sexta-feira, 17 de abril de 2020

RETORNO AS ORIGENS!

      

  Antonio Nunes de Souza*


Eu morava numa cidade de interior, mais atrasada do que noiva na hora do casamento. Basta dizer que no dia da instalação do primeiro e único orelhão existente, teve até banda de música e discurso do prefeito. E, para a decepção da multidão aglomerada na praça da Matriz, na hora de fazer a ligação inaugural, o desgraçado ficou mudo e desabou uma forte chuva dispersando a boquiaberta e orgulhosa platéia, que há dias vinha se vangloriando de estar entrando na era da comunicação.
Televisão, nem pensar! Nos conformávamos com nossos rádios, que estrondavam descargas quando queríamos ouvir as rádios da capital e apitavam mais do que os guardas da Av. Paulista na hora do rush, quando ousávamos coloca-los em ondas curtas.
Não existia luxo. Todo mundo andava de sandália japonesa (hoje a famosa havaiana) ou então com chinelos. Sapatos e roupas melhores, tirando as autoridades, só usávamos nas festividades da padroeira, N. S. dos Aflitos (até a santa de lá parece que foi escolhida a dedo). Nas noites do novenário as quermesses rolavam soltas e os namoros também.
O bom é que todo mundo era praticamente igual. Tinha que se fazer um nivelamento por baixo, pois a pobreza era grande maioria. Isso facilitava muita coisa pra todo mundo.
A maior vantagem era que tinha, pelo menos, dez mulheres para cada homem. Não que lá só nascia criança do sexo feminino! A razão dessa fartura era porque, como a cidade não tinha e não oferecia condições de trabalho, os rapazes quando completavam dezoito anos, se mandavam para S. Paulo, em busca de um futuro melhor na maior capital da América Latina. Normalmente só ficavam aqueles que a família tinha alguma condição econômica, quer seja na área do pequeno comércio ou micro faixas de terras com plantações de subsistência e algumas vaquinhas leiteiras.
Se alguém me perguntasse qual era a fonte de renda daquele lugar, juro que não teria uma resposta para dar. Pois, nem mulher rendeira existia por lá. Com certeza, só ganhou o status de cidade em função de interesses políticos de um deputado da região, que lá aparecia somente nas épocas de eleições e, com esse beneficio, transformou o lugar em seu curral eleitoral.
Somente hoje, após conhecer outros centros, posso avaliar a miséria que era minha cidade. Se na procissão você lá do fundo gritasse: Oh pobre!  Pode ter certeza que todo mundo virava pra trás.
Carro só existiam três: Um do padre (padre não tem salário, não ganha nada, mas sempre mora bem, tem prestígio e leva uma vida boa), um do juiz e outro da prefeitura. Tirando o da prefeitura, que era uma Kombi, os outros eram dois fusquinhas velhos e comprados de segunda mão.
Saí de lá há alguns anos depois da morte de meus pais. Vendi a velha padaria que ele conservava com prazer e a alegria de atender no fim da tarde e ao amanhecer, a sua freguesia que, obviamente, comprava fiado através de uma caderneta, para pagar no fim do mês!

Já aposentado, resolvi voltar a minha saudosa cidade para rever amigos, pois não havia deixado parentes. Imaginem vocês que encontrei, praticamente a mesma coisa, algumas poucas novas construções meus velhos amigos jogando dama ou dominó nas portas das quitandas e barbearias, todos velhos, mas, curiosamente felizes com suas vidas pacatas, sem preconceitos e muitas solidariedades.
Fiquei super alegre e feliz de ver que, minha pequeníssima cidade, dava uma lição de qualidade de vida e de como era belo viver em comunidade!
Como seria bom fazer um filme e distribuir nos cinemas do mundo, dando um exemplo de saber viver e que nem sempre os progressos são bons para as pessoas conviverem em harmonia!
Juro que esse meu retorno foi inesquecível!

*Escritor-Membro da Academia Grapiúna de Letras-AGRAL-antoniodaagral26@hotmail.com-antoniomanteiga.blogspot.com




Nenhum comentário: