Antonio Nunes de Souza*
Ainda em
plena puberdade, levado pela influência dos meus colegas, resolvi ir à casa de
uma velha cigana aposentada, que não mais fazia seus passeios errantes pelo
mundo a fora, estabelecendo-se em nossa cidade e vivendo de ler mãos, jogar
cartas, pretensiosas curas de doenças e vícios e, principalmente, fazer fluir
paixões fervorosas para os feios solitários. A sociedade censurava o seu
trabalho, chamavam-na de embusteira, mentirosa, etc., mas, em surdina, todo
mundo, eventualmente, a procurava para consultas, acreditando piamente em suas
premonições e conselhos.
E comigo não
seria diferente. Se a turma vai, lógico que eu terminaria indo também!
Fui
acompanhado por meus amigos Gabriel e Guimarães, pois ambos já tinha ido umas
duas vezes e disseram-me que tudo que ela falou tinha dado certo, inclusive uma
dica sobre uma loura que Gabriel paquerava a distância, sem coragem de encostar
e, pelas recomendações e instruções dela, Gabi se deu bem, chegando até a via
dos fatos, que era um tanto difícil naquela época.
Fiquei meio
tímido, entrei na sala de visitas, eles ficaram sentados no sofá, enquanto ela,
com suas roupas coloridas, lenço estampado na cabeça, dezenas de colares e
pulseiras e uma saia rodada que não tinha mais tamanho, entrou na sala dando
boa tarde e perguntou:
- Quem será
o primeiro?
Gabi por ser
o mais bem falante, respondeu: Nós viemos trazer o Toninho para ele fazer uma
consulta e essa é sua primeira vez!
-Tudo bem
meu filho. Você coloca aí sobre a mesa a quantia de dez mil reis(a moeda da
época era cruzeiro, mas ela ainda usava o antigo nome de reis, como aliás muita
gente ainda faz).
-Rapaz, era
dinheiro como corno! Pois equivalia as minhas quatro semanadas que eu vinha
economizando para tal fim. Mas, como a curiosidade era maior, tirei do bolso
algumas machucadas notas e uma porção de moedas, e fui colocando e contando em
voz alta, enquanto ela, com seus grandes olhos, acompanhava minha contagem com
um pequeno sorriso de satisfação nos lábios.
Pegou na
minha gelada mão e levou-me para uma outra sala toda forrada de seda negra como
se fosse um circo, onde havia uma mesa redonda no centro e várias cadeiras em volta. Na mesa havia um
castiçal com cinco velas, sendo cada uma de uma cor.
Ela mandou
que me sentasse, começou a acender as velas e depois sentou de frente para mim,
sempre olhando firmemente nos meus olhos.
Como era de
se esperar, falou um montão de coisas generalizadas, mas, o que realmente me
intrigou e chamou a atenção, foi ela ter mencionado que, com quarenta e cinco
anos, eu iria sofrer um acidente de trânsito que poderia me deixar com grandes
seqüelas. Juro que, naquele momento, meu coração bateu forte e me veio uma
preocupação na mente, começando a dar um suadouro desgraçado nas mãos e um
arrependimento retado de ter gasto meu dinheiro para ouvir uma merda daquela.
Ela alertou
para que eu tivesse muito cuidado, pois, embora já estivesse traçado em meu
destino, talvez esse pudesse um dia mudar.
Agradeci e
saí da sala indo de encontro aos meus amigos que esperavam ansiosos, nos
despedimos da cigana Valquíria (esse era o seu nome), e eles começaram logo a
fazer perguntas:
-Como foi?
Tudo bem? Ela acertou tudo?
-Calma cara!
Não vou falar zorra nenhuma. Vou primeiro meditar direitinho sobre as coisas
que ela me disse, principalmente uma delas, e depois converso com calma com
vocês. Apenas vou dizer que ela disse que eu vou ser muito rico!
-Que
sacanagem cara! Nunca houve segredos entre a gente! Falou Guimarães que era o
mais curioso.
Eles se
despediram meio chateados pelo meu silêncio e eu segui para casa bastante
pensativo com relação à merda do acidente que ela citou. Mesmo faltando muitos
anos, claro que preocupa qualquer um.
Toda essa
lembrança venho em minha mente, simplesmente porque quando a cigana me falou
que eu sofreria o desastre de trânsito e que seria um homem muito rico,
imaginei que, provavelmente, numa das minhas viagens dirigindo uma linda
Ferrari amarela, indo para minha casa de praia em Malibu, por qualquer razão,
talvez pela velocidade, eu caísse em algum buraco da pista e acontecesse o tal
previsto acidente. Mas, por ironia do destino, completei quarenta e cinco anos
a semana passada, sou um humilde camelô que nunca conseguiu abrir um negócio e,
para completar, fui atropelado encima do passeio pelo caminhão do lixo.
Veja a
desgraça: Pobre, hospitalizado numa enfermaria, perdi dois dedos da mão e
fraturei a perna direita (que ficará mais curta que a outra) e ainda vítima de
um veículo da limpeza pública.
Ah! Cigana
mentirosa filha da puta!
*Escritor (Blog
Vida Louca – antoniomanteiga.blogspot.com – antoniodaagral26@hotmail.com –
Membro da Academia Grapiúna de Letras)
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