Antonio Nunes de Souza*
Como tinha combinado, fui passar o carnaval
em Salvador para conhecer a tão falada “maior festa da face da terra”.
E não é que é verdade? Acabou de acabar e não me contive em pegar na
caneta para escrever-lhe detalhadamente tudo que me aconteceu. Foi uma das
coisas mais estranhas e encantadoras que já vi em toda minha vida de homem do
interior.
Pra começar realmente do começo, tenho
que lhe dizer que vendi duas cabeças de gado e apurei 630 contos para destinar
à minha folia. Fui à loja de Osvaldinho de Judite, comprei duas bermudas
daquelas de várias cores, bolsos e tachinhas (que aqui quem usa é chamado de
viado), dizendo que era para dar de presente aos parentes da capital. Cortei as
mangas de quatro camisas que já estavam meio enxovalhadas, peguei um par de
congas azuis e disse pra mim mesmo: Estou pronto para enfrentar as gatas, os
turistas e os soteropolitanos!
Peguei o ônibus que vem de Brumado e
passa aqui pelo vilarejo, isso já com minha sacola da Company, que comprei na
mão de Zé Camelô, cheia até o gogó pelos meus apetrechos carnavalescos.
A viagem parecia que não acabava mais.
Foram cinco horas e meia de solavancos e asfalto, até que chegamos na
rodoviária. Não nego não! Fiquei assombrado com o tamanho da cidade e o bolo de
gente fazendo uma confusão dos pecados nos embarques e desembarques. Fiquei
olhando pra todos os lados a procura de compadre Ziza, que ficou de me esperar
e nada de ver o cara. Encostei em um canto bem exposto para que ele me visse,
mas demorou mais de uma hora e nada de aparecer alguém. Comecei a ficar nervoso
e sem saber o que fazer, pois ele não tem telefone e, na agonia, tinha me
esquecido em casa o seu endereço. Só sabia que o bairro que ele morava
chamava-se Cajazeiras.
Puta merda! O que é que vou fazer agora?
Bem, já que eu estava aqui e não sou
nenhum tabaréu, resolvi ir logo para a Barra, pois havia ouvido falar que lá é
que era o circuito da folia (pra mim, circuito era coisa de energia elétrica.
Mas... seja o que Deus quiser).
Rapaz, isso foi no sábado à noite. E,
quando eu consegui chegar, depois de pegar quatro ônibus errados, já passava
das vinte três horas. Fui logo me deparando com um trio elétrico, que vinha
parecendo um furacão daqueles que a gente vê no cinema em filme de tempestade.
O povo vai pulando como loucos e quem estiver na frente eles vão pisando e
dando cotoveladas, até arrancar as tripas da gente. Tomei cada pisada nos pés
que chegava ver estrelas de tanta dor. Com uma mão eu me defendia dos empurrões
e com a outra segurava a sacola com toda força para não perde-la. Mas, foi em
vão! Quando um desgraçado de lá de cima do trio gritou: Levanta o pé do chão,
galera! Deram-me um empurrão tão filho
da puta, que minha sacola voou longe e eu fiquei apenas segurando a alça como
lembrança. Aí eu enlouqueci, pois toda minha roupa e dinheiro estavam dentro
dela. E o que eu ia fazer sem roupas, sem dinheiro e sem teto para me hospedar? Quanto mais eu gritava: Minha sacola! Minha Sacola!
O povo pulava e me pisava cada vez mais.
Uma mulher, com pena de mim abraçou-me
e, beijando-me carinhosamente, afastou-me daquela confusão. Quando paramos em
um canto, me refiz e olhei para a mulher para agradecer a filha de Deus, tomei
um susto retado, pois a mulher era um travesti.
Empurrei o desviado para trás e
disse: Qualé cara! Tá pensando que eu
gosto dessas coisas?
-Calma bofe. Estou aqui para ajuda-lo
numa boa.
-Vá ajudar a puta que lhe pariu! Eu vim para Salvador para brincar o carnaval
e transar com as mulheres mais lindas do Brasil. Se eu gostasse de viado eu ia
passar o carnaval na selva amazônica.
A bicha ficou parada me olhando e,
naquele momento, lembrei-me que estava perdido, sem dinheiro, sem roupas e não
conhecia ninguém na cidade. Achei que não podia tirar uma de valentão e nem de
machão, senão estaria totalmente na merda. Então logo falei:
-Desculpe, cara. É que eu estou
desesperado e aflito. E essa situação pra mim é muito estranha. Acabei de
chegar do interior, ninguém estava me esperando e agora estou perdido na cidade
e sem nem um puto pra poder me hospedar em uma pensão. E logo de cara me bato
com você e eu não sou chegado a essas coisas.
-Se você quiser pode ficar em meu
apartamento hospedado até acertarem as coisas. Creia que nada acontecerá entre
nós dois. Eu prometo!
-E nem pense nisso! Meu ramo é xoxota
desde menino.
-Todos me chamam de Gisele, mas meu nome
é Ari e moro na Rua do Sodré, 74, bem perto do Largo Dois de Julho. Vamos até
lá para você tomar um banho, eu lhe empresto umas roupas limpas e vamos
procurar os seus parentes. E, ao mesmo tempo em que estaremos procurando, vamos
brincando nosso carnaval e vou mostrando-lhe as belezas de Salvador.
-Tá legal! Mas somente como amigos. Meu
nome é Marcelo. Nada de falar ou fazer sacanagens. Quando eu voltar mando
dinheiro para pagar tudo que você gastar comigo.
Fomos para o apartamento, tomei um puto
banho e, quando saí do banheiro, já estava uma macarronada cheirosa e deliciosa
esperando-me na mesa, acompanhada de uma cerveja toda anuviada de gelada que
estava. Aí eu pensei: Foi Deus que botou esse viado em meu caminho. Está
quebrando-me um galho da porra com essa acolhida.
Quando acabei de comer e beber, Gisele
apareceu com um short cor de rosa e verde e uma camisa branca cheia de paetês e
disse: Vista essa roupa e vamos para a folia. Quando olhei para a indumentária,
imaginei logo se a turma da minha cidade visse eu vestido daquela maneira, todo
de verde/rosa e paetês, me chamariam logo de bichona da mangueira. Mas, como
aqui ninguém me conhece, vou tomar todas e curtir o reinado do Momo.
Acredito que vou me dar bem, pois, na
minha cidade, todo viado anda arrodeado de mulheres e, com certeza, aqui na
capital deve ser bem melhor e vão sobrar muitas pra mim. Isso eu ia pensando
enquanto caminhávamos pela Avenida Sete em direção ao Campo Grande. A cidade
parecia um formigueiro de tanta gente. E, quando nós íamos passando pela porta
do Hotel da Bahia, um grupo de rapazes vestidos de índios, passaram as mãos em
nossas bundas e gritaram: Venham cá meninas! Sentem aqui em nossos colos! Gisele ficou elétrica de alegria, mas eu
fiquei puto da vida e xinguei a mãe de todo mundo.
Eles caíram na risada e gritaram: Meu Deus!
Essa bicha é valentona. Calma minha filha que você vai arranjar um negão
do Olodum, que vai deixar você bem calminha e sem poder sentar por uma semana.
Há! Há!!
Há! Há!
A única coisa que pude fazer foi dar uma
risada também, levando aquela merda na esportiva e curtir meu carnaval. Se a
merda do programa tinha dado errado, o que eu tinha agora era aproveitar a
situação para não perder a viagem tão programada com antecedência.
Ao chegar no Campo Grande foi uma
loucura. Era um trio atrás do outro, gente pra caralho e uma esfregação da
porra. Gisele segurou na minha mão para que eu não me perdesse de novo e eu a
agarrei firme também, com medo de ser arrastado pela multidão. Ela colocou-se
em minha frente, botou as minhas mãos em volta da sua cintura e ia pulando na
frente para abrir caminho. Não nego não! Ela mexendo e se esfregando, não deu
outra. Mesmo sem querer eu já estava excitado com aquela bunda grudada em minha
virilha.
Eu só fiz baixar a cabeça pra não dar um
azar de me deparar com alguém conhecido e me ver naquela situação nada abonadora
para um homem sério do interior. Gisele quanto mais sentia o volume, mais
requebrava e procurava os lugares mais cheios para a esfregação ser melhor.
Tudo isso era novo para mim, mas, no fundo, no fundo, estava até gostoso.
Aquela altura eu já estava suado pra
caralho e paramos para comprar umas latinhas de cerveja. Continuamos a
caminhada e já estávamos na ladeira da Barra, quase chegando ao porto. Gisele
sempre olhava para mim com uma cara safada e perguntava: Está gostando, Celo? E eu, para não desagrada-la, sempre dizia que
sim. Mas, a verdade é que eu estava achando uma loucura total, porém bem
divertida.
Ao chegarmos no porto encontramos
turistas de todos os tipos (nacionais e internacionais). Uma loura que passava,
pegou em meu queixo e disse: Raí du iu du, beibe? Eu não entendi nada, mas Gisele gritou logo:
Qual é a sua, Mona? O bofe aqui tem
dono! A loura seguiu em frente e eu fiquei sem saber qual era o caso.
Paramos em uma barraquinha e Gisele
comprou duas bebidas duplas chamada Capeta, mandou que castigasse na vodka e
guaraná em pó, dando-me uma para beber. Como a coisa estava interessante eu não
estava ligando pra mais nada e só queria saber de me divertir e tomar tudo que
tinha direito, mandei bala e bebi de uma só talagada. Parecia refresco, mas,
quando começou a surtir efeito, minha cabeça ficou a mil. Àquela altura o meu
lema era: O futuro a Deus pertence!
Para atravessar do porto até o farol,
tivemos que passar por uns becos, que eu nunca vi tantas bichas reunidas em
minha vida. Nem parecia que eu estava nesse mundo de meu Deus. Tantos homens se
beijando e se agarrando que mais parecia uma suruba de Lúcifer nas profundezas
do inferno. Logo que Gisele apontou, um grupo de desvairadas gritou: Queriiiiiiiiiiiiiiiiiiidaaaaaa, quem é o
bofe? Eu larguei a mão dela rapidamente
e fiquei logo escabreado, procurando não querer dar na pinta que tinha algo com
ela.
-É meu amigo Celo, que veio do interior
passar o carnaval comigo.
Eu já ia abrindo a boca para dizer que
não era nada disso. Mas preferi ficar calado, pois explicar alguma coisa àquela
altura, era bem pior e não ia convencer ninguém. Dei um sorriso amarelo e todas
começaram a beijar o meu rosto, dizendo: Muito prazer, meu lindo. (Puta merda,
se alguém da minha cidade me visse agora, eu estaria fodidíssimo e teria que
mudar até de país.
Eu jamais poderia imaginar que Salvador
fosse essa putaria toda. Pensei que aqui a gente tomava era muita surra de
xoxota em cada esquina, mas, as bichas estão tão loucas e numerosas, que
avançam e não dão nem chance para as xerecas. Que concorrência filho da
puta! Só acredito porque estou vendo e
sentindo na pele.
Finalmente chegamos no tal do Farol da
Barra. Uma concentração de gente que eu
nunca tinha visto em minha vida. Parece que o povo do mundo todo tinha se
reunido ali para brincar o carnaval.
-Ali é o Edifício Oceania e aquele
camarote no primeiro andar é de Gilberto Gil. Disse Gisele apontando com o dedo
num gesto tremendamente aviadado. Olhei para cima e vi na sacada um cara
parecido com Caetano Veloso e perguntei para ela: É ele?
-Claro que é. Caetano é aquele que está
junto daquele cara de cabeça branca. Naquele camarote está reunida a fina flor
do carnaval baiano e muitas estrelas globais. Mas, para entrar lá só com convite
especial.
Nesse momento começou a passar o trio de
Ivete Sangalo puxando um bloco e nós fomos acompanhando e pulando por fora da
corda, não deixando de tomar uma porrada de empurrões e pisadas. Mas, estava
gostoso demais! Eu já estava no maior fogo, pelos efeitos dos capetas e não
soltava mais a cintura de Gisele por nada desse mundo, pois, se a soltasse,
poderia me perder e ficar na rua na maior merda e, ao mesmo tempo, não sei se
era pelo álcool, mas já estava acostumando-me com a idéia de terminar comendo
Gisele.
Quando chegamos em Ondina, isso as
quatro e trinta da manhã, eu estava fodido de cansado, os pés inchados, meu
conga preto de lama e a roupa molhada de suor.
A danada da Gisele estava quase impecável. Não sei como ela conseguia se
manter com a maquiagem perfeita, enganando a quase todos, na condição de não
ser mulher (mas, como sempre soube que bicha tem arte...).
Eu até gostei disso, pois nem todo mundo
percebia alguma estranheza no casal. E aí dava para eu encarar melhor a
situação.
Como era o meu primeiro dia e já não aguentava
mais, pedi a Gisele para irmos descansar no apartamento, pois precisava dormir
um pouco para enfrentar o dia seguinte. Sinceramente, eu nem me lembrava mais
de compadre Ziza.
Ela concordou e chamou um táxi pra nos
levar. Eu perguntei baixinho em seu ouvido, se ela tinha grana para o táxi, e
ela respondeu que sim, pois ela trabalhava com computação gráfica e ganhava
bem.
Estava cochilando em seu ombro e acordei
quando Gisele avisou que já tínhamos chegado. Ela pagou o táxi, subimos a
escada, entramos no apartamento, tomamos um banho quente maravilhoso, comemos
alguma coisa e não deu outra: Transamos até o sol raiar! Digo com sinceridade, não senti falta de
xoxota. Gisele é uma mestra em sacanagem e sabe fazer a gente gozar de todas as
maneiras possíveis.
Caímos no sono e só acordei às três
horas da tarde. Olhei para o lado e vi Gisele nua de barriga pra cima e tomei o
maior susto quando vi o seu pau duro pelo tesão de mijo, apontando para mim.
Logo pensei horrorizado: “Putaria como essa, só se vê na Bahia!”
Pois é, Zezinho. Os outros dias de
carnaval eu não posso nem lhe contar, mas, quando você vier aqui em Salvador,
pode ficar hospedado conosco, que eu e Gisele contaremos maiores detalhes. Não
é amor?
–Claro, Celo! Diga ao nosso primo que estou mandando um
beijo pra ele.
Tenha certeza, Zezinho, que esse foi o
maior carnaval da minha vida.
Um abraço,
Marcelo e Gisele
*Escritor-Membro da Academia Grapiúna de Letras-AGRAL-antoniodaagrl26@hotmail.com-antoniomanteiga.blogspot.com
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