei com o dito popular já enraizado
perante os religiosos: “Os bons Deus leva para perto Dele!”. Será essa uma
medida cheia de sensatez?
*Escritor
– Membro da Academia Grapiúna de Letras de Itabuna –
antoniodaagral26@hotmail.com