Antonio Nunes de Souza*
Finalmente
realizei o meu sonho! Depois de andar de
bicicleta por mais de dez anos, economizando transporte coletivo, deixando de
tomar umas biritas e sem ir aos forrós e pagodes, comprei meu primeiro carro.
Sem querer exagerar, não
consegui dormir durante toda noite pensando na minha caranga e, ao mesmo tempo,
quase que de meia em meia hora ia olhar pela greta da janela se o carro
realmente estava na porta. Sabe como é hoje em dia, não podemos facilitar com
os ladrões. E isso me deixava apreensivo e intranqüilo.
Era um Chevette vermelho, ano
1990, chaparia precisando de alguns retoques (o primo da minha mulher é
chapista e já tinha prometido consertar), parte elétrica toda encima, somente o
farol esquerdo que não estava acendendo e o arranque algumas vezes falha e
precisa de um tombinho para pegar. Quanto aos pneus, os dianteiros estão meia
vida, os traseiros semi-carecas. O socorro, por azar, foi roubado juntamente
com o macaco e a chave de rodas. A pintura geral está meio fosca, porém me
programei para dar uma lavagem em regra e o maior grau com uma pasta
apropriada. Mas, em compensação, o triângulo é novinho em folha. Fora essas
bobagens ele está uma jóia. O dono da loja, seu Jorge Bombinha me deu todas as
garantias de que eu estava fazendo um bom negócio.
Acordei na manhã do sábado,
depois de ter apenas dado algumas cochiladas e as 6:30 hs. já estava com o
balde e a flanela na mão preparando-me para uma lavagem geral. Meus três
filhos, que também estavam elétricos, corriam em volta de mim, olhando com
orgulho aquela enorme máquina que representava nossa melhoria de status perante
a vizinhança. Não via a hora do pessoal acordar e ver meu carro lavadinho e
estacionado no terreno baldio em frente a casa, pois sabia que todos viriam
perguntar se era realmente meu e quanto tinha custado. Claro que eu ia aumentar
um pouco o preço que paguei, para valorizar meu precioso patrimônio. Suado pra
cacete, terminei a lavagem, fui tomar um banho com os meninos e, imediatamente,
peguei a patroa para darmos nosso primeiro passeio pela cidade. Mas, bastou
sairmos do bairro Jaçanã, quando entramos na Av. Manoel Chaves tinha um grupo
de policiais fazendo uma blitz. Mandaram que eu encostasse e apresentasse minha
habilitação e os documentos do carro. Eu, tranquilamente, peguei tudo e
entreguei ao guarda. Aí começou toda merda: O IPVA tinha quatro anos de
vencido, minha habilitação dizia que eu só podia dirigir usando óculos e eu
estava sem e o extintor de incêndio estava vazio. Problemas bastante para que o
guarda dissesse que eu seria multado, o carro apreendido e, sendo fim de
semana, que eu poderia ir na segunda-feira ao DETRAN para regularizar minha
situação e a do carro. Mesmo tentando sensibilizar os guardas nada consegui, e
comprovei mais uma vez que pobre não ajuda pobre nessas horas, pois se fosse um
rico ele nem mandaria parar o carro, quanto mais ter a ousadia de prender e
multar. Imagine você que eu ainda sou preto para completar a desgraça. Nessas
horas eu nem quero que filho da puta nenhum se refira a mim como
“afro-descendente”. Sou negão, suburbano, pobre e excluído, vivendo debaixo de
um preconceito que tentam disfarçar.
Peguei a família e voltamos
para casa de ônibus, tristes e calados imaginando a vergonha que passaríamos
com a vizinhança.
Infelizmente, esse foi meu
sonho que virou pesadelo!
*Escritor membro da Academia
Grapiúna de Letras – antoniodaagral26@hotmail.com
– antoniomanteiga.blogspot.com
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